DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017



O HOMEM QUE PRETENDIA 

MESMO MORRER


Alexander Valterovich Litvinenko falava demais para um agente secreto. Avaliou mal o equilíbrio de poderes na própria terra e apostou no cavalo errado. Os erros pagam-se. Alguns custam caro.
Teve uma vida curta, mas agitada. Nasceu em Voronezh, na Rússia, em 1962 e morreu em Londres a 23 de novembro de 2006.
Durante um ano, serviu como soldado raso nas tropas do Ministério do Interior russo. Em 1986 tornou-se informador da KGB. Dois anos mais tarde, após frequentar um curso na Escola Militar de Contra Inteligência, em Novosibirsk, foi admitido como oficial operacional da KGB.

                     Gorbachev e Ieltsin

No ano de 1991, Vladimir Kriuchkov, líder da KGB, organizou um golpe de estado para depor o presidente Mikhail Gorbachev e foi vencido. Não podendo confiar na organização de espionagem, Gorbachev fez o que é costume nestes casos: dividiu para poder continuar a reinar. A agência secreta russa foi cindida em duas partes: o Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (FSB), vocacionado para a segurança interna, e o Serviço de Informação Estrangeira (SVR) dedicado à espionagem. Litvinenko mudou-se para a secção do FSB encarregada de combater o crime organizado. Foi nesta área que fez toda a sua carreira, nunca tendo sido propriamente um espião. Conheceu Boris Berezovsky ao investigar uma tentativa de assassinato ao magnata russo. Passou a trabalhar também para ele, encarregando-se da sua segurança. O segundo emprego era ilegal mas as autoridades russas fechavam os olhos a essas situações, com que os seus funcionários, mal pagos, completavam os salários.
Em 1997, Alexander Litvinenko foi promovido e ascendeu ao Diretorado de Análise e Supressão dos Grupos Criminais da FSB. Havia quem considerasse essa instituição mais integrada no crime organizado do que esforçada em combatê-lo. Segundo a esposa Marina, terá descoberto numerosas ligações entre as autoridades policiais e grupos mafiosos russos.

                           Berezovsky

A 13 de novembro de 1998, Boris Berezovsky publicou no jornal diário Kommersant (O Empresário) uma carta aberta dirigida a Putin. Acusava alguns altos dirigentes do Diretorado de terem ordenado a sua morte e indicava os seus nomes.
Quatro dias depois, numa conferência de imprensa, Litvinenko e quatro outros oficiais da FSB confirmaram a acusação de Berezovsky. Todos os quatro trabalhavam simultaneamente para o FSB e para o oligarca russo. Acrescentaram outra informação do mesmo teor. Tinham recebido ordens para liquidar Mikhail Trepashkin.


Litvinenko foi demitido da FSB. A seguir foi preso, libertado, novamente detido e outra vez solto. Fugiu para a Turquia e conseguiu, depois, asilo político em Londres, onde trabalhou como jornalista e escritor. Tornou-se ainda consultor (pago) dos serviços secretos britânicos. Em 2006 adquiriu a nacionalidade inglesa.
Em Londres, Alexander Litvinenko escreveu e publicou dois livros em que acusava os serviços secretos russos de estarem por trás da série de explosões que, em setembro de 1999, atingiram vários blocos de apartamentos e mataram quase três centenas de pessoas, em Moscovo e noutras cidades russas. A intenção dos bombistas seria preparar a opinião pública russa para o desencadeamento da segunda guerra da Chechénia e a para a ascensão política de Vladimir Putin. Litvinenko acusou também Putin de ter mandado matar Anna Politkovskaya. Na obra O Gang de Lubyanka, Litvinenko afirmou que Putin estivera pessoalmente envolvido na proteção ao tráfico da droga proveniente do Afganistão. Em dezembro de 2003, as autoridades russas apreenderam 4.000 exemplares desse livro.
Litvinenko conhecia bem a criminalidade organizada russa e o funcionamento da FSB. Possuía também uma excelente imaginação.
Segundo ele, os serviços secretos russos estariam atrás de quase todas as tragédias que abalaram a Rússia e os países vizinhos, no final do sec. XX e nos primeiros anos do sec. XXI.
Em 1999, teriam organizado o ataque ao parlamento da Arménia, que resultou na morte do primeiro-ministro e de sete deputados. A finalidade seria prejudicar o processo de paz que haveria de pôr fim ao conflito em Nagorno-Karabakh.
Em 2003, Alexander declarou a uma televisão australiana que dois dos terroristas chechenos envolvidos na crise dos reféns do teatro de Dubrovka, em Moscovo, trabalhavam para o serviço de segurança da Federação Russa e que o FSB teria estado envolvido no ataque. Neste caso, existe alguma informação cruzada. Mikhail Trepashkin e Anna Politkovskaya acusaram igualmente o agente do FSB «Abu Bakar» de ter tido um papel determinante no ataque. As forças russas bombearam um gás tóxico para dentro do teatro, antes de o tomarem de assalto. Morreram os 40 atacantes e 130 reféns.

