DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

                                      
                               AMÍLCAR CABRAL  
                                        L

     ENCONTRO DE SPÍNOLA COM SENGHOR

                              


Fragoso Alas era agente da PIDE. Possuía um talento invulgar para a espionagem. Tinha estado dois anos na embaixada portuguesa de Kinshasa, sob a capa de adido comercial. Conhecia bem Mobutu e era ouvido por ele. Foi Fragoso quem conseguiu pôr Léopold Senghor, Presidente do Senegal, em contacto com o general Spínola.
Foi agendado um encontro no território República do Senegal. O tema da reunião era do conhecimento de Marcello Caetano. Tratava-se de estudar as hipóteses de estabelecer conversações tendo em vista alcançar uma solução negociada para o problema da Guiné-Bissau.
A reunião teve lugar a 18 de Maio de 1972. A equipa de que o comandante-em-chefe e governador-geral da Guiné se fez acompanhar na sua deslocação a um complexo turístico de Casamance (Clube Mediterranée), situado próximo da fronteira, era pequena. Constituíam-na Carlos Fabião, Fragoso Alas e o capitão Nunes Barata.  
A segurança imediata incluía dois helicópteros. Os jatos da Força Aérea Portuguesa sobrevoavam o lugar e um batalhão de paraquedistas estava de prevenção. As circunstâncias eram inéditas e havia de ter em conta a possibilidade de traição, quer da parte do PAIGC, que sabia do que se passava, quer do lado das forças senegalesas.
Entraram na sala de reuniões o general Spínola, o capitão Nunes Barata e Fragoso Alas. Carlos Fabião permaneceu junto aos helicópteros. Era o responsável pela segurança do general. Cabia-lhe a responsabilidade de comandar o ataque, se as coisas corressem mal. O plano de emergência consistia em bombardear de imediato a zona e fazer depois avançar os paraquedistas para liquidarem qualquer possível resistência e recolherem os vivos e os corpos dos nossos mortos.
Léopold Senghor fez jogo limpo. Verificou-se a coincidência de muitos pontos de vista do presidente da República do Senegal e do comandante das forças portuguesas na Guiné e foi possível traçar um plano de atuação, a submeter ao governo de Lisboa e aos movimentos independentistas. Projectava-se declarar, assim que possível, o cessar-fogo e organizar uma conferência sem condições prévias. Os representantes do governo português negociariam diretamente com os movimentos de libertação da Guiné-Bissau: o PAIGC e a FLING. A inclusão deste movimento, com pouca expressão no terreno, denunciava a vontade de Senghor continuar a proteger os interesses do Senegal no quadro duma futura independência. Tratava-se de um projeto a médio prazo. Durante um período de dez anos, enquanto se preparavam os quadros necessários para garantir a administração, o poder, na Guiné e em Cabo Verde, seria entregue a uma administração mista, constituída por elementos nomeados pelos movimentos independentistas e pelo governo português.  Seria então dada a palavra aos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, que decidiriam os termos do seu relacionamento futuro com Portugal: independência total, federação de estados ou inclusão numa comunidade afro-luso-brasileira. Curiosamente, o projeto estava em conformidade com as ideias defendidas por Caetano anos atrás. Por outro lado, dificilmente teria sido formulado sem o consentimento tácito de Amílcar Cabral, um homem que o destino pusera à frente de um movimento armado mas a quem o feitio predispunha às negociações.
Era a solução política que Spínola perseguia.
Ficou marcado um segundo encontro. 
António de Spínola deslocou-se a Lisboa e expôs ao primeiro-ministro português os resultados da reunião. Caetano tivera tempo para refletir e para tomar o pulso ao equilíbrio de forças em que assentava o poder. Considerava que, no quadro global da guerra em três territórios, a derrota militar na Guiné era preferível à negociações. O governo central não estava realmente disposto a modificar a sua política colonial, isto apesar do pretenso apoio e incentivo que deu a Spínola nas suas diligências, de que estava, obviamente, a par.  Marcello Caetano exigiu o fim imediato dos contactos com Senghor. Portugal poderia ser vencido na Guiné, mas não negociaria. 
   Ao general Spínola não restava outra solução que não fosse a de continuar a guerra. Como achava que a continuação da política do governo português ia contra os interesses do país, começou a conspirar. 
Fica por saber se o PAIGC, seguro do seu poder militar, com as forças armadas portuguesas na defensiva, iria aceitar uma moratória de dez anos para o seu projecto de independência. Provavelmente, não o faria. De qualquer modo seria preferível começar a negociar, numa altura em que a luta armada se encontrava em fase de relativo equilíbrio.


quinta-feira, 27 de junho de 2013


Nota: Um pequeno acidente fez apagar os capítulos V e VI 
de "Assassínio em Notre Dame". São agora repostos.


