DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015




SINOPSE DA HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO DE ANGOLA

II

DE CAMBAMBE A BENGUELA. A RAINHA GINGA

Manuel Cerveira Pereira exerceu por duas vezes o cargo de Capitão-general de Angola. Na primeira, entre 1603 e 1606, atingiu Cambambe e mandou erigir ali um presídio. 
    As tentativas de conquistar Cambambe, onde, segundo alguns jesuítas, a prata era tanta que o brilho das montanhas ofuscava o olhar, haviam já custado centenas de vidas portuguesas. Desfez-se, então, um sonho que os nossos acalentavam há décadas: o das minhas de prata. Afinal, em Cambambe havia apenas chumbo.


                              Ruínas do presídio de Cambambe

Entretanto, a vila de S. Paulo de Luanda alcançou certo desenvolvimento e foi promovida a cidade. Em 1618, foi levantada a fortaleza de São Pedro da Barra e, em 1634, a de São Miguel.


                                      Luanda antiga

     Foi mais ou menos por esta altura que a pequena colónia portuguesa passou a chamar-se Angola. O nome provém do título “Ngola”, dado aos sobas da região.
A fixação europeia seguia um modelo mais ou menos uniforme. Os brancos erguiam as suas povoações junto à costa, ao abrigo da artilharia dos navios. Neles se poderiam refugiar, em casos de extrema necessidade. Ali estabeleciam contactos comerciais com os povos vizinhos. 
    A ambição dos recém-chegados a África era insaciável e os conflitos iam acontecendo. Os comerciantes que se aventuravam pelo sertão constituíam elementos fundamentais do processo de colonização.
     Sempre que podiam, as autoridades portuguesas nomeavam sobas complacentes.
Por volta de 1578, começaram a fixar-se colonos portugueses em Benguela-a-Velha, onde é agora Porto Amboim. A iniciativa não resultou e os colonos acabaram por se mudar mais para sul. Levaram com eles o nome da povoação: Benguela. Iria tornar-se a segunda cidade de europeus a ganhar espaço no território angolano.


                                Vista antiga de Benguela

Os presídios, ocupados por degredados e pelos seus guardas, foram aumentando de número. Muxima foi fundada em 1600, Cambambe em 1604 e Ambaca, junto ao rio Lucala, em 1614.
No ano de 1615, entraram em cena os holandeses que ocuparam o porto de Mpinda, situado na margem sul do Zaire, junto à foz. É a atual cidade angolana de Soyo. Na época, era o principal porto da costa angolana. Seriam mais de 4.000 os cativos que dali eram levados anualmente para o Brasil, com escala em S. Tomé.
Note-se que era na ilha atlântica e não em Angola que, de começo, se instalavam os mercadores mais prósperos.
Os holandeses deram-se tão bem naquele porto que até os pombeiros portugueses lhes vendiam escravos. A explicação para o facto era simples: os dos Países Baixos pagavam melhor que a concorrência.
Nesse mesmo ano de 1615, o rei Filipe II de Portugal decidiu separar administrativamente os Reinos de Benguela e de Angola. Tratava-se de encontrar e explorar as minas de cobre que se julgavam existirem na região.
Manuel Cerveira Pereira iniciou o segundo mandato de Capitão-general de Angola em 1615. Acumulou as funções com o governo de Benguela.
Em maio de 1617, fundeou na Baía das Vacas. Desembarcou e fez construir o forte de São Filipe de Benguela.
A miragem do cobre durou ainda menos do que a da prata. As jazidas encontradas eram pobres.
As coisas correram mal a Cerveira Pereira e o Reino de Benguela teve uma existência fugaz. Ano e meio após a chegada, no começo de 1619, o governador foi expulso da povoação e metido num bote. A corrente marítima foi misericordiosa e arrastou-o para Luanda, onde arribou passadas quase três semanas.
Por volta de 1623, João Correia de Sousa, novo governador da colónia, começou uma guerra com o Congo. Seria breve. Desagradados com a interrupção do negócio de escravos, os colonos juntaram-se e expulsaram o governador. O governo português não se incomodou e nomeou prontamente um substituto para João de Sousa. Chamava-se Fernão de Sousa e dirigiu os destinos da colónia de 1624 a 1630. Foi ele quem deu início ao conflito com Nzinga Mbandi, a celebrada rainha Ginga. A luta intermitente iria prolongar-se por quatro décadas.