                        Vítimas do massacre da escola de Beslan

Em 2004, Litvinenko sugeriu que os serviços secretos russos tinham tido conhecimento prévio dos planos para atacar a escola de Beslan. No primeiro dia de setembro desse ano, um grupo de separatistas islâmicos inguches e chechenos ocupou uma escola na cidade de Beslan, na Ossétia do Norte, uma república da Federação Russa, no norte do Cáucaso. Foram feitos mais de 1.100 reféns, na maioria crianças. Ao terceiro dia de ocupação, as forças russas entraram no edifício, utilizando material bélico pesado. Morreram perto de 400 reféns, incluindo muitas crianças. Segundo Alexander Litvinenko, alguns dos atacantes conheciam as cadeias do FSB, sob acusações de terrorismo. Teria sido impossível, depois de libertados, participarem num ataque dessa envergadura. Ou teriam sido comprados, ou estariam submetidos a medidas rigorosas de vigilância. A violência desencadeada na escola de Beslan teria por finalidade desacreditar os separatistas chechenos e inguches.   
Litvinenko acusou repetidamente a KGB e as agências que lhe sucederam de estarem por trás de grande parte dos atentados sangrentos que ocorriam mundo fora. Segundo ele, muitos terroristas eram treinados, armados e pagos pelos serviços secretos russos. Afirmou: «o centro do terrorismo global não fica no Iraque, no Irão, no Afeganistão ou na República da Chechénia. O terrorismo propaga-se a partir dos gabinetes da Praça Lubyanka e do Kremlin, em Moscovo». É na Praça Lubyanka que se situa o edifício da KGB, herdado pelo FSB e pelo SVR.

                          al-Zawahiri à esquerda de Bin Laden

Ainda de acordo com as afirmações de Litvinenko, o líder da Al-Qaeda Ayman al-Zawahiri terá sido treinado pela FSB, durante meio ano, no Daguestão, em 1997, e transferido depois para o Afeganistão, onde se aproximaria de Osama bin Laden.

                          Julia Svetlichnaya

Há muitas formas de suicídio. Alexander gostou sempre de dar nas vistas. Segundo Julia Svetlichnaya, que preparava o seu doutoramento na Universidade de Westminster, Litvinenko tencionava contactar diversas personalidades russas, incluindo oligarcas e elementos da hierarquia do Kremlin, para lhes extrair dinheiro em troca da não publicação de documentos que as comprometeriam. Era uma excelente maneira de multiplicar o número de inimigos mortais.
Em 2002, Mikhail Trepashkin, também antigo agente secreto, informou Litvinenko de que uma unidade da FSB fora encarregada de o liquidar.
Alexander Litvinenko nunca se preocupou muito com a própria segurança. Viajava por onde lhe apetecia, recebia jornalistas em casa e participava na vida da comunidade russa de Londres. Falava demais, misturando o que sabia com o que imaginava. Nunca apresentou provas de qualquer das suas afirmações bombásticas. Desenvolveu, talvez mais do que ninguém, as teorias da conspiração e propagou aos quatro ventos as suas ideias sobre as estruturas do poder na Rússia.
Um professor da Academia de Defesa do Reino Unido considerou Litvinenko uma espécie de agência de desinformação formada por um único homem. A princípio, seria pago por Berezovsky. A partir de certa altura, terá começado a agir por conta própria. Vladimir Putin era o seu inimigo de estimação. Alexander acusou-o de tudo, inclusive de pedofilia.
No dia 1 de novembro de 2006, Litvinenko adoeceu subitamente e foi hospitalizado. Morreu três semanas depois. Terá sido vítima de envenenamento pela substância radioativa polonium-210. A sua doença recebeu ampla divulgação nas televisões de quase todo o mundo.
A 20 de janeiro do ano seguinte, a polícia britânica anunciou ter identificado o homem que envenenara Litvinenko. Teria sido apresentado à vítima como «Vladislav».

                          Andrey Lugovoi

O inquérito levado a cabo pelas autoridades policiais inglesas apontou para Andrey Lugovoi, antigo espião russo, como executante do crime. Lugovoi encontrara-se com Litvinenko no dia 1 de novembro de 2006, a data provável da administração da dose mortal de polónio radioativo.
Os britânicos pediram a extradição de Lugovoi, mas a Rússia recusou concedê-la. As autoridades policiais russas estariam dispostas a investigar e julgar o crime, se os ingleses lhes fornecessem provas suficientes da responsabilidade de Lugovoi.
A imprensa oficial russa acusou Boris Berezovsky de estar ligado ao crime, que teria sido perpetrado para manchar a reputação da Rússia no estrangeiro.
No dia 2 de outubro de 2011, o jornal Sunday Times publicou um artigo em que o investigador chefe da morte de Litvinenko, Lorde Macdonald of River Glaven expressava as suas suspeitas sobre o envolvimento da Rússia no crime: «tem todas as marcas de uma execução comandada por um estado, cometida nas ruas de Londres por um governo estrangeiro».
Nunca soube de um homem que precisasse tanto de adversários. Litvinenko era um fanfarrão. Quis morrer de forma violenta.
Aproximou-se do Islão de modo progressivo e converteu-se, na véspera da morte. Escolheu, contudo, morrer como Cristo. Exibiu-se como um crucificado emagrecido, sem cruz e sem cabelo, com tubos para administração de medicamentos introduzidos nas veias. Elegeu para mandante da própria morte, o mais mediático dos seus inimigos: Vladimir Putin.