         Capítulo V 

         - E agora? – inquiriu Joshua.
- Agora usaremos as suas visões para encontrarmos provas, suspeitos… até descobrirmos o assassino do seu irmão. – Disse Fréderique. - O primeiro passo para isso é irmos ao local do crime.
Nessa tarde foram á catedral de Notre Dame.
MacLarens já lá tinha ido, mas mesmo assim continuava maravilhado com a beleza e majestosidade da catedral. Mas Joshua nunca tinha ouvido falar de nenhuma sala secreta.
Entraram no monumento e após Fréderique carregar num botão situado em baixo do altar, atrás de uma pedra falsa, uma parede moveu-se, abrindo um túnel.
MacLarens estava pasmado a olhar para aquilo.  Como é que nunca ninguém tinha reparado ?
- Venha comigo. – Disse Lasone.
MacLarens seguiu Fréderique através do túnel, desceu umas escadas e quando abriram uma porta, viu uma grande sala com quadros, coisas que se pensavam perdidas e outras das quais nunca ninguém tinha ouvido falar.
- O que é isto? – Perguntou Joshua.
- A sala secreta de Notre Dame.
- Porque mantém isto escondido?
- Para não haver roubos e para proteger as coisas mais antigas e valiosas que o mundo tem. – explicou Lasone. – Mas não nos preocupemos com isso agora. Temos de trabalhar.
MacLarens não sabia o que fazer no local de um crime. Ele era um simples relojoeiro, dos poucos que ainda havia.
- Senhor, vá ter com Mellie Diagrone, - disse Lasone, apontando para uma mulher – ela saberá o que fazer consigo.
Mellie era uma mulher com trinta e poucos anos, cabelo castanho e olhos verdes. Era baixa e magra.
MacLarens foi até ela e apresentou-se, porém um pouco envergonhado.
Mellie fez o mesmo e de seguida, disse que ele poderia ajudá-la a recolher as provas.
Enquanto lhe ensinava, Joshua fazia muitas perguntas. Até que passado um tempo lhe perguntou onde trabalhava.
- Trabalho na AFCC de Paris. Sou cientista. – respondeu a mulher.
- Paris? Adoro esta cidade. Vivia cá antes de me mudar para Marselha.
- Marselha?
- Sim, antes de me “raptarem” ontem á noite. – disse com ironia. – Vivia cá com o meu irmão, mas depois ele fugiu. Quis acabar com as más recordações e por isso mudei-me para Marselha. – Explicou MacLarens.
- Eu conheci o Marc. Éramos muito chegados, pois ele namorava com a minha irmã. Ainda não consegui contar-lhe. Ela irá ficar devastada.
- É triste que tudo tenha acabado tão cedo. – declarou Joshua.
-Joshua, venha cá. Posso ter descoberto algo. – chamou Fréderique.
Lasone tinha estado a observar o cartucho da bala e o corpo de Marc.
- Veja isto: o tiro foi certeiro. O assassino deveria ser experiente.
- Mas na minha visão, o Marc dizia que daria o que o assassino queria, ou seja conheciam-se ou tinham algo em comum.
MacLarens e Lasone continuaram a pairar sobre o assunto até voltarem para casa.
          
     Capítulo VI

No dia seguinte, Joshua acordou cedo. Não por não ter sono, mas porque o alarme começou a tocar. Todos gritavam, corriam e tentavam descobrir o que tinha activado o alarme.
Até que Megnon, o guarda mandou todos pararem. Ele tinha descoberto a razão do barulho. Estava um cesto de fruta à porta. Depois de confirmarem que era seguro, Fréderique aproximou-se e leu o bilhete, baixinho.
“Entregue-nos o MacLarens, já matámos um e mataremos o outro da mesma maneira. Para bem do mundo, entreguem-no ou terão problemas.
Assinado: XX”
Enquanto lia o bilhete, todos olhavam para ele, pois queriam saber o que dizia. Mas Lasone, mal leu a carta, chamou o guarda e segredou-lhe algo. Jean pegou no bilhete e, juntamente com Fréderique, deixou a sala.
- Leve o bilhete a Mellie. Ela é a melhor cientista de França, decerto descobrirá algo. – ordenou Lasone ao guarda.
Lasone voltou para dentro e chamou MacLarens. Este segui-o até ao seu quarto, onde Fréderique lhe disse:
- O senhor está em perigo. As nossas suspeitas confirmam-se. Quem matou o seu irmão, quer matá-lo e para saber onde é esta sede, tem de trabalhar ou ter trabalhado cá.
- Acha que alguém que trabalha aqui, poderá ter matado o meu irmão?

