DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 20 de outubro de 2009




OS "BRASILEIROS DA REPÚBLICA"


Miguel Bombarda e Bernardino Machado nasceram na mesma cidade, no mesmo ano e no mesmo mês: Rio de Janeiro, 1851, Março. Ambos vieram cedo para Portugal e desenvolveram percursos profissionais assinaláveis antes de se deixarem tentar pela política.
Bernardino era filho de emigrantes portugueses bem sucedidos. O pai fora agraciado com o título de barão de Joanes.
Veio novo para Lisboa e mudou-se para o Porto. Após um percurso escolar brilhante, tornou-se lente de Filosofia na Universidade de Coimbra.
Filiou-se no Partido Regenerador e, em 1882, foi eleito deputado pelo círculo de Lamego. Em 1886, voltou a ser eleito, mas por Coimbra. Em 1890, foi feito Par do Reino. No longo período em que integrou o Parlamento, interessou-se especialmente pelo Ensino.
Foi, durante algum tempo, grão-mestre da Maçonaria Portuguesa. Fez parte do governo monárquico de Hintze Ribeiro, como Ministro das Obras Públicas.
Mudou-se depois para o lado da República. A sua opção contribuiu para dar aos republicanos o ar de respeitabilidade que lhes faltava. Em 1902, foi nomeado presidente do Directório do Partido Democrata.
Bernardino Machado foi um diplomata notável. Como ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório da I República, contribuiu de forma decisiva para o reconhecimento internacional do novo Regime.
Os seus inimigos políticos insinuavam que ele conservara a nacionalidade brasileira. Aliás, inimigos não faltavam a Bernardino. Muitos consideravam-no demasiado simpático e mesureiro. Dirigia um “Meu querido amigo!” até aos seus adversários mais virulentos.
Miguel Bombarda era filho de um miguelista exilado que regressou a Portugal em 1858. Naturalizou-se português em 1877, ano em que terminou, em Lisboa, o Curso da Escola Médico-Cirúrgica.
Era mação também, e fazia parte da Loja José Estêvão. Professor da Escola Médico-Cirúrgica, contribuiu para a sua renovação. Deu também um contributo decisivo para a fundação da Liga Nacional contra a Tuberculose. Dirigia o Hospital de Rilhafolhes (actual Hospital Miguel Bombarda) na data em que morreu. Apesar da sua notável craveira intelectual, dizia-se que perdia as estribeiras cada vez que ouvia falar em jesuítas.
Inscreveu-se relativamente tarde no Partido Republicano. Assumiu a chefia da Junta Liberal, que defendia a expulsão das congregações religiosas.
Foi eleito deputado, numa lista monárquica, e voltou a ser eleito, pelos republicanos, em Agosto de 1910. Dois meses antes, numa reunião do Grande Oriente Lusitano, foi nomeado, juntamente com Machado Santos, para integrar a comissão encarregada de preparar a revolução republicana.
A caricatura de Bernardino Machado não exigia muito do desenhador. O crânio redondo e meio despovoado, as sobrancelhas negras e espessas, e o queixo pequeno, tudo enquadrado por uma bonita barba branca e por um bigode descomunal, eram fáceis de esboçar.
As feições do psiquiatra apresentavam menos traços distintivos. Sem ser gordo, tinha o rosto redondo. O nariz era comprido, ligeiramente convexo na cana e boleado na ponta. Os olhos eram doces e tranquilos. As sobrancelhas escuras contrastavam com o grisalho do cabelo e do bigode.
Os destinos de ambos são conhecidos. Bombarda foi atingido a tiro por um doente, no dia 3 de Outubro de 1910, e faleceu por volta das 18 horas. A revolução, de que era o chefe civil, rebentaria sete horas depois. Teve o funeral conjunto com o almirante Reis, no dia seis. Machado foi Presidente da República por duas vezes, mas não terminou qualquer mandato. Foi derrubado por Sidónio Pais, em 1917, e por Gomes da Costa, no movimento de 28 de Maio de 1926. Viria a morrer em 1944, com 93 anos. Até ao fim da sua longa vida, conspirou sempre contra a ditadura de Salazar.
(Publicado anteriormente em Nova Águia)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009