É duvidosos de que Putin seja diretamente culpado. Decisões deste tipo são cuidadosamente pesadas na balança de ganhos e perdas e a eliminação física do desacreditado ex-agente do FSB teria de causar demasiados danos na imagem do líder russo. 

(Capítulo do livro não publicado Estranho Ofício de Matar, de António Trabulo).

quarta-feira, 18 de outubro de 2017


O ASSASSINATO DE ANNA POLITKOVSKAYA


Há quem diga que a motivação para o assassinato de Anna Politkovskaya foi a conveniência em meter medo aos jornalistas. Terá sido assim, em parte. Politkovskaya não foi a única periodicista abatida por escrever contra a corrupção do governo russo, ou contra o desprezo pela vida humana na Chechénia. Numerosos jornalistas e defensores dos direitos humanos deram as vidas pelas suas causas. Após uma série de assassinatos, a «Novaya Gazeta» anunciou publicamente que não se arriscava a enviar mais jornalistas para a Chechénia.
O corpo de Politkovskaya foi encontrado com diversos ferimentos de bala, no elevador do seu bloco de apartamentos, em Moscovo, a 7 de outubro de 2006. Os disparos que a mataram foram efetuados a curta distância.


Esta mulher demonstrou em ocasiões sucessivas uma coragem anormal. Devia saber perfeitamente que estava a mais no mundo.
Curiosamente, Anna nasceu em Nova Iorque, filha de diplomatas ucranianos a trabalhar nas Nações Unidas. Tinha 48 anos quando morreu. Era cidadã russa, embora tivesse também passaporte americano. Cresceu em Moscovo e licenciou-se em jornalismo, na Universidade Estatal de Moscovo.
Tornou-se conhecida por escrever sobre a Chechénia. Tratava-se de um país conturbado e dividido, onde os soldados chegavam a vender os cadáveres das suas vítimas às famílias que pretendiam proporcionar aos mortos funerais conformes ao ritual islâmico.
Os seus matadores vieram de lá. Anna denunciou raptos, torturas e execuções em massa, da parte de militares russos.
Anna Politkovskaya era casada e tinha dois filhos. Trabalhou para diversos jornais russos. Escreveu sobre os refugiados de guerra e criticou a Rússia de Putin.


Vladimir Putin era um oficial superior da KGB. Subiu até se tornar primeiro-ministro de Boris Yeltsin e sucedeu-lhe como Presidente da Rússia.
Para além de denunciar os crimes de guerra russos na Chechénia, Anna acusou também a administração chechena pró russa dos Kadyrov de diversos abusos. Publicou livros críticos do regime que dominou a Rússia após 1991 e preocupou-se com a violentação dos direitos humanos no Cáucaso do Norte. Foi agraciada com diversos prémios internacionais. 


Sobre a KGB, escreveu: «respeita apenas os fortes e devora os fracos».
Opinou também: «regressámos a um vazio de informação. Deixaram-nos apenas a Internet, onde a comunicação ainda é livre. Se quiseres continuar a trabalhar como jornalista, tens de servir Putin. De outro modo, conta com uma bala, um veneno, ou um julgamento, conforme os cães de guarda de Putin acharem melhor».
Por vezes, foi além do seu trabalho de jornalista. Numa altura em que Grozni estava a ser submetida a bombardeamentos violentos, Politkovskaya ajudou a organizar a retirada de um grupo de cidadãos idosos. Quando muitas centenas de crianças da escola de Beslan, na Ossétia do Norte, foram vítimas de sequestro, ofereceu-se como mediadora e meteu-se num avião em direção à cidade. Não chegou lá. Foi envenenada com chá, durante o voo, em setembro de 2004. Perdeu os sentidos e foi retirada do avião, numa escala do percurso, em Rostov-na-Donu, para receber tratamento médico.
Anna Politkovskaya queixava-se ocasionalmente das pedras que lhe iam atravessando no caminho: «Recebo ameaças por carta, por telefone e pela Internet. Semanalmente, sou chamada a depor perante as autoridades por causa dos meus artigos. A primeira pergunta é sempre a mesma: como é que obteve esta informação?»