- Infelizmente, parece ter sido assim.

                                                               
                                                   AMÍLCAR CABRAL

                                                             LVIII 
                                     
                A MORTE DOS GUERREIROS


    O Acordo do Alvor obrigou as forças armadas portuguesas a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo. A maioria desses combatentes ficou na Guiné após a independência. Previa-se a sua reintegração na vida civil. As boas intenções ficaram no papel.
    O PAIGC publicou em 1973 a sua lei de justiça militar. O artigo 86º dizia, entre outras coisas: o crime de traição tem lugar quando, sendo originário da Guiné ou Cabo Verde, o acusado pegue voluntariamente em armas contra as forças nacionalistas.
    Logo após o cessar-fogo, o PAIGC começou a capturar soldados portugueses africanos. Nunca mais se soube deles.
   Segundo uma fonte, foram executados, sem julgamento, 7.447 antigos militares negros que tinham lutado ao lado das tropas coloniais. Incluíam soldados, comandos e elementos das milícias. Foram também fuzilados alguns civis. A maioria das execuções foi levada a cabo meses após a independência. Muitas ocorreram por ocasião da tentativa de golpe de estado em Portugal a 11 de março de 1975. Os matadores estariam à espera de um pretexto.
     O PAIGC teria prometido a Carlos Fabião, último governador português da Guiné, nada lhes fazer. Promessas dessas não são para cumprir. Na véspera do embarque definitivo para Portugal, Marcelino da Mata já estava em Lisboa. Fabião reuniu todos os comandantes negros e convidou-os a acompanharem-no. Recusaram. A terra deles era ali. Ficaram.
    A oferta foi dirigida unicamente aos oficiais. O governo português receava eventuais convulsões sociais decorrentes da entrada em Portugal dos milhares de combatentes negros que tinham lutado pela bandeira das quinas. Abandonou-os ao seu destino.
É difícil aceitar contas tão exatas como as referidas acima. Ocorreram seguramente milhares de execuções.  Conhecem-se alguns casos concretos. Em 1976 decorreu o fuzilamento público de dois régulos e de Didi Ferreira, ex-comando, acusados de colaborarem com os colonialistas. No final de 1978, foram fuziladas centenas de militares guineenses que tinham servido na tropa colonial. A execução foi ordenada por António Buscardini, chefe da polícia política, com o apoio de outros dirigentes do PAIGC. Os corpos foram enterrados em valas comuns na mata em lugares tão diversos como Cumeré, Portogole, Cuntima, Farim, Bafatá, Cacheu, Canchungo, Pirada, Bambadinca, Biombo e Bissorá. É difícil entender estas execuções (ou assassinatos) quatro anos após a independência. Consta que Manhe Sanhé, ex-comando ao serviço de Portugal, poderia estar a preparar um golpe de estado contra o governo da Guiné.
Não foram mortos todos os antigos soldados africanos portugueses, que seriam mais de 15.000. Só os membros das milícias eram cerca de 9.000. Uns poucos conseguiram vir para Lisboa e muitos fugiram para o Senegal. Mesmo lá, foram perseguidos. Outros ficaram nas suas terras com o medo por companhia. 
Os conflitos com as forças senegalesas, em 1998, terão ajudado a sarar as feridas velhas. Militares que tinham lutado sob bandeiras diferentes na guerra da independência, bateram-se nessa altura, lado a lado.

Nota: Este livro aproxima-se do final. Encontra-se em fase de reorganização e aperfeiçoamento. As 130 páginas actuais irão converter-se em cerca de 180, mas os textos revistos não serão republicados no blogue. Continuarão a sair os últimos capítulos novos.
                                                                                         A.T.