Em 1641, quando os portugueses se preparavam para a Guerra da Restauração, os holandeses tomaram Luanda. Benguela foi também ocupada.
Os nossos refugiaram-se no forte de Massangano, onde se defenderam como puderam dos ataques de bandos armados do Reino do Congo e da rainha Ginga, que se haviam passado para o lado dos holandeses. Parece ser uma lei da história: os povos subjugados, ou em risco de o serem, tomam sempre o partido de quem é circunstancialmente mais forte.
A guerra da independência prolongou-se e D. João IV não podia dispensar forças que defendessem as colónias africanas. O auxílio veio do Brasil. Em 1648, Salvador Correia, curiosamente nascido em Cádis e filho de mãe espanhola, comandou a frota que expulsou os neerlandeses.



O último rei do Ndongo morreu em 1671, junto ao rio Cuanza, em luta com os portugueses. Nascia o reino português de Angola. Ocupava o território do Reino do Ndondo e de parte do do Reino de Matamba.
A rainha Ginga morrera de velhice, em 1663. Por altura da sua morte, o Reino da Matamba continuava independente. Centrava-se na Baixa de Cassange, na região da atual Malanje.
Morta Nzinga Mbandi, o seu reino mergulhou num período de instabilidade que facilitou o avanço das forças portuguesas, uma vez mais aliadas aos imbangalas. Em 1681, o rei de Matamba, batizado com o nome de Francisco Guterres, morreu em combate. Sucedeu-lhe a rainha Verónica que assinou, em 1683, um tratado de paz com os portugueses. O reino da Matamba perdia a autonomia.
No conjunto, os reinos do Ndongo e da Matamba resistiram dois séculos às investidas dos colonos portugueses.

Fontes: 
Fonseca Santos, Henrique. A conquista de Angola. Os três reinos. Chiado Editora, Lisboa, 2013.
Internet.
Imagens: Internet.





domingo, 29 de novembro de 2015


SINOPSE DA HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO 

DE ANGOLA


I

DE DIOGO CÃO A  PAULO DIAS DE NOVAIS


Desde as viagens de Diogo Cão, de 1483 a 1486, até às explorações levadas a cabo por Hermenegildo Capelo, Roberto e Ivens e Alexandre Serpa Pinto, entre 1877 e 1875, a história da presença portuguesa em Angola decorreu de forma lenta e progressiva. Não fossem os abalos provocados pela tentativa holandesa de substituição dos interesses portugueses na costa ocidental de África, em 1641, interrompida em 1647 pela intervenção dos homens e navios de Salvador Correia de Sá e Benevides, e tudo se resumiria a uma sucessão de pequenos combates e ao fazer e desfazer de alianças com os sobas que dominavam o interior, tendo como fim principal a aquisição de escravos, exportados essencialmente para os engenhos de açúcar do Brasil. Os portugueses tornaram-se exímios em aproveitar as rivalidades entre reinos e sobados e foram estendendo aos poucos as suas áreas de influência.
A instalação progressiva de presídios, ocupados por degredados e pelos seus guardas, deu apoio aos negociantes que se aventuravam pelo interior do território


Em 1483, Diogo Cão chegou ao Zaire e enviou emissários rio acima, numa primeira tentativa de estabelecer contacto com o rei do Congo. Abandonou-os e prosseguiu a viagem para sul, até ao cabo Lobo, tencionando recolhê-los no regresso. De volta, fundeou na foz do grande rio e esperou algum tempo pelos seus embaixadores. Como eles não vieram, fez alguns reféns africanos e rumou a Lisboa.


Diogo Cão regressou ao Zaire dois anos depois e, acompanhado por um guia, subiu o rio até às cataratas de Ielala, a 90 milhas da foz. Recuperou os seus emissários, por troca com os prisioneiros de torna-viagem. Começavam as relações entre os reinos de Portugal e do Congo.

         Inscrições de Diogo Cão em rochas da foz do tio Mponzo

A nossa presença militar em África foi quase sempre complementada com a ação missionária. O missal e o arcabuz davam-se bem e ganhavam força acrescida ao atuarem juntos.


O tráfico de escravos continuou sempre a crescer. A partir de 1530 intensificou-se, com a multiplicação dos engenhos de açúcar no Brasil. As outras exportações do território de Angola eram o marfim e o cobre.
Em 1543, aproximaram-se do litoral norte de Angola os imbangalas, tribos jagas guerreiras provenientes de leste. Começaram por enfrentar os portugueses, mas acabaram por se tornar seus aliados nas lutas contra os potentados regionais.
As relações dos portugueses com o reino do Ndondo, que ia do rio Dande, a norte de Luanda, até além do Cuanza, a sul, tiveram um início complicado. Ndondo ficava a sul do grande reino do Congo e prestava-lhe vassalagem.  Em 1560, Catarina de Áustria, viúva de D. João III e regente do reino, enviou ao Ndondo uma embaixada dirigida por Paulo Dias de Novais. O rei fez-se caro e Paulo Dias esperou meio ano, na foz do Cuanza, pela autorização para viajar para o interior. Chegada a Cabassa, a embaixada foi retida na corte durante cinco anos. Quando o rei a deixou regressar, guardou ainda como reféns os padres jesuítas que a integravam.