Anna podia bem com o próprio medo. Em dezembro de 2005, numa conferência sobre a liberdade de imprensa, organizada em Viena pelos Repórteres sem Fronteiras, declarou: «As pessoas, às vezes, pagam com as próprias vidas por dizerem em voz alta o que pensam. Uma pessoa pode ser morta por me prestar informações. Não sou a única em perigo. Tenho exemplos que provam o que digo.»
Foi ameaçada de violação e de morte. Chegou a ser torturada e submetida a uma falsa execução, levada a cabo por oficiais russos, na Chechénia. Anna descreveu o episódio: «Um tenente-coronel de rosto moreno e olhos escuros e salientes disse-me, como se falasse de negócios: “Vamos. Vou matar-te.” Fez-me sair da tenda para a escuridão total. Lá, as noites são impenetráveis. Depois de caminharmos um bocado, disse: “Quer estejas pronta ou não, chegou a hora”. O fogo rebentou em volta de mim, guinchando, rugindo e rosnando. O tenente-coronel parecia muito feliz por me ver aterrorizada. Tinha-me posto atrás dum lançador múltiplo de foguetões Grad no momento em que era disparado».
Ao contrário de outros casos semelhantes, o assassinato de Anna Politkovskaya não ficou impune. A opinião pública internacional obrigou as autoridades russas a uma investigação séria.
Foram presos dez homens suspeitos de terem participado no crime. Três eram chechenos e irmãos: Ibragim, Dzhabrail e Rustam Makhmudov. Terá sido Rustam a efetuar os disparos. Um antigo investigador da polícia foi também acusado. Em maio de 2007, os arguidos foram apresentados ao Tribunal Militar do Distrito de Moscovo.


Em dezembro de 2008, um dos editores da Novaya Gazeta declarou, ao tribunal, que tinha recebido informações segundo as quais Dzhabrail Makhmudov seria agente da FSB. Recusou indicar as fontes de informação.
 O coronel Pavel Ryaguzov, membro da FSB (a organização policial que sucedeu à KGB para a investigação das questões internas), foi acusado de ligações aos assassinos, mas não de participação no crime. 
O julgamento dos acusados pela morte de Anna Politkovskaya sofreu várias vicissituides e atrasos. Teve mesmo de ser repetido. 
Em dezembro de 2012, Dmitry Pavliuchenkov, um antigo polícia, considerado o principal organizador do assassínio e acusado de ter dado informações sobre os hábitos da vítima e proporcionado a arma para o crime, foi condenado a 11 anos de cadeia numa colónia penal de alta segurança.


Ninguém acreditou que tivesse agido por iniciativa própria. O editor de Politkovskaya na Novaya Gazeta continuou a afirmar que ela tinha sido assassinada porque as suas investigações prejudicavam os interesses de financeiros russos. Fontes próximas do governo sugeriram que inimigos de Putin a residir fora da Rússia (pareciam referir-se em especial ao milionário Berezovsky, exilado em Londres) encomendaram o atentado com a intenção de provocar uma crise que lhes facilitasse o regresso ao Poder. 

(Capítulo do livro não publicado Estranho Ofício de Matar, de António Trabulo)

segunda-feira, 16 de outubro de 2017



   A MORTE DE JOÃO PAULO I



Na madrugada do dia 28 de setembro de 1978, a freira Vincenza Taffarel deu com o papa João Paulo I morto.
Trabalhava para ele havia 18 anos e servia-lhe habitualmente o café da manhã. Na versão oficial dos factos, terá sido o padre Diego Lorenzi, um dos secretários do papa, a encontrar o cadáver. A causa da morte foi «possivelmente associada com enfarte do miocárdio». A freira fez depois voto de silêncio, o que levantou suspeitas. Que terá sido obrigada a calar?
O fim súbito dum papado tão breve alimentou rumores. Aldo Moro tinha sido assassinado quatro meses antes. Multiplicaram-se os boatos. Alguns deles estiveram na origem de teorias conspirativas.
Albino Luciani nasceu no norte de Itália, em 1912. Tinha sido Patriarca de Veneza. Foi eleito Papa, num conclave rápido, a 26 de agosto de 1978 e entronizado a 3 de setembro. O cardeal Giuseppe Siri, tido como conservador, era, para a imprensa, o favorito, mas a imprensa engana-se com frequência. Falava-se de outros nomes. Luciani nunca trabalhara no Vaticano, o que lhe reduziria as probabilidades de ser eleito. Muita gente ficou surpreendida com a nomeação, a começar pelo novo papa. Diz-se mesmo que tentou recusar o cargo.
A hora exata da sua morte é desconhecida. Foi avistado vivo pela última vez por volta das 23.30. O corpo foi encontrado às 4.30 da manhã.
Conta-se que previu o próprio fim. «Alguém mais forte que eu e que merece estar nesse lugar estava sentado à minha frente, durante o conclave. Ele virá, porque eu me vou.» Diz-se que esse homem era o polaco Karol Wojtyla.