CAMILO E EU


Sempre gostei de ler.
Em casa, na pequena biblioteca da catedral do Lubango, ou na biblioteca mais solene do Liceu, ia lendo. Julgo que considerava mais solene a biblioteca do Liceu porque os livros eram melhor encadernados e, de um modo geral, mais chatos.
A escolha não era grande. Muitas vezes, nem escolha havia e eu lia o que me aparecia em frente. Note-se que vivia numa cidade pequena em que não acontecia quase nada e num tempo em que não existia televisão nem Internet.
Lembro-me de ter soletrado, em estado de quase desespero por privação de livros, La Chanson de Roland. Ia nos treze anos. O meu francês era limitado e a progressão na leitura foi dolorosa. Muito podia o vício!
Ao longo do tempo, fiz e desfiz amizades no papel.
Não faltavam bons conselheiros nas estantes arrumadas atrás da sacristia, mas eram muitas vezes os prevaricadores que ocupavam a minha alma, e as dos outros miúdos.
D.H.Lawrence entusiasmou-me, creio que um ano depois de Alexandre Herculano me ter feito sonhar com a dama Lilith. Claro que eu pretendia também ser cavaleiro, talvez menos monge, mas nenhum dos rapazes da minha idade leu O Amante de Lady Chatterley com a intenção de aprofundar a cultura literária.
As lembranças não vêm arrumadinhas, umas a seguir às outras, por ordem cronológica, e é de lembranças que falo. Anos mais tarde, espantei-me ao reencontrar Lawrence e mal o reconhecer.
Fui amigo e cúmplice de muitos escritores. A maioria tinha morrido dezenas de anos antes de eu nascer. É uma das maravilhas da grande escrita. Encanta, por vezes, por séculos a fio.
Entusiasmei-me com Dumas filho e com Salgari e, um pouco mais tarde, estremeci de emoção com as aventuras de Fantômas. Não fixei o nome do seu criador.
Vai-se crescendo. Aos 17 anos, partilhei a solidão e a tristeza de António Nobre. Aos 18, encostei-me a José Régio.
No que respeita ao Romance, talvez por ter tido uma vivência africana na juventude, senti-me sempre mais próximo dos escritores americanos do que de muitos europeus. Acho que sentia a realidade descrita no Velho Continente como estranha, ou mesmo exótica.
Amado, Lins do Rego, Graciliano Ramos fizeram-me partilhar os seus sonhos e preocupações. Depois, Hemingway, Caldwell e Steinbeck tomaram-me conta dos sonhos e da necessidade de evasão. Por essa altura, já as minhas preocupações estéticas tinham começado. Algumas histórias curtas americanas estão entre os escritos que me deram mais prazer ler em toda a vida.
Os anos passam. Entusiasmei-me com Borges, e continuo entusiasmado. Conheci Rilke por volta dos 40 anos e lamentei não ter sabido dele mais cedo. Da gente da terra li, quase sempre com gosto, Garrett, Torga e Cardoso Pires. Reconheço e respeito o génio de Eça de Queirós, mas nunca me senti queirosiano. Caminhando no tempo, umas vezes para a frente e outras para trás, tive sempre dificuldade em alcançar o grande Camilo sem tropeçar no fantasma de Queirós.
Escrevo ao correr da pena, ou ao tamborilar dos dedos no teclado do computador e há-de haver nestas notas alguma injustiça e muitas omissões. Ainda assim, vou deixar o texto como saiu, pois pretendo fixar impressões e não elaborar uma antologia.
A introdução vai longa. Quando comecei, estava a pensar falar apenas de Camilo.
A dada altura da minha vida, resolvi aperfeiçoar o Português e escolhi os meus próprios mestres. Li e reli António Vieira. Conheci dúzia e meia de títulos de Aquilino. Passei teimosamente os olhos pelos livros de Manuel Bernardes, sem me permitir o luxo de desistir. Como é que desperdiça uma técnica literária tão apurada a descrever as torturas do Inferno? Por fim, apaixonei-me pela escrita de Camilo Castelo Branco.
Camilo é romântico. Aprecia os sentimentos carregados, o ciúme, a vingança, o desespero, que pedem um estilo declamatório e quase frenético. Exprime emoções fortes numa linguagem forte. Cria personagens poderosos. Dá às narrativas o ritmo apropriado, quase sempre com a tragédia a espreitar atrás de cada volta do enredo. Os protagonistas são movidos pela paixão e, muitas vezes, não querem saber do que se passa no mundo que os rodeia.
Foi um autodidacta que começou com os clássicos e só depois se chegou aos autores contemporâneos. Não revia a sua prosa com grande cuidado. Publicava-a, geralmente, como lhe saía. Nunca deixou de ser um escritor irregular, mas até em páginas menores plantou frases de génio.
Foi o primeiro homem, em Portugal, a viver apenas dos textos que publicava. Era pouco, e o escritor precisava de cama, mesa e roupa lavada. Proporcionou-lhos Ana Plácido. Encontrara-os também, em 1960, na cadeia da Relação do Porto.
Fialho de Almeida afirmou, sobre ele:
Raros escritores possuem, como Camilo, a intuição da língua em que convém tratar o assunto e o poder de inventar, para cada género de tema, o vocabulário e o estilo que lhes são próprios. Com Garrett e Camilo, a língua portuguesa enriqueceu e tornou-se mais flexível.
Disse ainda:
Outros como ele trabalharam a língua portuguesa e a souberam com intimidade igual e exuberância parecida; mas nenhum lhe deu aquela alma indómita, transfiltrando-lhe a pompa, o brilho, a energia e a graça em que ele a amoedou.
Camilo Castelo Branco foi sempre um escritor popular. Hoje, sobrevive nas estantes de muitas casas portuguesas, mas é lembrado sobretudo pelos eruditos. É outra maneira de morrer.
"Eu, Camilo" é uma biografia romanceada em forma de diário. Representa, acima de tudo, a homenagem a um Senhor da Palavra que enriqueceu e ajudou a fixar a língua da nossa Pátria.