Paulo Dias regressou a Angola em 1575, comandando uma frota considerável que aportou à Ilha de Luanda. A ilha, então chamada "das cabras", delimitava uma baía com um excelente porto natural. Estavam lá estabelecidos cerca de 40 portugueses. A ilha era importante por fornecer conchas de zimbo, que serviam de moeda.
    Os navios transportavam 700 homens. Metade eram soldados. Os outros eram mercadores, funcionários, religiosos e artífices, incluindo sapateiros, pedreiros e alfaiates. O objetivo da expedição era retirar ao reino do Congo o monopólio do fornecimento de escravos. A partir de então, o tráfico passou a fazer-se também a sul do rio Dande.
No ano seguinte, Paulo Dias fundou Luanda. Ali, a água potável abundava e o morro, que foi chamado de S. Paulo, constituía uma boa posição defensiva.


 A população branca teve dificuldade em adaptar-se ao clima e padeceu com as doenças tropicais. Ainda assim, a povoação foi-se alargando e dividiu-se em “cidade alta”, a zona nobre, destinada às autoridades civis e religiosas e a “cidade baixa”, onde se instalava a maioria dos habitantes.
Organizavam-se as primeiras expedições armadas para a conquista do interior. Os sobas locais resistiam e o sucesso dos combates variava. Aos poucos, e com a ajuda dos imbangalas, os portugueses foram alargando a sua área de influência.


Foi Paulo Dias de Novais quem fundou o primeiro presídio português em terras de Angola: Massangano.

Fonte: Fonseca Santos, H. A conquista de Angola; Os três reinos. Chiado Editora, Lisboa, 2013.
Imagens: Internet.

domingo, 15 de novembro de 2015


GIL EANES E A ESCRAVATURA


A questão da escravatura continua a ser abordada com algum pudor nos países que a praticaram.
Portugal, que fez dela um comércio em larga escala, foi também um dos primeiros países do mundo a decretar a sua abolição. Não a introduziu em África.  A escravatura fez parte da tradição cultural e da prática de vida de povos de todos os continentes e era já corrente entre os hebreus dos tempos bíblico. Persistiu até aos nossos dias. A Mauritânia apenas a aboliu em 1981.
Será conveniente enquadrar a escravatura na história do nosso processo colonial. A Expansão Portuguesa começou pelas expedições de marinheiros algarvios à costa africana, em busca de proveitos comerciais. A conquista de Ceuta e o ataque a Tânger, em que estiveram envolvidos centenas de navios e milhares de homens, são testemunhos do interesse da Coroa Portuguesa em meter lanças em África, mas têm pouco a ver com os esforços bem mais modestos, em moeda, em tripulações e em navios que levaram à exploração progressiva do litoral africano quase deserto, cada vez mais para sul. Neste contexto, a passagem do Cabo Bojador abriu as portas à exploração de toda a costa ocidental africana. Dali até ao Cabo da Boa Esperança, onde confluem o Atlântico e o Índico, não existem outros obstáculos significativos à navegação costeira.


O Bojador está situado na costa do Saara, numa área atualmente controlada pelo Reino de Marrocos. Ali, os recifes e os bancos de areia prolongam-se por muitas milhas mar adentro, impedindo a passagem das embarcações. O fracasso de tentativas sucessivas de o transpor e as naus e as vidas que nelas se perderam fizeram-no entrar no imaginário dos portugueses como símbolo do medo e da morte no mar.


Em 1434, Gil Eanes, de Lagos, comandou quinze homens que partiram numa barca de trinta toneladas com uma única vela redonda e navegaram para sul, com a costa africana à vista. Note-se que a embarcação tinha tonelagem muito inferior à das caravelas e não dispunha de velas latinas. Provavelmente, teria também menor calado, o que poderia ser um fator importante na travessia dos baixios. 

Quando se aproximou do Cabo, o capitão rumou para oeste, até longe da costa. Terá navegado durante um dia inteiro. Quando deu com um mar tranquilo, Gil Eanes inverteu o rumo para sudeste, até ter de novo a costa próxima. Percebeu então que havia dobrado o Bojador.