segunda-feira, 24 de junho de 2013




                                                           Capítulo VII


Quem poderia ser? E por que alguém quereria matá-lo? MacLarens tinha dúvidas, estava preocupado. Tanto o seu irmão como o seu pai tinham sido assassinados por causa do “dom”. Seria aquele o seu destino? Morrer sem mulher e sem filhos?
-A cientista já tem os resultados das análises do bilhete. Temos de ir a Paris. – disse Lasone, desligando o telemóvel.
  Foram até ao carro e rapidamente chegaram a Paris. A sede dessa cidade era muito mais bela que a de Reims, onde ele estava instalado.
- Mellie, conte-nos as novidades? – Pediu Fréderique, mal chegaram ao laboratório.
- Não consegui tirar nada do bilhete ou do cesto. Estava escrito a computador e não tinha uma única impressão digital, um cabelo… Quem mandou isto teve de imprimir o bilhete, pensei eu, e por isso fui ver em que impressora tinha sido.
- E… - interrompeu Lasone.
- E descobri que isto foi imprimido numa AFCC. Não sei de qual. – continuou Mellie.
- Já desconfiava. É triste saber que alguém da nossa confiança, nos tenha traído. – disse Fréderique. – Agora tenho de ir. Precisam de mim em Notre Dame.
E dito isto saiu do edifício. 
- Então está melhor. – Perguntou Mellie. – Ontem parecia um pouco… deprimido.
- Sim, apesar de ontem ter sido um dia cheio de novidades e hoje ter descoberto que me querem assassinar, estou mais calmo - Disse, em tom sarcástico.
  Mellie riu-se, timidamente.
Desde o primeiro momento em que a vira que MacLarens estava a tentar convidá-la para almoçar, mas ainda não tinha ganho coragem. Mas, vendo aquele sorriso, ganhou toda a força precisa e disse:
- Quer vir almoçar comigo? Conheço um restaurante ótimo aqui na zona.
    Surpresa com aquele pedido, Mellie não sabia o que devia fazer e por isso aceitou.
   MacLarens sorriu e acompanhado por Mellie saiu do edíficio e dirigiu-se ao restaurante.
- Isto é muito bonito. – Disse Mellie, mal entraram.
- Marie, arranje-nos uma mesa. – Pediu Joshua á empregada.
- Joshua, há, quanto tempo! – Disse Marie. – Uma mesa para o nosso cliente mais querido!
Após dizer isto, afastou-se e foi ajudar os empregados.
Sentaram-se e começaram a comer, rindo e conversando, alegremente.
- Como conheceu o meu irmão se ele estava retido em Reims? – perguntou MacLarens. 
- O seu irmão ajudou-nos a resolver o caso do seu pai.
- Onde estava ele quando morreu?
- Estava em casa da minha irmã, mas ela foi para fora na véspera. Ele era muito teimoso. Eu sabia que ele não devia ter ficado sozinho. – Disse Mellie, deixando escorrer uma lágrima pela cara.
- Não chores. A única pessoa que devia sentir-se culpada é quem cometeu este crime terrível. – Declarou Joshua, limpando a lágrima da cara da cientista. – Mas mudando de assunto…
   E assim ficaram a conversar até o telefone começar a tocar.
   - Joshua, temos um problema e só poderemos ir para Reims á noite. – disse Fréderique, quando MacLarens atendeu o telemóvel.
   - Estou em Paris até tarde. Acho que vou à Torre Eiffel. – Contou Joshua.
