DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

OS MEUS LIVROS






Pelos sessenta anos, publiquei o meu primeiro livro. Chamei-lhe MULEMBA, CONTOS DE ÁFRICA (Editora Europress, 2003). Contém algumas das páginas que, até hoje, mais gostei de escrever. Contos como "Máscaras" encontram-se entre os texto que revisito com alegria.






Seguiu-se
NO TEMPO DO CAPARANDANDA (Europress, 2004).
É uma colectânea de contos tradicionais angolanos que seleccionei e adaptei. Escolhi, entre aqueles a que tive acesso, os menos divulgados. Pensei que os jovens intelectuais de Luanda se iam interessar pelas próprias raízes. Enganei-me, pelo menos até ver.








O DIÁRIO DE SALAZAR ( Parceria AMP, 2004) foi o terceiro volume editado. Está escrito na primeira pessoa. Procurei e julgo ter conseguido algum mimetismo com a escrita do ditador. Houve quem confundisse as sentenças de Salazar com as minhas. O livro conheceu 10 edições e contribuiu para a "moda" das publicações sobre o Estado Novo.








EU, CAMILLO (Parceria AMP, 2006) veio a seguir. Escrito na primeira pessoa, como o anterior, constitui uma homenagem ao romancista português que mais admiro. Trata-se, a meu ver, de um trabalho bem conseguido. Ainda assim, o seu percurso no mercado revelou-se uma desilusão. Aparentemente, desde que Camilo Castelo Branco deixou de ser estudado nos liceus, parece ter-se distanciado do gosto e do conhecimento das novas gerações de leitores. Pode ser que a adaptação ao cinema das suas obras lhe devolva o lugar que merece nas preferências dos nossos compatriotas.






Iniciei depois, de forma intervalada, uma série de três romances com base na nossa História colonial. Centrei-os na cidade onde cresci (Sá da Bandeira, também chamada Lubango, situada no Sudoeste de Angola). Comecei com OS COLONOS (Esfera do Caos, 2007), em que descrevo a fundação e o crescimento da cidade.








A série foi interrompida pela escrita de A ÚLTIMA PROFECIA (Editorial Cristo Negro, 2007), uma novela fantástica com sabor policial, criada a partir da História dos judeus ibéricos. O mais sagrado dos símbolos da religião de Moisés é resguardado pelos marranos e conduzido pela Armada de Cabral até à praias brasileiras.










Em OS RETORNADOS - O ADEUS A ÁFRICA (Editorial Cristo Negro, 2009), narrei, de forma que julgo descomplexada e, tanto quanto possível, objectiva, o regresso apressado dos portugueses de África e a penosa adaptação ao velho Portugal. O romance foi galardoado com o Prémio Serpis Fialho de Almeida da SOPEAM, para obras publicadas em 2009.





A trilogia projectada voltou a ser interrompida com a publicação de 1910 ( Editorial Cristo Negro, 2009), um romance histórico sobre os últimos tempos da Monarquia e a implantação da República. Bernardo Soares e Alberto Caeiro, que Pessoa fez viver naquele tempo, habitam as páginas do livro.










Chegou, finalmente, a vez de LUBANGO (Editorial Cristo Negro, 2010). Impregnado de referências auto-biográficas, fala de "estar" e retrata certo modo português de ser colono. Encerrei, deste modo, a trilogia.

Com REPÚBLICA, LUZ E SOMBRA (Parceria AMP, 2010), dei continuidade a 1910. Morrem alguns personagens e surgem outros mas, no essencial, o livro prolonga o anterior e conta uma história de amor ao longo dos anos conturbados que vão de 1911 a 1926. Fernando Pessoa mantém-se bem presente nesta obra.






















E já são 10 os livros editados!

