DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011


                                          ÁFRICA A PÉ

                                    PÊRO DA COVILHÃ

Pêro da Covilhã desempenhou um papel importante na preparação da viagem de Vasco da Gama à Índia. Conhecia diversas línguas e era fluente em árabe. 
      Em 1487, juntamente com Afonso de Paiva, viajou por terra de Santarém a Barcelona. Ali, os dois aventureiros embarcaram para Nápoles e depois para Rodes. Deixaram então terras cristãs e seguiram para Alexandria.
Chegaram ao Cairo e juntaram-se a uma caravana que percorreu o deserto da costa Leste do Mar Vermelho. Visitaram Meca, onde rezaram, como bons muçulmanos que deviam parecer. Chegaram a Aden no começo de 1488 e separaram-se. Nenhum deles regressaria a Portugal.


Afonso de Paiva dirigiu-se à Etiópia. 
Pêro da Covilhã fez um percurso notável. Atravessou o Oceano Índico e chegou a Calecute, um pequeno reino da Índia, em Novembro de 1488. Empenhou-se em conhecer o percurso das especiarias e visitou Cananor e Goa. Navegou dali até Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico.
Em Dezembro de 1489, Pêro embarcou para Sul. Passou por Melinde, cidade do Quénia atual, Ilha de Moçambique e Sofala. Ficou a saber que, depois de dobrar o extremo Sul da África e atingida Sofala ou Melinde, seria fácil navegar até Calecute.
No final de Janeiro de 1491, Pêro da Covilhã chega às portas da cidadela do Cairo, onde combinara encontrar-se com Afonso de Paiva. O companheiro faltou. Julga-se que terá alcançado a Etiópia. Morreu de peste e não pôde dar notícias da viagem.
Pêro encontrou no Cairo judeus portugueses e enviou um relatório para o rei. Vasco da Gama pôde então atravessar o Oceano Índico, de Melinde para Calecute.
O aventureiro da Covilhã regressou a Aden. Dali embarcou para Zeila, na costa da Etiópia. Terminou ali um sonho português. O mítico Preste João era senhor de um reino pobre que resistia com dificuldade aos muçulmanos que o rodeavam. De pouco serviria na empresa conta os turcos.
Pero da Covilhã terá sido impedido de sair do reino. Não é certo que assim tenha sucedido. Deu-se bem na Abissínia. Foi acarinhado pela família real. Casou mais do que uma vez. Morreu velho e deixou numerosa descendência.
Para além de judeus e navegadores, havia também frades portugueses aventureiros. Dois alcançaram a corte da Etiópia. No regresso a Lisboa, acompanharam o embaixador Mateus, enviado por sugestão de Pêro da Covilhã, já conselheiro régio da rainha Helena.
Em 1521, Pêro da Covilhã foi visitado pelo embaixador D. Rodrigo de Lima. Tinha mais de setenta anos, o que parecia muito para a época e para a agitação da sua vida. Não se sabe quando morreu.
O relato das suas viagens chegou a Lisboa, enviado pelo autor. O livro As Verdadeiras informações das Terras do Preste João das Índias foi publicado em Lisboa, no ano de 1540.

terça-feira, 18 de outubro de 2011



                                             A ÁFRICA A PÉ

Há livros que nos chamam. Tinha esquecido na estante um volume bastante maltratado que o meu amigo Carlos Nunes Pinto, da Bibala, me emprestara há quase um ano. Ontem, saltou para as minhas mãos. Já o não devolvo tão cedo. Data de 1886 e foi editado pela Imprensa Nacional, em Lisboa. Chama-se “De Angola à Contra Costa” e foi escrito a meias por Hermenegildo Capello e Roberto Ivens, “Officiaes da Armada Real Portuguesa” que, nos finais do século XIX, atravessaram a pé o continente africano, de Angola a Moçambique. A edição apoia-se em mapas bem desenhados e é ilustrada com dezenas de gravuras.
Por essa altura, boa parte do continente africano era mal conhecida. Entre 1870 e 1890, alguns países europeus deitaram olhares cobiçosos ao continente negro. Queriam garantir o fornecimento de matérias-primas e conseguir mercados para a produção industrial. Estas ambições contrariavam os direitos que Portugal julgava seus, por prioridade nas descobertas. Em 1885, a Conferência de Berlim instituiu o princípio da ocupação efectiva dos territórios como fonte de soberania. A instâncias da Sociedade de Geografia, o governo português, pela mão do notável ministro Manuel Pinheiro Chagas, poeta prometedor na sua juventude, promoveu nova expedição ao interior do continente africano.