   - Quer companhia? O meu turno já acabou e não tenho planos para a tarde.
   - Toda a companhia é bem-vinda.

                                 Capítulo VIII

Saíram do restaurante e dirigiram-se à Torre Eiffel.
Joshua entrou para a fila, mas Mellie não o fez.
- O que está a fazer? – Perguntou MacLarens.
- Sou da polícia. Isto é uma das vantagens. Venha!
Joshua seguiu Mellie até ao átrio, onde entraram no elevador.
- De todas as vezes que cá vim, nunca estive tão bem acompanhado. – Disse MacLarens.
Tanto Mellie como Joshua pensavam da mesma forma, como se estivessem ligados por uma força poderosa, e ambos gostavam dessa conexão.
Quando chegaram ao topo, uma agradável brisa passou e o cheiro a flores da Primavera pairou no ar. A vista dali era magnífica.
- Por muitas vezes que cá venha, isto traz-me sempre uma sensação nova. – Disse Mellie, com o cabelo a esvoaçar.
Quando ela disse isto, MacLarens não conseguiu resistir à tentação e beijou-a num cenário quase perfeito.
Ambos sorriram. Mellie estava a sonhar com aquele momento desde que vira Joshua. E no pior momento que podia, o telefone de MacLarens começa a tocar, dentro do seu bolso.
- Desculpe, é o Fréderique, tenho mesmo de atender. Estou. – Disse, quando atendeu o telemóvel.
-Temos de voltar para Reims.
- Tenho de ir. Lamento estragar o encontro, mas Lasone diz que é importante. – Disse Joshua, despedindo-se de Mellie e afastando-se até ao elevador.
 Tanto Mellie como Joshua ficaram com o coração destroçado, por Fréderique ter ligado naquele preciso momento, mas sabendo que se voltariam a ver sorriram por dentro.
 Já no carro, MacLarens perguntou a Fréderique porque tinha ele tanta pressa e ele respondeu que tinham posto outro bilhete á porta.
- Outro? Já o leram? – Perguntou Joshua.
- Não, estão à nossa espera. A partir de agora, o senhor não virá comigo com tanta frequência. – Disse Lasone, com um ar sério.
 MacLarens não disse nada, mas ficou devastado por dentro. Agora, veria menos vezes Mellie e ajudaria menos no caso. Ficaria quase que retido em Reims.
- Mudando de assunto… Como correu o seu encontro? – Perguntou Fréderique.
  Como poderia ele ter descoberto? Joshua ainda não lhe tinha contado nada acerca do seu dia com Mellie.
- Como é que sabe que eu estive com alguém? – Perguntou MacLarens intrigado.
- O senhor está em perigo de morte. Todos os seus momentos, quer esteja acompanhado ou sozinho, são vigiados.
- Por quem?
- Não queira saber de mais. Um dia poderá arrepender-se dessa curiosidade.
- Não se trata de curiosidade se se tratar da minha própria vida. Porque não me disseram? – Disse Joshua, irritado.
- Já sabíamos que iria ter essa reação. O seu irmão também a teve.
- Porque repetem comigo exatamente o que fizeram com Marc? Também é um teste? – Perguntou Joshua. Aquelas eram apenas de muitas perguntas que tinha para fazer Lasone.
- A curiosidade mata. Lembre-se disto.
MacLarens não ripostou mais, apesar de ser aquela a sua vontade. Ele iria descobrir toda a verdade e disso tinha a certeza. 


