A EXECUÇÃO DE JESUS CRISTO
As
referências ao Messias abundam no Novo Testamento, mas escasseiam no Antigo. O
conceito de Messias é fundamental para os cristãos, sem o ser tanto para os
judeus.
Ao longo da história, os pretensos Messias trouxeram ao seu povo sangue
e destruição. Não admira que os hebreus os receassem. Os judeus nunca foram
capazes de enfrentar o poderoso império romano. Os fariseus e os sacerdotes
conheciam a realidade do seu tempo e o desequilíbrio de forças entre Roma e
Israel. Um agitador que arrastasse o povo atrás de si atrairia a desgraça.
Cristo foi executado por constituir uma ameaça para a segurança de Israel.
Quem me
conhecer poderá estranhar que um homem como eu se socorra de textos de Joseph
Ratzinger, que mais tarde foi eleito Papa com o nome de Bento XVI. Acontece que
o modo de pensar das pessoas está longe de ser uniforme ou homogéneo. Não fomos
feitos com régua e esquadro. Li com agrado o “Jesus de Nazaré”.
Passo a
citar alguns parágrafos desse livro:
Quando a oração noturna de Jesus (no Monte das
Oliveiras) terminou, chegou, guiada por Judas, uma milícia armada, às ordens
das autoridades do templo, e prendeu Jesus, enquanto os discípulos não foram
molestados.
Como se chegou a esta prisão, obviamente
decretada pelas autoridades do templo, em última análise pelo sumo-sacerdote
Caifás? Como se chegou à entrega de Jesus ao tribunal do governador romano
Pilatos e à condenação à morte na cruz?
Os Evangelhos permitem-nos distinguir três
etapas no caminho que levou à sentença jurídica de condenação à morte: uma
reunião do conselho na casa de Caifás, o interrogatório diante do Sinédrio e,
por fim, o processo na presença de Pilatos.
No
começo, o movimento que se foi formando em torno de Jesus Cristo não preocupou
as autoridades do templo. Aconteciam ocasionalmente factos semelhantes e
auto-limitados.
A situação mudou com o Domingo de Ramos: a
homenagem messiânica prestada a Jesus por ocasião da sua entrada em Jerusalém;
a purificação do templo, com a palavra interpretativa que parecia anunciar o
fim do templo enquanto tal e uma mudança radical do culto, em contraste com os
ordenamentos legados por Moisés; os discursos de Jesus no templo, em que se
podia perceber uma reivindicação de autoridade plena que parecia dar à
esperança messiânica de Israel uma nova forma, ameaçadora do seu monoteísmo:
os milagres que Jesus realizava em público e o afluxo cada vez maior de povo
que ia ter com Ele − todos esses factos já não podiam ser ignorados.
É o
evangelista João quem melhor descreve a reunião do Sinédrio que visou analisar
“o movimento popular nascido após a ressurreição de Lázaro”. Segundo João,
reuniram-se os chefes dos sacerdotes e os fariseus, os dois grupos dominantes
da sociedade hebraica da época. Partilhavam uma preocupação antiga: o receio de
que os romanos se enfurecessem com as manifestações populares e destruíssem o
templo e a nação hebraica.
Os
fariseus descendiam provavelmente do grupo religioso hassidim (os piedosos) que apoiara a revolta dos macabeus contra
o Império Selêucida. Em 142 a.C., com a vitória dos macabeus, conseguida após
uma prolongada guerra de guerrilha, constituiu-se o Reino da Judeia que se
manteve independente até 63 a.C., altura em que foi dominado pelos romanos.
Fariseus
e sacerdotes não se entendiam sempre, mas aliavam-se em situações especiais.
Ainda
não amanhecera, quando Jesus foi levado ao palácio do sumo-sacerdote, onde já se
encontravam os sacerdotes, anciãos e escribas que constituíam o Sinédrio.
Segundo João, a reunião começou com dúvidas e hesitações quanto ao melhor modo
de proceder em relação a Jesus. Coube ao sumo-sacerdote Caifás a intervenção
determinante: vós não entendeis nada, nem
vos dais conta de que vos convém que morra um homem só pelo povo e não pereça a
nação inteira.
O
exército romano poderia destruir o templo sagrado e a nação judaica. Havia mais.
A pretensão messiânica implicava a
reivindicação da realeza sobre Israel. Daí a tábua com a inscrição “Rei
dos judeus”, pregada na cruz.
Segundo
o evangelista Marcos, Caifás perguntou a Jesus: És tu o Messias, o Filho do Bendito? Jesus respondeu: sou, e vós
vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vir entre as
nuvens do céu.
De
acordo com o Evangelho de São Lucas, à pergunta do Sinédrio: “Tu és então o Filho de Deus?”, Jesus
terá respondido: “Vós o dizeis. Eu sou!”
Caifás
rasgou as vestes, exclamando: Blasfémia!
O delito
previsto para a blasfémia era a pena de morte, que apenas os romanos tinham
poder para declarar. Por outro lado, ao declarar-se Messias, Jesus
candidatara-se à realeza e esse era um delito político a ser apreciado pela
justiça romana.
O
governador romano Pôncio Pilatos tinha o hábito de se sentar no tribunal ao
começo da manhã.