O papa terá falado na possibilidade da sua morte ao cardeal John Magee um dia antes de falecer. Ou se sentia doente, ou ameaçado. A verdadeira causa do óbito é desconhecida. O cadáver não terá sido autopsiado. As leis canónicas dificultariam a autópsia do Sumo Pontífice e a família não concordaria com ela.
A Santa Sé declarou que o papa João Paulo I morreu na sua cama de um ataque cardíaco. Contudo, treze anos mais tarde, alguns familiares afirmaram que o papa não faleceu na cama, mas no seu gabinete de trabalho.
Esta e outras incongruências deixam no ar a hipótese de morte violenta de João Paulo I que, segundo alguns, terá sido envenenado.
O Papa foi embalsamado depressa demais. De acordo com um comunicado da Ansa, uma agência de notícias italiana, um automóvel do Vaticano foi buscar às suas casas os embalsamadores Renato e Ernesto Sinoracci às cinco da manhã, meia hora depois de ter sido encontrado o corpo do Papa.
O Vaticano segue, em parte, o paradigma dos impérios: chefe por eleição e vitalício. Em teoria, o Papa tem um poder quase absoluto. Não existe, contudo, poder sem conhecimento e não é certo que os altos funcionários da Santa Sé facultem de imediato aos novos chefes os segredos mais comprometedores. Lembremos que há secretários que desempenham funções durante papados consecutivos.
Uma vez posta a hipótese de assassinato, foram apontados muitos presumíveis culpados: a Opus Dei, que se erigira em estado dentro do Estado Pontifício; a Cúria Romana, avessa a mudanças políticas ou doutrinárias; a Maçonaria, que há muito infiltrara o Vaticano, apesar das ameaças de excomunhão; a Máfia, ligada a alguns membros da hierarquia católica e às instituições financeiras da Igreja.
O Banco católico Ambrosiano fora fundado no final do sec. XIX, em Milão. O seu nome provém de Santo Ambrósio, antigo arcebispo da cidade. Em 1971, Roberto Calvi, apoiado pela loja maçónica P2 (Propaganda Dois), de que era membro, assumiu a sua presidência e criou, na América do Sul, uma rede complexa de companhias fantasma destinadas a retirar dinheiro de Itália. Calvi aproximou-se do Banco do Vaticano, oficialmente designado por Istituto per le Opera di Religione e do seu presidente, bispo Paul Marcinkus. Financiou o jornal Corriere della Sera, alguns partidos italianos de Direita e o ditador da Nicarágua, Anastasio Somoza, que enfrentava a rebelião sandinista. Terá também enviado fundos para o sindicato polaco Solidariedade. Em 1978, ano da morte de João Paulo I, o Banco da Itália elaborou um relatório sobre o Ambrosiano, prevendo o seu colapso financeiro e desencadeando uma investigação policial.
O escândalo do Banco Ambrosiano veio relançar as suspeitas sobre o eventual assassinato de João Paulo I.


                                     Roberto Calvi

Em 1981, a polícia irrompeu pelas instalações da loja maçónica P2. Prendeu Licio Gelli, o grão-mestre, e encontrou provas que incriminavam Roberto Calvi. Calvi foi condenado à pena de quatro anos de cadeia, mas recorreu da sentença e conseguiu ser libertado.
No ano seguinte, não foi possível esconder por mais tempo as dívidas da instituição. A secretária de Calvi, Graziella Corrocher, de 55 anos, deixou um bilhete a denunciar os prejuízos que o seu chefe causara ao banco e aos empregados, antes de se atirar duma janela do 5º andar do edifício do Banco Ambrosiano
Calvi fugiu do país com um passaporte falso. A 18 de julho, deram com ele enforcado na ponte Blackfriars, em Londres. 



    Poderá ter-se tratado de suicídio, mas um homem, para se matar, precisa de viajar para tão longe?
O Banco do Vaticano perdeu, também, muitos milhões de dólares.
O escândalo com os investimentos da Santa Sé não terminou aí. Em 1994, o primeiro-ministro Bettino Craxi, socialista, o ministro da Justiça Claudio Martelli e Licio Gelli, da loja P2, foram acusados de cumplicidade no caso do Banco Ambrosiano. Gelli foi condenado a doze anos de prisão.
Verdadeiro ou falso, o assassinato dum Papa é um excelente tema jornalístico e literário. Sucederam-se as publicações a explorar o assunto. No seu livro Em nome de Deus, o escritor inglês David Yallop sugeriu que o Papa fora assassinado por ter descoberto esquemas de corrupção no Istituto per le Opera di Religione. De acordo com Yallop, Albino Luciano teria sido feito papa por ser considerado um homem modesto e influenciável. Ao assumir funções, revelara um caráter determinado que lhe iria custar a vida.
A obra de David Yallop não ficou isolada a defender a teoria da conspiração. Outras se lhe seguiram. A Santa Sé defendeu-se. Num livro muito bem documentado a que deu o nome de Um Ladrão na noite, John Cornwell refutou a argumentação de Yallop e dos seus seguidores. Segundo ele, Albino Luciani morrera de doença natural.
Nenhum deles merece inteira confiança. Se Yallop é um jornalista de investigação especializado em escrever sobre mortes suspeitas de gente famosa, Cornwell, ex-seminarista, terá tido a sua publicação encomendada e paga pelo Vaticano.