domingo, 16 de junho de 2013

                                             
                                                AMÍLCAR CABRAL

                                                              LIX                      

                         

          OS COMANDANTES DO PAIGC


Os jovens enviados para receberem instrução militar na China tornaram-se os primeiros comandantes da guerrilha. Alguns viriam a ser dirigentes importantes do PAIGC. Estavam entre eles Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Rui Djassi, Vitorino Costa, Constantino Teixeira, Hilário Gomes (Lolo), Pedro Ramos, Manuel Saturnino Costa, Francisco Mendes e Nino Vieira.
Antes de dar início à luta armada, Amílcar Cabral dividiu a Guiné em várias zonas operacionais e designou os respetivos responsáveis político-militares.
1 - Zona Sul. Incluía Unal (sede) Quetáfine, Cubucaré, Balana e Como. Para a chefiar, foi apontado Nino Vieira
2 – Zona Centro-Sul, a sul do rio Geba. Englobava Quinara (a sede), Tite (o local onde começou a guerra), Cubisseco, Buba e N`Djassani. Era dirigida por Rui Djassi.
3 – Zona do Xitoli. Abarcava o Xitoli (sede) e Bafatá. A comandá-la, estava Domingos Ramos.
4 – Zona Norte. Tinha sede em Morés e incluía o Oio. A direção era múltipla: Osvaldo Vieira, Chico Mendes, Lolo e Manuel Saturnino Costa.
5 – Zona Leste, com sede no Gabu, no território fula. Era a zona considerada mais complicada para a implantação do PAIGC pois muitos régulos da etnia fula eram fiéis ao governo português. Para a dirigir, Cabral nomeou Vitorino Costa, tendo como adjuntos Pascoal Alves e Bobo Queita.
6 – Zona Zero (Bissau). Era comandada por Luciano N`Dao, Constantino Teixeira e Pedro Ramos.
No Congresso de Cassacá, a organização militar foi modificada e os comandos militares foram remodelados. Em vez de seis Zonas, passou a haver três Frentes. Amílcar Cabral pretendia reforçar o controlo político sobre os guerrilheiros. Assim, cada Frente passou a ter dois chefes, um político e outro militar. O chefe político dirigia também o apoio logístico aos combatentes. O cargo exigia dirigentes bem preparados, o que excluía a maior parte dos guineenses. O que estes viram foi que o militar da Guiné ia para a mata enquanto o político de Cabo Verde ficava sentado a uma secretária em Conakry.
Osvaldo foi nomeado comandante da Frente leste, juntamente com Amílcar Cabral. Francisco Mendes e Luís Cabral passaram a dirigir a Frente norte, enquanto Nino Vieira e Aristides Pereira se encarregavam do comando da Frente sul.
Esta seleção reflete o prestígio entretanto conseguido por três dos melhores comandantes do PAIGC: Osvaldo Vieira, Francisco Mendes e Nino Vieira. Conheceriam destinos diferentes.
Alguns chefes guerrilheiros caíram em combate. Foi o caso de Rui Djassi. Terá morrido afogado no rio Corubal, em 1964, quando fugia das tropas portuguesas. Existe hoje em Bissau uma rua Rui Djassi. Simão Mendes foi abatido num ataque aéreo, em 1966. Após a independência, o seu nome foi dado ao hospital de Bissau. Domingos Ramos faleceu em Madina do Boé em 1966. António Nbana morreu, em combate, em 1968 e Pansau na Isna, que se distinguira na defesa da ilha de Como em 1964, morreu, também em combate, no setor de Nhacra, em 1970.
Osvaldo Vieira foi uma personalidade controversa no seio do PAIGC. Os seus desentendimentos com o secretário-geral ficaram famosos. Comandou a Frente norte, cuja base mais importante era Morés, que tinha Inocêncio Kani como responsável. O relacionamento dos guerrilheiros com a população da zona foi criticado por dirigentes do partido. Osvaldo foi afastado do comando em 1973, supostamente por saber da preparação do atentado contra Amílcar Cabral e de nada ter feito para o evitar. Diz-se também que, em Conakry, na altura do assassinato do líder histórico, havia perto de 200 militantes guineenses do PAIGC e que quase todos estava a para da conspiração. Osvaldo Vieira faleceu ainda nesse ano. As circunstâncias da sua morte não são bem conhecidas. Poderá ter sido executado. Os guineenses perpetuaram-lhe a memória, dando o seu nome ao aeroporto internacional de Bissau.
Chico Mendes, também conhecido por Chico Té, foi nomeado comissário principal (primeiro ministro) após a independência. Morreu em 1978, perto de Bafatá, alegadamente num acidente de automóvel. Há quem pense que foi assassinado.
João Bernardo Vieira, mais conhecido por Nino Vieira, papel de Bissau, nascido em 1939, eletricista de formação, revelou na mata da Guiné invulgares qualidades de chefe militar. Combateu durante toda a guerra de independência. Comandou as forças do PAIGC que resistiram na ilha de Como às tropas portuguesas envolvidas na Operação Tridente, em 1964, e chefiou o ataque ao quartel de Guiledje, em 1973, precipitando o pedido de demissão do general Spínola.
        No seguimento das eleições realizadas em 1972, nas zonas sob controlo do PAIGC, foi nomeado presidente da Assembleia Nacional Popular.
Após a independência, quando Chico Mendes morreu, Luís Cabral mandou-o vir de Cuba, onde estava a fazer estudos militares, para assumir o cargo de comissário principal.
Em 14 de novembro de 1980, Bernardino Vieira pôs fim ao sonho de Amílcar Cabral, derrubando o governo de Luís Cabral num golpe de estado sem derramamento de sangue. Os destinos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde deixavam de estar interligados.
Nino foi por três vezes presidente duma Guiné-Bissau que mergulhava em conflitos intermináveis entre as hierarquias militares, levando à eliminação física de várias personalidades públicas como o balanta Paulo Correia, o mandinga Ansumane Mané e o balanta Tagmé Na Waie, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
Quem com ferros mata, com ferros morre. Horas após a explosão da bomba que vitimou Tagmé Na Waie, Nino Vieira foi brutalmente assassinado. Até aos dias de hoje, a Guiné-Bissau não encontrou os caminhos da estabilidade. 