Hermenegildo Capello e Roberto Ivens foram escolhidos para desempenar esta árdua tarefa devido à experiência que Já detinham em viagens semelhantes. Em 1877, tinham partido de Benguela, juntamente com o major Alexandre Serpa Pinto. Tinham por missão estudar as relações hidrográficas entre as bacias dos rios Zaire e Zambeze e as regiões entre Angola e Moçambique. Desentenderam-se, o que não admira, pois a dureza do percurso punha à prova os nervos melhor temperados. Separaram-se no Bié. O major Serpa Pinto dirigiu-se para Leste, atingiu o curso do Zambeze e atravessou o continente africano até Durban, onde chegou em 1879. No regresso, escreveu o livro “Como eu atravessei África”. 


Os dois oficiais da Armada obedeceram ao plano original e dirigiram-se para o Quióco, à procura da nascente do Cuango. Seguiram o curso deste rio até Iacca, antes de regressarem a Luanda. Deram fé da sua viagem na publicação intitula-a “De Benguela à terra de Iacca”.
A leitura do livro” De Angola à Contra Costa” serviu de pretexto para uma série de pequenos artigos que irei publicando neste blogue ao longo das próximas semanas. Irá chamar-se A ÁFRICA A PÉ. É que os portugueses não foram pioneiros apenas no descobrimento de rotas marítimas. O primeiro explorador europeu do continente africano foi João Fernandes, em 1445. Mais de 300 anos antes de Livingstone e de Stanley, já Pêro da Covilhã se instalara na Etiópia e D. Manuel I encarregara Gregório da Quadra de explorar o curso do rio Zaire e o Reino do Congo, buscando o caminho que haveria de levar ao centro do continente africano.


quarta-feira, 12 de outubro de 2011



                                                MÁSCARAS  (III)

    Apenas uma das minhas máscaras tem registada a origem e a data da aquisição. É uma máscara mukishi KATOYO, com barrete de pele de macaco. Foi recolhida em 1970 na aldeia Samucambo, próximo do rio Luele, na Lunda pelo tio do meu amigo António Machado que teve a gentileza de ma oferecer.


    Todas as outras foram identificadas (com alguma margem de erro) por aproximação a fotografias de livros de arte africana. Mostro aqui alguns exemplares. Julgo que, na maioria dos casos, se trata de cópias.
     Uma das minhas máscaras Dan poderá ser autêntica e talvez tenha sido “dançada”. A beleza da face de mulher, os olhos em fenda, os malares proeminentes e a ausência de orelhas são características das máscaras da tribo Dan, que vive em regiões contíguas da Libéria, da Guiné e da Costa do Marfim.


     Máscara MUKINKA. 
     As máscaras Asalampasu, do Kasai, são caracterizadas pela fonte bombeada e pelo revestimento da madeira com lamelas de cobre. 


     Máscara feminina KIFWEBE, Songye, República Democrática do Congo.


     Os escudos SONGYE, com traços semelhantes, decoram a a cubata onde são conservadas as máscaras da sociedade KIFWEBE.


     Máscara-elmo em Janus. Fang. Gabão/ Giné Equatorial/ Camarões  


     Máscara de dança NGIL, Fang, Gabão, Camarões do Sul, Guiné Equatorial.
     As máscaras Ngil caracterizam-se pelos rostos alongados, com o branco a preponderar na pintura.


     Máscara BAMILEKE, Grassland, Camarões.


     Máscara AUÉ – rosto feminino, cornos a sugerir um búfalo, bico de ave a tocar a testa. Yauré, Benu, Costa do Marfim. 
      Usada pelos membros masculinos da sociedade DIÉ.


     Máscara BAKWELE, Gabão. 
     Olhos oblíquos, ausência de boca, rosto em forma de coração, duplicação de formas.


    Máscara de circuncisão MBAGANI. República Democrática do Congo.
    Caracteriza-se pelas grandes órbitas e pelo queixo pontiagudo, prognático.


     Tenho mais algumas dezenas de máscaras sobre as quais desconheço quase tudo. Aos poucos, lá vou conseguindo uma ou outra informação.



quinta-feira, 6 de outubro de 2011


                                 
                            REGRESSO AO LUBANGO


Já falei aqui do meu regresso a Angola. Após uma ausência de 47 anos, voltei ao Lubango.
Ao passar pelo Picadeiro, domingo de manhã, um negro bem vestido achou-me com ar de turista e proclamou:
Angola é bela!
Não respondi. Sabia disso quatro dezenas de anos antes de ele ter nascido.
A minha mulher é de Benguela e aproveitou a nossa deslocação para tratar da dupla nacionalidade. A cidadania angolana tem pouco interesse prático para nós e para as nossas filhas, mas poderá ser útil para os netos. Ninguém sabe como vai ser o amanhã e é sempre bom ter portas abertas. O processo burocrático, embora agilizado pela gentileza do Conservador do Registo Civil de Benguela, consumiu algum tempo. Acabei por passar apenas um dia na cidade angolana que me interessa mais.