O estado aparente de saúde do papa é também objeto de controvérsia. Cornwell afirma que o Papa estava muito doente. Escreveu, perto do final do seu livro: «João Paulo I quase de certeza morreu de embolia pulmonar. Necessitava de descanso e de medicação. Se estes tivessem sido receitados, provavelmente sobreviveria. As advertências de uma doença mortal estavam à vista de todos. Pouco ou nada foi feito para socorrê-lo».
As suposições de John Cornwell vão no interesse do Vaticano, que, desejoso de explicar a morte do papa por causas naturais, tentou convencer a opinião pública que Albino Luciani tinha a saúde debilitada. São, porém, negadas pelo testemunho do seu médico pessoal desde os tempos de Veneza, Dr. António Da Ros. Quinze anos após a morte do Papa, Ros declarou à revista 30 Giorni que o tinha observado cinco dias antes da morte e que a sua saúde era excelente. Aliás, os conclaves evitam, há muito, elevar ao papado cardeais demasiado doentes.
Há quem tente ligar a morte de João Paulo I a vaticínios e premunições. 



     Segundo alguns, o Papa teria adivinhado a morte próxima. Dizem outros que a profecia feita por Nostradamus no séc. XVI se refere a ele:

   O papa eleito será traído pelos seus eleitores,
   Esta pessoa prudente será reduzida ao silêncio.
   Irão matá-lo por ele ser muito bondoso,
   Atacados pelo medo, tratarão da sua morte à noite.



De acordo com um dos irmãos de João Paulo I, a Irmã Lúcia, que ele visitou no Carmelo de Coimbra quando era Arcebispo de Veneza, teria também feito uma profecia. Tratou o Cardeal Luciani por Santo Padre. Luciani ficou intrigado e perguntou «Porquê?» Lúcia terá respondido: «Vossa Eminência será feito papa… Mas terá um pontificado muito breve…»
Lúcia nunca teve muito juízo e gostou sempre de dar nas vistas. Não foi, contudo, a vidente quem associou Albino Luciani ao «bispo vestido de branco» que terá sido avistado por ela e pelos seus primos Jacinta e Francisco durante uma das supostas aparições de Nossa Senhora de Fátima, em 1917.
Luciani foi Papa durante trinta e três dias. Pode ter tido morte natural, mas as declarações oficiais da Santa Sé, cheias de imprecisões, contribuíram para alimentar a teoria do seu assassinato. Nada teria acontecido de novo no palácio de São Pedro. Muitos dos seus antecessores tiveram morte violenta. Pelo menos dez foram envenenados. 
    A pressa em chamarem os embalsamadores aumentou as suspeitas. Não se vê para ela outra explicação, senão o descontrolo dos responsáveis do Vaticano e a urgência em se desembaraçarem das evidências do suposto crime.

(Capítulo do livro de António Trabulo, por publicar, Estranho ofício de Matar)

domingo, 15 de outubro de 2017



A EXECUÇÃO DE ALDO MORO



Poderão existir anjos na terra, mas não acedem ao Poder. Se lá chegassem (por milagre) seriam incapazes de o exercer. Depressa veriam as asas queimadas.
Aldo Moro foi assassinado em maio de 1978, após um cativeiro que durou quase dois meses. Não se tratava de um cidadão qualquer. Tinha sido, durante perto de uma década, o personagem mais destacado em Itália, depois do Papa. Chefiou cinco governos. Politicamente, conservou-se sempre próximo da Igreja Católica.
A 16 de março de 1978, na Via Fani, em Roma, um grupo de militantes da organização italiana de extrema-esquerda «Brigadas Vermelhas», comandado por Mario Moretti, intercetou os dois carros da comitiva de Moro, liquidou os cinco guarda-costas que deveriam protegê-lo e raptou-o. Por essa altura, todos os membros fundadores das Brigadas Vermelhas tinham sido detidos. Os brigadistas queriam demonstrar que estavam vivos e ativos e que nem as mais altas figuras da República Italiana estavam a salvo dos seus ataques. Retomavam, desta forma, o protagonismo nos noticiários internacionais.