O lado escuro da história é que Gil Eanes, um herói nacional, regressou várias vezes à costa africana para capturar escravos. Caçavam mouros desprevenidos que eram depois vendidos em Lagos, num terreiro que ficava em frente às portas da vila. Julga-se que o Infante D. Henrique esteve envolvido no início desse tráfico.
Encontram-se historiadores que questionam as motivações atualmente apresentadas para a Expansão Portuguesa. Para eles, a necessidade de alargar a fé e o império era pulsão corrente na época e nós, partidários duma visão economicista do passado, deixamos de ser capazes de a entender. Certo é que os escravos foram, desde sempre, uma das grandes fontes de rendimento das colónias portuguesas em África.


De um modo geral, os negreiros portugueses não capturavam escravos. Compravam-nos a quem os tinha apanhado.
No século XVI, a região onde se situa hoje a Guiné-Bissau passou a ser dominada pelo reino do Gabu. Os reis de Gabu vendiam escravos aos portugueses, que os exportavam para as Américas. A região chegou mesmo a ser chamada Costa dos Escravos. Portugal recorreu a alguns destes cativos para povoar as ilhas de Cabo Verde, desabitadas em 1456, altura em que Diogo Gomes as descobriu.
A partir do final do século XIV, a exploração da costa africana tornou-se rentável para os nossos marinheiros e mercadores. No século seguinte iniciou-se a colonização, de forma bem modesta. 


Foram construídos alguns entrepostos comerciais fortificados para residência permanente, os quais serviam também de pontos de apoio à navegação costeira. Chamavam-lhes feitorias. A primeira foi a de Arguim, fundada na região do Cabo Branco, em 1448. O Castelo de S. Jorge da Mina, construído em 1482 na costa do atual Gana, no local onde se situa agora a cidade de Elmina, viria a constituir a mais importante instalação comercial portuguesa na zona Equatorial de África. A atividade comercial consistia na troca de trigo, tecidos, cavalos e conchas (zimbo) por ouro, marfim e escravos.
 No ano seguinte à construção da feitoria de S. Jorge da Mina, Diogo Cão chegou ao rio Zaire.
 No século XVI, os portugueses começaram a estabelecer também feitorias na costa da Guiné, no litoral ou junto aos braços de mar. Nasceram assim as povoações de Cacheu, S. Domingos, Farim, Bissau, Geba, Bolola, Rio Grande de Buba e posteriormente, Bolama, Bolor e Bafatá. Os comerciantes vendiam pólvora, tabaco, aguardente e quinquilharia. Do começo do século XVI às duas primeiras décadas do século XIX, adquiriam sobretudo escravos.
O tráfico de seres humanos foi praticado por nacionais de vários países europeus, incluindo Portugal, durante perto de três séculos.


       O grande Marquês de Pombal decretou o seu fim, na Metrópole e na Índia, em fevereiro de 1761. Foi preciso esperar quase cem anos para que a medida se estendesse ao continente português. Os escravos do Estado foram libertados em 1854 e os da Igreja, que também os tinha, em 1856. Foi apenas em fevereiro de 1869 que a escravatura foi abolida em todo o império português, e ainda assim com exceções até 1878. No Brasil a abolição da escravatura foi também um processo gradual que teve início na convenção assinada entre o Brasil e a Inglaterra em 1825 e culminou na Lei Áurea de 1888.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015





   Este livro consta de uma história grande, feita há muito, e de quarenta contos curtos escritos ao longo do último ano. Deixo aqui o mais pequeno de todos.

A PASSAGEM

 Foi tão simples como desaprender de voar.
 Não tive dor. A dor foi antes. Fiquei vazio e sereno.
 Aqui estou, não sei há quanto tempo. Descobri que, deste lado, o tempo não existe. Pelo menos, não se conta.
Até agora, não avistei anjos nem demónios. Ninguém manifestou interesse em me julgar. Acho, até, que não se importam comigo.
Tenho disponibilidade para tudo e até me deu para filosofar. Sei que o “eu” fratura. Depois de pensar bastante, deixei de tentar dividir o que é indivisível e aceitei a pertença ao Ser universal. A conclusão tranquilizou-me. O destino parece-me razoável.
Quererão saber da passagem. Vou contar-vos. Não sei se me faço ouvir daqui. Estou imóvel, desde que cheguei. Tenho alguns palmos de terra em cima.
É como adormecer, mas sem ter sonhos. Dá-se num instante. Primeiro, falta-nos o ar. Depois, a gente percebe que mudou para uma forma antiga. Mal se reconhece.
Choveu, certamente, pois começa a escorrer água pelas frinchas do teto. Eu próprio me sinto um tanto liquefeito. Ainda assim, não me dou mal, e não estou certo de querer sair.
É pena a caixa estar a encher-se de vermes.