DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 2 de junho de 2013


                      AMÍLCAR CABRAL

                                                XLIX

                ORGANIZAÇÃO NAS ZONAS LIBERTADAS




O amendoim era praticamente o único produto que se podia trocar por mercadorias. A sua área de cultura crescia de ano para ano. No entanto, havia pouco para trocar. A guerra expulsara os comerciantes portugueses das áreas de conflito e até os “djilas” (vendedores ambulantes) passaram a ver o seu trabalho dificultado quando a moeda deixou de circular nas zonas libertadas. O PAIGC procurou que tanto a população como os guerrilheiros aumentassem os campos de cultivo e diversificassem a produção. Pretendia-se colher não apenas arroz, mas também milho, mandioca, batatas e legumes. O partido incentivou o uso de outros produtos, como o amendoim, a cola, o óleo de palma e as peles de crocodilo como moedsa de troca. Serviriam para adquirir bens essenciais como o sal, o sabão, as sandálias e o vestuário.
A aviação portuguesa procurava destruir os campos de cultura para retirar o sustento aos guerrilheiros e às populações que os apoiavam.
A guerra arrasou a economia e impôs o recurso à ajuda externa. Foi esse apoio que permitiu a criação de “armazéns do povo” nas áreas libertadas. O seu número foi sempre insuficiente e as suas prateleiras estavam muitas vezes desguarnecidas. Em resposta aos apelos de Cabral, países como a União Soviética, a China, a Bulgária e Cuba ofereceram uma ajuda alimentar importante que consistia em produtos que resistiam ao transporte e se podiam armazenar. Era o caso do açúcar, da margarina, das conservas de peixe e do leite condensado.
A transformação pretendida na sociedade passava pela melhoria do nível cultural da população, maioritariamente analfabeta. O PAIGC começou por abrir escolas ligadas às bases de guerrilha onde tanto a população como os combatentes pudessem ser ensinados.
Entre 1964 e 1965, funcionaram nas regiões libertadas 50 escolas frequentadas por perto de 4 mil alunos. Nos anos seguintes, foi crescendo o número de alunos, de escolas e de professores. Em 1972 teriam sido construídas cerca de 200 escolas em que duas centenas e meia de professores ensinavam mais de 14 mil alunos. As escolas funcionavam graças à cooperação de países do norte da Europa (Suécia, Finlândia e Noruega), e do bloco socialista.
Foram criados, tanto no interior como no exterior do território da Guiné-Bissau postos sanitários e hospitais que pudessem tratar militares e civis. Na República da Guiné, o PAIGC dispunha do Hospital de Solidariedade, situado em Boké, e de uma clínica ortopédica em Conakry. Em Ziguinchor (Senegal), tinha outro hospital. Em 1971 estavam a funcionar, dentro das fronteiras da Guiné-Bissau, 120 postos sanitários e 13 hospitais regionais ou setoriais, com um número total de 500 camas.
Amílcar Cabral preocupou-se sempre com o desenvolvimento da preparação ideológica do povo da Guiné-Bissau. Não deixava, contudo, de ser pragmático. Dizia: “Lembre-se sempre de que o povo não luta por ideias, por coisas que estão na cabeça dos homens. O povo luta e aceita os sacrifícios exigidos pela luta, mas para obter vantagens materiais, para poder viver em paz e melhor, para ver a sua vida progredir e para garantir o futuro dos filhos”.
A dada altura, o PAIGC considerou ter chegado o momento de oficializar a constituição dum Estado nas zonas libertadas. Multiplicaram-se as reuniões preparatórias. Foi decidido eleger conselheiros regionais que escolheriam depois os deputados que iriam integrar a Assembleia Nacional Popular.
      “A nossa primeira Assembleia ia ser constituída, na sua maior parte, por eleitos saídos do seio do povo trabalhador e combatente, para que ela pudesse exprimir as suas aspirações mais profundas. As candidaturas eram apresentadas pelos responsáveis ou pelos próprios interessados. Um a um, o povo ia eliminando os que não interessavam, acabando por escolher o seu candidato. Uma lista única era submetida às populações que deviam dizer se – SIM ou NÃO – estavam de acordo com ela. Os boletins correspondentes às duas respostas possíveis, de cores diferentes, eram distribuídos aos eleitores, depois de estes se identificarem e serem inscritos na lista eleitoral cujo controlo era exercido pela própria gente do local, que conhecia bem os seus concidadãos. A urna estava atrás de um biombo feito de esteiras”.
      “Cento e vinte conselheiros foram selecionados entre as figuras de maior prestígio entre o povo e os combatentes, para formarem o órgão legislativo constituinte supremo da nossa terra. Eram os primeiros deputados da nossa história e cabia-lhes uma tarefa que não mais se ia repetir: a proclamação do nosso estado da Guiné e a aprovação da sua Lei Fundamental”.

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