Aldo Moro era o líder da Democracia Cristã italiana e Giulio Andreotti um dos seus dirigentes mais destacados. Moro foi sequestrado quando se dirigia para a Câmara dos Deputados, para assistir à tomada de posse de Andreotti como primeiro-ministro.
O governo italiano recusou negociar com os sequestradores e Aldo Moro foi assassinado, após um longo cativeiro.
Muito se disse e pouco se provou sobre o envolvimento de diversas personagens e organizações italianas, americanas e, até, soviéticas, no caso Moro. O historiador Sergio Flamigni afirma que Moretti foi colocado pela Gladio à frente das Brigadas Vermelhas.
 Entre 1969 e a segunda metade da década de 80, a Itália viveu os chamados «anos de chumbo». A «guerra fria» estava no auge. Os eurocomunistas de Enrico Berlinguer eram o partido comunista mais importante do mundo capitalista. O PCI ocupava 34% das cadeiras parlamentares, sendo apenas suplantado pela Democracia Cristã.

                            Enrico Berlinger
 Aldo Moro era um político pragmático. Menorizou porém alguns dos aspetos mais radicais da política italiana e mundial. O seu «compromisso histórico» iria juntar a Direita e a Esquerda, assegurando uma base parlamentar sólida a um governo inédito de democratas-cristãos e comunistas. A iniciativa desagradava a muita gente, dentro e fora do país. Nessa altura, a “geringonça” estava por inventar. 
 Para os americanos, a entrada de comunistas no governo de Itália iria permitir-lhes não só influenciar decisões políticas que poderiam contrariar os seus interesses, como também aceder a informações estratégicas sobre instalações e planos militares, podendo eventualmente comunicá-las a agentes soviéticos. Em caso extremo, a NATO poderia mesmo deixar de ter acesso a portos estratégicos no Mediterrâneo.
A União Soviética receava ver abalar o equilíbrio tático estabelecido na Europa, no final da guerra. A embaixada soviética em Roma terá manifestado a Aldo Moro a sua discordância quanto ao «compromisso histórico». Aliás, as relações dos russos com o PCI de Berlinger não eram as melhores.
No plano interno, o projeto de Moro levantou objeções à esquerda e à direita. À direita, dentro da própria Democracia Cristã, a ideia tinha adversários de peso. À esquerda, havia quem falasse de traição à causa socialista. Os extremistas dos dois campos opunham-se à paz social.
As Brigadas Vermelhas assumiram publicamente a autoria do rapto e do assassinato de Moro. A motivação e as associações conjunturais do grupo esquerdista é que são menos claras.
Há quem diga que a Gladio, braço secreto da NATO, instrumentalizou os membros das Brigadas com a finalidade de agudizar o ódio aos comunistas na sociedade italiana. Era importante inviabilizar o controlo de alguns ministérios pelo PCI e recorreu-se à «estratégia de tensão». Tratava-se de diabolizar a Esquerda, para que a opinião pública exigisse do Estado o reforço das medidas de segurança. Não se trataria de um acontecimento isolado: de acordo com um suposto antigo agente da Gladio, Vincenzo Vinciguerra, o atentado bombista que vitimou 85 pessoas, em 1980, num comboio de Bolonha, foi preparado e executado por agentes dos serviços secretos italiano e americano.
Os meandros da política italiana eram complexos, envolvendo múltiplos protagonistas. A Máfia enriquecera no pós-guerra com o boom das obras públicas e pagava a individualidades políticas bem colocadas para ser favorecida nos concursos abertos pelo governo e pelas autarquias. Certas lojas maçónicas tinham feito profissão de fé anticomunista. Alguns dos seus dirigentes colaboravam abertamente com a direita italiana, não se coibindo de confraternizar com a CIA e com a Gladio. Lembro que o gládio romano era uma espada de dois gumes. Por coincidência ou não, faz parte do logótipo da NATO.
O antigo membro das Brigadas Vermelhas Alberto Franceschini publicou um livro em que apontou Aldo Moro como um dos fundadores da Gladio. A ser assim, ganharia força o ditado: «quem com ferros mata…»
Na extrema-esquerda do leque político italiano havia quem ainda sonhasse impor o comunismo no país através da ação revolucionária. 


O certo é que o assassinato de Moro pôs fim ao «compromisso histórico». A decisão de deixar morrer Aldo Moro poderá ter sido tomada em conjunto pela CIA e pela direita política italiana. Terá sido precipitada quando Moro começou, nas suas cartas, a revelar segredos de estado, incluindo a existência da Gladio.
A dada altura, o destino de Moro ficou traçado. O governo italiano negou-se a fazer um acordo com bandidos. O ministro do interior, Francesco Cossiga, adotou uma posição intransigente e recusou qualquer negociação com os sequestradores, que se declaravam dispostos a trocar o antigo primeiro-ministro por um grupo de militantes esquerdistas presos.
A prisão de Aldo Moro e a ameaça de morte que sobre ele pendia ocuparam boa parte dos noticiários televisivos em Itália e um pouco em todo o mundo e encheram os cabeçalhos dos jornais. O antigo primeiro-ministro esteve cativo durante 55 dias. Escreveu quase duas cartas diárias. Endereçou-as à família, ao governo e até ao Papa. O conteúdo de algumas foi silenciado durante décadas. Moro esmolou negociações e piedade, mas não as obteve. Frustradas as tentativas de compromisso, as Brigadas assassinaram o líder democrata-cristão. O corpo de Aldo Moro, crivado de balas, foi abandonado no interior dum automóvel junto ao rio Tibre, no dia 9 de maio de 1978.