sábado, 15 de junho de 2013

                            
                               AMÍCAR CABRAL  
                                            
                                      LVIII

                     PIDJIGUITI


Na segunda metade do século XX, a opinião pública, interna e internacional, tornou-se um fator importante para a propaganda dos povos que travavam guerras de guerrilha. As notícias de massacres em regiões remotas geravam emoções no mundo inteiro. Fortaleciam internamente a oposição aos governos que conduziam guerras impopulares e criavam condições favoráveis ao incremento do apoio externo aos movimentos de libertação. Aconteceu assim com as matanças de My Lai, no Vietname, em 1968 e de Wiriyamu em Moçambique, em 1969. A Guiné-Bissau teve também um massacre emblemático, ainda que de proporções menores. Aconteceu no porto de Pidjiguiti, em Bissau, a 3 de agosto de 1959.
Os estivadores reivindicavam aumentos salariais. Tinham visto as suas pretensões satisfeitas por diversos estabelecimentos comerciais, mas a Casa Gouveia, sucursal da CUF, então administrada pelo historiador António Carreira, cabo-verdiano da ilha do Fogo, recusou ceder. Os estivadores responderam com a greve.
O patrão-mor chamou os trabalhadores à capitania, para serem identificados. Três deles foram levados pela PIDE para as oficinas navais.
Os ânimos aqueceram e a revolta subiu de tom. Os estivadores tentaram libertar os seus colegas detidos. A polícia encerrou os portões e pediu reforços. Um marinheiro terá ameaçado um agente da autoridade e foi agredido por ele. Estabeleceu-se a confusão. Os cerca de cem trabalhadores, quase todos manjacos, receberam à pedrada os reforços policiais que se abeiravam do cais. Vieram também militares e civis portugueses. O tiroteio começou. Ficaram muitos homens caídos no chão.
As partes não se entenderam quanto ao número de baixas. Para o Comando Militar da Guiné, «do lado dos grevistas, há a contar 7 mortos e cerca de 20 feridos e 20 prisioneiros». O Comando da Defesa Marítima refere «nove marítimos mortos, 16 feridos, um dos quais é o chefe da polícia, e 23 presos». Alguns dos grevistas feridos acabaram por falecer.
O PAIGC, no ano seguinte, acusou os portugueses de terem abatido a tiro meia centena de trabalhadores guineenses em greve. Aristides Pereira, em carta a Lúcio Lara, fala em 24 mortos e 35 feridos. Com maior ou menor número de vítimas, a notícia da matança correu mundo e prejudicou a imagem internacional do governo de Lisboa.  
Na greve de Pidjiguiti não havia motivações políticas. Os trabalhadores do porto tinham razões de queixa e a questão podia e devia ter sido resolvida mediante negociações. A situação agravou-se devido à impreparação dos agentes policiais que recorreram desnecessariamente ao uso das armas de fogo.
No dia do massacre, Amílcar Cabral estava em Luanda. Teve conhecimento da situação pelos jornais no dia seguinte, durante o voo de regresso a Lisboa. Fez, como lhe competia, o aproveitamento político do incidente, acabando por associar simbolicamente o massacre de Pidjiguiti à fundação do PAIGC.


sexta-feira, 14 de junho de 2013

        

                 AMÍLCAR CABRAL


                         LVII

      HONÓRIO BARRETO – UM GUINEENSE INVULGAR

   O mais conhecido dos naturais da Guiné-Bissau é seguramente Amílcar Cabral. Honório Barreto vem logo a seguir. Ambos tiveram pais cabo-verdianos. 
     Filho de mãe guineense, Honório nasceu em Cacheu em 1813, cento e onze anos antes de Cabral. Comerciante e grande proprietário de terras, foi por três vezes nomeado Administrador da Guiné. Ocupou, por períodos consideráveis de tempo, esse lugar político, o mais importante da Guiné portuguesa.
No começo do século XIX, a França e a Inglaterra instalaram-se na África Equatorial. Os franceses pretendiam incluir nas suas colónias a região centrada em Bissau. Os ingleses queriam ficar com a ilha de Bolama, o arquipélago dos Bijagós, Buba e o litoral costeiro.
Barreto defendeu com firmeza e sagacidade as fronteiras do território que governava. Sem ele, a Guiné-Bissau seria hoje bem menor ou inexistente. Reconstruiu Bolama, meio destruída pelos incêndios ateados pelos ingleses. Enfrentou a cobiça estrangeira e conseguiu, umas vezes lutando e outras comprando terrenos, preservar várias parcelas do território. É graças aos seus esforços que Bolama pertence hoje à Guiné-Bissau.
O diferendo entre Portugal e a Inglaterra foi sujeito à arbitragem do Presidente dos EUA, Ulysses Grant, que, em 1970, decidiu a questão a favor dos portugueses. As negociações com a França conduziram, em Maio de 1886, à delimitação das fronteiras entre a Guiné então portuguesa e a África Ocidental Francesa. Barreto morrera há mais de vinte anos. Conhecia bem a sua terra e opôs-se tenazmente à troca de Casamança por Quitafine (Cacine, sul da Guiné). Casamança, a norte, era uma região muito rica. Integra hoje a República do Senegal. 
Barreto não renegou as suas origens mas assumiu-se como um português da Guiné. Foi Provedor de Cacheu e Capitão- Mor de Cacheu e de Bissau. Em 1853, bateu-se valentemente contra os papeis e, três anos mais tarde, conduziu a campanha contra os «nagos». Na chefia do território, reformou a administração e desenvolveu agricultura, o comércio, a instrução e a saúde.
O seu valor foi reconhecido pelo governo de Lisboa. Honório Barreto foi promovido a Tenente-Coronel de Artilharia de segunda linha e condecorado com os graus de Comendador da Ordem Militar de Cristo e de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada. Faleceu em Bissau em 1859. É o melhor exemplo conhecido de “assimilação”. Nenhum outro nativo do Império Português recebeu tantas honrarias.
A história corre e os pontos de vista modificam-se. Os guineenses de hoje valorizam mais o lado escuro da sua vida. A verdade é que, numa época em que Portugal abolira já oficialmente a escravatura, Barreto mantinha em Cacheu um lucrativo comércio de escravos.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