domingo, 11 de outubro de 2009

SETÚBAL E "1910"









Foram diversas as razões que me levaram a escolher Setúbal
para a apresentação deste livro.


É a terra onde vivo há perto de 40 anos e onde tenciono morrer.


Criei aqui as minhas filhas e alguns dos meus netos.


O romance histórico "1910" tem muito a ver com a cidade.


Foi no antigo Teatro Dona Amélia que se realizou o Congresso
Republicano em que se optou pela via revolucionária para a
implantação da República. O Congresso terminou em
25 de Abril de 1909.
Decorreram 100 anos. Repetem-se datas com grande força
simbólica. A Primavera encorajou sempre os ânimos rebeldes.




Algumas cenas passam-se na Igreja do Convento de Jesus, cuja fundadora, Madre Justa, foi amante do bispo da Guarda e ama de leite do rei D. Manuel I.


Diversas personagens centrais do romance
são feitas nascer em Setúbal.

É o caso de Duarte dos Remédios e de sua
mulher, Maria do Amparo, que ofereceu o vestido
à Santa do seu nome. Não se trata da doadora
verdadeira.

Esta Maria do Amparo é inventada.

No entanto, a beleza da Igreja é bem real.

sábado, 3 de outubro de 2009






CANTO DO VELHO DO RESTELO


Eu sei que minhas mãos são como ramos

em que poisam, à vinda, as andorinhas
e quando chega Abril, juntos cantamos
E quando o Outono vem, ficam sozinhas.

Eu sei que as minhas mãos são como praia
em que naufragam naus das descobertas
tomando as minhas luzes de atalaia
por faróis, por sinais de rotas certas.


Eu sei que em minhas mãos se ergueram casas,
palavras, naus, e o sonho de abalar,
mas se as fecho, sinto quebrar de asas
e se as abro, gritos de afogar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009






O PASTOR DE ICEBERGS


Muito tempo depois de a neve ter tombado,
o pastor de icebergs
abriu o redil.

Trotou sobre o mar um rebanho de gelo.
Dentes brancos ceifaram a erva da bruma,
os navios rangeram, assustados,
e, dos Corte Real, nenhum voltou.


Aqui nasceu, talvez, Adamastor,
ao sul das catedrais dos deuses cegos,
a oeste de todas as preces conhecidas.
Não se aprende a morrer devagar!


Encenador da Primavera,
afaga ainda as coxas dos fiords!
Que os actores se apresentem!


Faz gemer no roçar dos icebergs
a solidão, o silêncio,
o chicote longo do frio,
o cinzento infindo do mar
e, depois, o vento e a espuma,
a varrer os sonhos simples dos navegantes:


volver à terra morna
de vinho e mulheres doces.

António Trabulo
e a
Editorial Cristo Negro

têm o prazer de o convidar
a estar presente na apresentação
do livro

1910

que terá lugar
no dia 17 de Outubro, às 16h00, na
Biblioteca Pública Municipal de Setúbal