Cossiga, mais tarde presidente da República italiana, viria a declarar que, se tivesse admitido negociar com as Brigadas Vermelhas, faria o país mergulhar numa crise profunda e duradoura. O Estado italiano poderia mesmo desagregar-se. Admitiu que o gabinete de crise a que presidia tinha feito passar a notícia falsa da execução de Moro, um dia antes dela ocorrer. A desinformação fora emitida para testar a reação da opinião pública e para colocar um ponto final nas hipóteses de negociação. O anúncio equivaleu a uma sentença de morte. Para o governo italiano, Moro era já um cadáver. 
      Steve Pieczenik, enviado do presidente Jimmy Carter ao gabinete de crise italiano, admitiu 28 anos mais tarde, numa entrevista pública, que tinham sacrificado Aldo Moro para manter a estabilidade em Itália.
Com Moro afastado da cena política, Giulio Andreotti assumiu o cargo de primeiro-ministro e pôs em prática uma política declaradamente anticomunista.

                             Giulio Andreotti
Infiltradas ou não, ao matarem Aldo Moro após quase dois meses de cativeiro, as Brigadas Vermelhas suicidaram-se politicamente. Poucos italianos as apoiariam, depois da publicação repetida de cartas a pedir a misericórdia de negociações, escritas por um homem respeitado em toda a Itália pela sua estatura moral e intelectual. Moro quis pacificar o seu país, congregando os setores moderados da Esquerda e da Direita num acordo parlamentar que asseguraria ao governo o apoio de uma maioria estável. Em vez disso, desencadeou um maremoto que o engoliu a ele e ao seu projeto.
Custa entender como foi tão fácil a um grupo, bem armado mas sem experiência de combate, atacar os dois automóveis, matar os guarda-costas com rajadas de metralhadora e retirar sem oposição, transportando a vítima para um refúgio previamente preparado. Os carros não eram à prova de bala. De outro modo, teria havido uma resistência eficaz.
Os sequestradores acabaram por ser presos. Os carabinieri do general Dalla Chiesa desmantelaram o agrupamento revolucionário italiano. Em janeiro de 1983, 25 elementos das Brigadas Vermelhas foram condenados a prisão perpétua pelo assassinato de Aldo Moro e dos seus guarda-costas.
À execução de Moro, seguiram-se outras mortes violentas, alegadamente associadas à sua. No próprio mês da execução, o jornalista italiano Mino Pecorelli publicou um artigo explosivo. Sugeria a conexão entre o caso Moro e a Gladio. Apontava o dedo acusador à CIA e afirmava que o comandante dos carabinieri Carlo Alberto Dalla Chiesa, tinha informado o ministro do Interior Francesco Cossiga do local do cativeiro de Moro, ainda em vida do sequestrado. O general teria recebido ordens para não atuar, devido à oposição de uma loja maçónica poderosa. Pecorelli profetizou então o assassinato de Dalla Chiesa.

                            Dalla Chiesa
Tanto Chiesa como Pecorelli eram maçons. O nome de Mino Pecorelli constava da lista de membros da loja P2 de Lício Gelli.
Carlo Alberto Dalla Chiesa foi transferido para Palermo. Muitos italianos acreditam que foi enviado para a Sicília por saber demais sobre as circunstâncias que rodearam o cativeiro e a morte de Aldo Moro. O general e a sua esposa foram abatidos a tiro pela Máfia, quatro anos mais tarde.


Pecorelli viveu menos tempo. Foi assassinado por dois desconhecidos, em março de 1979. Acabara de anunciar a intenção de publicar novos factos que comprometiam Giulio Andreotti. Andreotti foi acusado de ter ordenado a morte do jornalista. Tinha sido por diversas vezes primeiro-ministro de Itália e estava estreitamente ligado à Máfia. Curiosamente, foi ele quem primeiro reconheceu publicamente a existência da Gladio. Estava-se já em outubro de 1990.   



   O processo judicial parece confuso para os não italianos. Em 1999, decorridas duas décadas sobre o crime, o tribunal absolveu-o, no final dum julgamento que durou três anos. Houve recurso e, em novembro de 2001, Andreotti, já octogenário, foi condenado a 24 anos de prisão. Não chegou a ser encarcerado porque a sua condição de senador vitalício lhe conferia imunidade. Em outubro do ano seguinte, um tribunal superior anulou a decisão prévia e absolveu Giulio da acusação de homicídio. Em 2003, o tribunal de Palermo absolveu-o também da acusação de ligação à Máfia por ter prescrito o prazo dos supostos delitos. 

(Capítulo do livro por publicar, de António Trabulo, Estanho Ofício de Matar).