DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 7 de maio de 2013


                                   AMÍLCAR CABRAL

                                           XXVI

                      PRISIONEIROS



Não é conhecido com exatidão o número de militares portugueses capturados pelo inimigo durante a guerra de independência da Guiné. Terão sido cerca de oitenta. O facto de alguns desertores terem sido aprisionados e a incerteza quanto ao paradeiro de muitos desaparecidos complicam as contas. Houve quem tivesse sido arrastados pelas águas durante a travessia dos inúmeros rios e braços de mar da Guiné, quem se perdesse na mata durante o combate e quem tivesse o corpo despedaçado pela explosão de minas de grande potência.
Tanto quanto se sabe, o primeiro militar português aprisionado pelo PAIGC foi o sargento piloto António Lobato. Sobreviveu à queda do seu avião, em maio de 1963, e só viria a ser libertado quando da operação Mar Verde, sete anos depois.
Em 1968, uma emboscada preparada entre Buba e Quebo, perto de Mampatá, permitiu aos guerrilheiros aprisionar oito soldados portugueses. Pouco tempo depois, num ataque perpetrado na região de Bafatá, foram apanhados mais onze militares.
O PAIGC não tinha condições para manter cadeias, mesmo nas zonas “libertadas”. A desproporção entre o número de mortos em combate (2.070, nos 13 anos de guerra) e o escasso número de prisioneiros (80) faz supor que a maioria dos soldados portugueses detidos tenha sido imediatamente eliminada.
Os cativos que não foram passados pelas armas acabaram por ser transferidos para diversos países africanos que apoiavam a guerrilha guineense.
Julga-se que estiveram presos na Guiné-Conakry, nas cadeias de Alfa Yaya e Kindia, 45 militares portugueses, entre os quais se contavam três oficiais. 24 prisioneiros foram resgatados pelas forças de Alpoim Calvão no decurso da operação “Mar Verde”. Na República Democrática do Congo (Kinshasa), na República Popular do Congo (Brazzaville), na Tanzânia e na Zâmbia estiveram detidos mais 26 combatentes metropolitanos.
A literatura oficial do PAIGC louva as condições de detenção dos militares portugueses e o humanismo com que terão sido tratados.

 Estiveram detidos em Conakry mais de vinte militares europeus que tinham alimentação especial, com direito a irem à praia, que não ficava longe, uma vez por semana. No pátio do prédio transformado em prisão, havia um campo para desporto, onde faziam exercícios físicos. Muitos aprenderam a ler e a escrever e no fim já eram eles próprios a escreverem às famílias, o que lhes era facultado com a colaboração da Cruz Vermelha Senegalesa e a Cruz Vermelha Internacional.

Para além da operação “Mar Verde”, Marcelino da Mata participou noutra ação de guerra destinada a libertar soldados portugueses aprisionados pelo inimigo. Esse extraordinário combatente ficou famoso também pela sua bazófia. Os números que refere não podem ser levados sempre a sério. Ouçamo-lo.

Voltei a Binta em 1967. Foi uma das operações que gostei mais de fazer. O tenente-coronel Manuel Ferreira chamou-me e contou-me que a companhia do capitão Fernando Carracha, que estava a fazer operações de patrulha na zona da fronteira, fora toda apanhada à mão pelo PAIGC na véspera – 150 homens apanhados à mão! – e que eu tinha de ir lá buscá-los. Na vila para onde os levaram, além do PAIGC havia 1 batalhão de pára-quedistas senegaleses. Fomos 19 homens, todos muito armados, menos eu que ia vestido com uma tanga igual à que os senegaleses usam naquela zona. Entrei na vila, cheguei perto do arame farpado do quartel senegalês e vi os nossos homens todos sentados na parada, só em cuecas; nem as meias lhes tinham deixado. O primeiro que me reconheceu passou a palavra ao capitão e depois passaram todos uns aos outros. Atirei uma granada ofensiva para o meio da parada e na confusão conseguimos tirar os nossos de lá todos. Mas custou-me chegar à fronteira porque os brancos não estão habituados a andar descalços. A tropa senegalesa fugiu rapidamente, mas o PAIGC vinha atrás de nós. Iam 9 do meu grupo à frente a escoltar os nossos e 10 atrás a aguentar o tiro do inimigo – foi assim até à fronteira e ainda eram mais de 40 km. Pusemos os nossos na fronteira e ainda voltámos para trás para repelir o PAIGC. Nesta operação ganhei a Torre e Espada.»

Os guerrilheiros capturados pelos portugueses eram considerados fontes privilegiadas de informação e interrogados pela unidade militar. Muitas vezes eram obrigados a servir de guias para localizar as suas bases. Posteriormente, eram entregues ao livre-arbítrio da PIDE. Não sendo considerados prisioneiros de guerra, não lhes eram atribuídos quaisquer direitos e não eram protegidos por leis ou regulamentos. Tanto podiam ser considerados arrependidos, podendo então regressar às terras de origem, como eliminados sem deixar vestígios. 

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