                                  
                                AMÍLCAR CABRAL

                                         LVI


            AS GUERRAS DA GUINÉ

Os romanos encerravam as portas do tempo do deus Jano quando havia paz em toda a extensão do império. Raramente aqueles portões estiveram fechados. Ora de um ponto, ora doutro, chegavam quase continuamente notícias de combates e de derramamento de sangue.   
Respeitadas as proporções, a analogia é pertinente. Todos os impérios são entendidos pelos povos dominados como forças do mal. Também nas colónias portuguesas a luta contra a ocupação alienígena passou por uma série sucessiva de revoltas. A chamada «pacificação» tardou. Em Angola, por exemplo, ocorreu apenas por volta de 1916 e durou até 1961. Na Guiné-Bissau, manteve-se entre 1935 e 1963.
Enquanto as feitorias situadas no litoral foram geralmente toleradas, a penetração no interior desencadeou a resistência das populações. As características geográficas do território, as disenterias e a endemia de malária dificultaram sempre a progressão das tropas europeias.
Embora a lista de conflitos e de ataques de variados povos da Guiné às posições portuguesas seja extensa, os confrontos armados de maior relevo deram-se a partir de 1879. Sintomaticamente, data desse ano a autonomia administrativa da Guiné em relação a Cabo Verde, com o reforço das verbas e dos efetivos militares atribuídos ao governo da colónia. Ganhava força o critério da «ocupação efetiva dos territórios» como fonte de soberania. Viria a ser oficializado em 1885 pela conferência de Berlim.
Em 1871, o governador português morreu em combate contra os grumetes. Saiu da Praia (Cabo Verde) uma expedição punitiva com duzentos homens que atacaram as tabancas revoltadas. Em 1978, os felupes capturaram um barco português e mataram a meia centena de tripulantes.
Em 1979 é criado o posto militar de Buba, guarnecido por 20 soldados cabo-verdianos chefiados por um tenente português. Foi atacado pelos fulas logo no ano seguinte.
A partir desta altura, intensificaram-se as campanhas chamadas de «pacificação».
As autoridades portuguesas esforçaram-se sempre por aliar o esforço militar à diplomacia, procurando e conseguindo acordos com os régulos mais complacentes. No entanto, o «imposto de palhota», que obrigava os agricultores a comercializarem os excedentes das suas produções, catalisava a resistência.
Durante o ano de 1882 decorreram campanhas contra os beafadas, os fulas, os nalus e os balantas. Com maior ou menor intensidade, as lutas prosseguiram durante os anos seguintes. Em 1886, as fronteiras da Guiné-Bissau foram traçadas pelas chancelarias francesa e portuguesa. Houve permuta de territórios. Casamança ficou para a França e a faixa de Cacine para Portugal. Nascia oficialmente a colónia portuguesa da Guiné.
Entre guerras e compromissos, a presença europeia foi-se afirmando no interior da nova colónia. Instalaram-se em Bissau algumas casas comerciais,  maioritariamente estrangeiras.
Entretanto, ocorriam combates com quase todas as etnias da Guiné. O ano de 1891 ficou marcado pelos confrontos com os grumetes e os papéis. Nesse ano e nos seguintes, Bissau foi atacada por diversas vezes, apesar de se ter tornado num campo fortificado.
Em 1896, as autoridades portuguesas já se achavam em condições de proibir a circulação das moedas de prata de proveniência externa, até então dominantes nas trocas comerciais no território.
O novo século começou como tinha acabado o velho. Eram organizadas campanhas militares quase todos os anos. Os povos da Guiné resistiam à ocupação colonial. Não se levantavam todos ao mesmo tempo. Umas vezes, a guerra era contra os manjacos e beafadas e outras contra os felupes e balantas.  Em 1912, as autoridades portuguesas proibiram os comerciantes de venderem armamento aos negros.
Por volta de 1913, Teixeira Pinto entra na história da Guiné. Enfrentou com sucesso os manjacos do Oio, os balantas, os papeis e os Bijagós. Juvenal Cabral, pai de Amílcar, chamou-lhe herói, num texto publicado na imprensa cabo-verdiana.
As ações de «pacificação» cessaram por volta de 1935. A paz iria durar 28 anos.