É
curiosa a imagem que os evangelhos nos transmitem sobre Pilatos. Seria um homem
pragmático, disposto a recorrer às armas sempre que tal fosse indispensável, mas
ciente de que Roma assentava em boa parte o seu poder na tolerância para com as
múltiplas religiões do Império e na força
pacificadora do direito romano.
As
autoridades romanas não tinham conhecimento de perturbações da ordem pública.
Roma nada tinha contra Jesus. Eram os dirigentes judaicos que pretendiam vê-lo
morto.
Sigamos
o relato do evangelista João:
Depois levaram Jesus da casa de Caifás para o
pretório. Era cedo, de manhã. Eles não entraram. Então, saiu Pilatos para lhes
falar e lhes disse: Que acusação trazeis contra este homem?
Responderam-lhe: Se este não fosse malfeitor,
não to entregaríamos.
Replicou-lhes, pois, Pilatos: Tomai-o vós
outros e julgai-o seguindo a vossa lei.
Responderam-lhe os judeus: A nós não nos é
lícito matar ninguém.
Tornou Pilatos a entrar no pretório, chamou
Jesus e perguntou-lhe: És tu o rei dos judeus?
Respondeu Jesus: Vem de ti mesmo essa
pergunta, ou to disseram outros a meu respeito?
Replicou Pilatos: Porventura sou judeu? A tua
própria gente e os principais sacerdotes é que te entregaram a mim. Que
fizeste?
Respondeu Jesus: O meu reino não é deste
mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por
mim, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é
aqui.
Então lhe disse Pilatos: Logo tu és
rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim
ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve
a minha voz.
Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade?
No final
do interrogatório, Pilatos tirou as suas conclusões. Jesus não era um
revolucionário, em termos políticos. As suas palavras e o seu modo de agir não
constituíam uma ameaça para Roma. As eventuais transgressões à Tora não lhe
diziam respeito. Por outro lado, o Sinédrio aceitava a situação vigente. Em
termos objetivos, era um aliado da governação romana. Não seria conveniente
afrontá-lo sem uma razão suficientemente forte e a vida de um judeu não tinha
assim tanto valor.
Regressemos
a João: Tendo dito isto, voltou aos judeus
e lhes disse: Eu não acho nele crime algum.
É costume entre vós que eu vos solte alguém
por ocasião da Páscoa; quereis, pois, que vos solte o rei dos judeus?
Então gritaram todos, novamente: não é este,
mas Barrabás!
Ora, Barrabás era considerado um salteador.
De acordo
com Ratzinger, Barrabás não era um salteador, mas um patriota judeu. Teria
cometido um assassínio durante a revolta. Tratava-se, assim, de dois acusados do
mesmo crime: a rebelião contra o domínio romano.
Pilatos
desinteressou-se da questão. Voltou a sentar-se na cadeira de Juiz e pronunciou
a sentença de morte.
Entregou
Jesus aos seus soldados para que o chicoteassem. No direito romano, os
condenados à morte eram flagelados.
Quem,
como eu, teve uma educação católica, conhece bem o que se passou a seguir.
Curiosamente,
Joseph Ratzinger cita Platão, a propósito de Jesus Cristo: na sua obra
sobre o Estado, tentou imaginar qual seria o destino reservado neste mundo ao
justo perfeito e chegou à conclusão de que seria crucificado.
O
movimento cristão persistiu e obteve o êxito retumbante que se conhece. Sem o
líder, os seus discípulos dispersaram e levaram a suas palavras às cidades
gregas da Ásia Menor e à própria Roma. Com a ausência de Cristo, o seu legado
reforçou as vertentes espiritual e internacionalista. Deixou de constituir um
desafio a Roma e um perigo para os judeus. A estratégia dos chefes religiosos
resultara e a autonomia possível do povo judeu foi preservada por mais um
século.
Cem anos após a morte de Jesus Cristo, no
reinado do imperador Adriano, Simon Bar Cochba levantou a sua nação contra
Roma. Bar Cochba era também chamado Barcoquebas, que significa “filho de uma
estrela”. Era o novo Messias.
A
rebelião durou de 132 a 135. De início, os judeus obtiveram pequenas vitórias.
Foram derrotando as tropas romanas e chegaram a tomar Jerusalém, onde Cochba
proclamou a independência da Judeia.
Os
romanos reuniram mais forças e lançaram-se ao contra ataque. Simão Bar Cochba
abandonou Jerusalém, que foi arrasada. Refugiou-se na cidade-fortaleza de
Betar. Resistiu até meados de 135. Depois,
oitenta mil romanos invadiram Betar e assassinaram os homens, as mulheres e as
crianças, até o sangue correr das soleiras e valetas (Talmud). Simão foi morto
e decapitado.
No
conjunto, pereceram centenas de milhares de judeus.
Ao longo
do tempo, foram surgindo novos Messias. Até em Setúbal apareceu um. Chamava-se
Luís Dias, era alfaiate e chegou a ser bastante conhecido. A Inquisição
queimou-o em Lisboa, em 1542, juntamente com 83 seguidores.
Bibliografia: João. Evangelho
Ratzinger, Joseph. Jesus de Nazaré
Fotografia: detalhe de A coroação de espinhos, de Bosh.