Fiquei, assim, à porta do meu Liceu, que agora é Universidade. Não sei se me deixariam entrar, se fosse dia útil. Tinha pensado oferecer à Biblioteca exemplares dos dez livros que já publiquei. Os meus amigos dissuadiram-me. Títulos como “Retornados” ou “Colonos”, ainda despertam muitos anticorpos na sociedade angolana.
Vi de fora a Escola Primária nº 60, que frequentei da primeira à quarta classe. As instalações não são as do meu tempo. Quando estive em Sá da Bandeira, em 1964, já existia o edifício novo. Lembro-me de ter ficado triste com o progresso. Vivi, pela primeira vez, a frustração de não poder sobrepor as recordações à realidade.  
Tão pouco entrei no Parque Infantil. Quando eu era miúdo, havia lá um campo de terra batida onde jogávamos à bola, com balizas improvisadas. Lembro-me do Rio, um mulato baixinho que varria o lado direito da defesa com vigorosos pontapés para diante. Finda a instrução primária, não o voltei a ver. Anos mais tarde, soube que uma prostituta que frequentava o nosso bairro era irmã dele. Julgo que foi a primeira vez que me confrontei dolorosamente com a noção de extremas desigualdades sociais entre colegas da mesma escola.
Acima do campo de futebol, ficava uma bela mata onde abundavam os tchiriquatas. Dediquei centenas das horas verdes da minha vida a persegui-los, de tchifuta (fisga) na mão. Raras vezes acertava. Terá sido por essa altura que comecei a aprender a perder. É um saber que dá jeito a toda a gente, e mais a um adepto do Vitória de Setúbal.
Não entrei nas casas onde, em tempos, morei. Não fui ao cemitério da Mitcha procurar a campa de meu pai, nem fui à Maxiqueira. Não fui ver o Colégio Paula Frassinetti, onde íamos fazer serenatas às miúdas das madres.  Não visitei a Humpata, a Huíla, o Tchivinguiro, nem a Chibia. Não fui espreitar a Leba, o Bimbe nem a Hunguéria.
Foram mais as coisas que não vi do que as que pude visitar.
Hei de voltar!                              

segunda-feira, 3 de outubro de 2011




A Federico Garcia Lorca


TRANÇAS DE AZEITONA


A menina das tranças de azeitona

Roubou o ninho da cotovia

E por sortes de alquimia

Doirou os ovos pequenos

Com o luzir das estrelas.


Sem saber o que fazia,

Fez sarcófagos pintados.



           NOITE


Verte-se o cântaro negro

Sobre o verde mês de Abril

E a foice da lua ceifa

Mal me quer, bem me quer.

sábado, 1 de outubro de 2011


                             FALEMOS DE FUTEBOL


Assisti há dias, pela televisão, a um desafio de futebol entre o Porto e o Zenith. A menos que eu esteja enganado, tanto a equipa “russa” como a “lusitana” alinharam de início com o mesmo número de portugueses: um de cada lado.
O número espantoso de jogadores estrangeiros nas equipas portuguesas da Primeira Liga (e não só) até já mereceu críticas ao Presidente da República, que há de ser adepto do Farense ou do Portimonense. Em tempos de crise, é necessário limitar as importações e a maioria dos artistas da bola é importada.
Por outro lado, Portugal, como menos de um quarto da população espanhola e com receitas publicitárias ainda mais desproporcionadas, conta, na “primeira divisão”, com quase tantas equipas como os nossos vizinhos. Quantas equipas portuguesas têm capacidade para competir no campeonato espanhol? Quatro? Doze?
Os orçamentos para o futebol são distintos na Primeira Liga e na Divisão de Honra. A necessidade de reduzir o número das equipas que competem na divisão maior parece óbvia e implicaria não só poupanças significativas mas também a elevação da qualidade média das partidas. Toda a gente sabe que muitos clubes de futebol vivem acima das suas posses e que alguns estão tecnicamente falidos. Ainda por cima, a pobreza de algumas partidas é lastimosa.
O interesse pela assistência aos jogos está relacionado com a qualidade do futebol exibido. Se as partidas forem mais equilibradas e competitivas, o desporto ficaria a ganhar. Soluções? Acho que toda a gente as conhece e que ninguém tem coragem para as implementar. Há que reduzir drasticamente o número de equipas que disputam o campeonato português da “primeira divisão”. Como fazê-lo, sem encolher o calendário desportivo?
Vejo duas soluções: um campeonato a quatro voltas, com nove equipas, ou um campeonato a três voltas, com doze equipas. A segunda solução seria mais consensual, mas é assimétrica. Seria preciso definir por sorteio quem iria disputar dois jogos fora cada ano.
Com qualquer destes modelos, o número total de jogos que cada equipa disputa seria idêntico ao de hoje. A qualidade das partidas melhoraria e os orçamentos das equipas das divisões secundários poderiam ser mais realistas. A importação de jogadores estrangeiros iria diminuir.
Que sei eu de futebol, para estar aqui a dar palpites? Não muito, na verdade. Mas de médico, de louco e de treinador de futebol, todos temos um pouco…