Não tenciono ficar por aqui. O DIA EM QUE DEUS COMEÇOU A DESMONTAR O MUNDO está pronto. A capa já foi esboçada... A sua escrita entusiasmou-me. É quase uma longa parábola. Mostra duas visões paralelas e quase sempre antagónicas do processo colonial. Uma é a de um alter ego do padre Carlos Estermann, missionário e etnógrafo de grande valor. A outra é a de um pequeno demónio da mitologia angolana. Conto publicá-lo no começo do próximo ano.




































sexta-feira, 12 de novembro de 2010

UM "BILHETE" DE AGOSTINHO DA SILVA



Este é um dos "Bilhetes" que George Agostinho da Silva fez publicar no jornal "África" entre Julho e Setembro de 1990. Escolhi-o por falar do tempo em que o filósofo viveu em Barca d`Alva.
A Barca é a última estação do caminho de ferro da Linha do Douro. Estudei em Coimbra, na década de 60, e passava a Páscoa e as férias grandes em casa da minha avó, em Almendra, a estação penúltima. Viajava sempre de comboio. Barca d`Alva ficava para além e ganhava o encanto do desconhecido. Lembro-me de pensar e de dizer que tinha o nome mais bonito das terras de Portugal. Visitei-a, pela primeira vez, muitos anos depois.



Tive a grande sorte de nascer no Porto e posso então dizer que sou, por naturalidade e por natureza, perfeitamente republicano quando se trata de delegar em outros, mais competentes do que eu por isto ou por aquilo, os poderes que eu próprio tenho.Mas na vida tenho eu encontrado gente muito superior a mim e a ela podia ter confiado o encargo de me dirigir no proceder, poupando-me muitas das tolices que tenho cometido; bastaria citar professores como Teixeira Rêgo, Leonardo ou Pires Lima ou mestres como Sérgio e, no Brasil, Lauro Travassos, mas logo de princípio tive como perfeita guia minha avó materna, viúva de pescador de Olhão; e aí, como não se tratou de delegar poderes, mas de os reconhecer como bem mais acima do que eu e de os seguir, fui, e ainda sou, monárquico; no que sou o que foram os portugueses dos melhores tempos, monárquicos quanto ao superior, republicanos quanto ao igual, tomando ainda a precaução de apreciar o candidato a rei antes de o reconhecer como tal e de o pôr de parte sem cerimónias quando ele se revelava incompetente para a missão. Seja como for, não fui crescendo no Porto, mas me levaram os destinos, ou a liberdade de criar, que é o fundamental do mundo, para a Barca d`Alva, dura aldeia naqueles princípios de século e nela aprendi a conhecer o Povo de Portugal, e alguma coisa do de Espanha, e me lembro muito bem do que ia acima de tudo que hoje se apelida de cultura a daqueles analfabetos, cultura humana que é a que importa, firme nos ideais e objectiva na vida, bem para lá daquele saber que com cultura se confunde e que pode estar mais completo nos livros e nas fitas gravadas - e que é em grande parte a cultura de tantos europeus, ou melhor, «ceéeus», tão privados de humanidade que já nem sabem ter filhos. Pois do que também me lembro muito bem, daqueles três anos da Barca, é da morte de minha primeira irmã, logo a seguir a mim, aquela Estrela Estefânia, que nunca andou, que nunca vi alegre, afinal nunca me apareceu senão que em braços embalada para morrer. Aldeia de matar, a Barca. Pois hoje a mesma terra, ligada a Trás-os-Montes por ponte acho que de Edgard, mas nem o comboio que levava viajante para Salamanca ou Lourdes tem desde há muito um Douro navegável do Porto à fronteira, o que dá a Castela, ou a Leão-Castela, como quiserem, um porto de mar uns 200 quilómetros mais perto do que seria, por exemplo, o Santander no Cantábrico. E vede só: o que me acontece é que, estranhamente mas profundamente, ligo a chegada do transporte fluvial ao cais da Barca àquele não poder de vida que foi o de Estrelinha como se, morta para nós, tivesse vivido mais que inteira para outra vida, a de conseguir que mais crianças do interior não fossem as vítimas que ela foi; passou a Barca de aldeia que mata a aldeia que dá vida e anima, como deviam ser, e são, todas as aldeias de Portugal; ou todas as aldeias do mundo, se plenamente nos cumprirmos nós das nossas.

Comentários, não estou à altura de os fazer. Tiro o chapéu a mestre Agostinho e agradeço ao meu amigo Leston Bandeira, que dirigiu galhardamente o jornal "África" durante cerca de 10 anos, a preservação dos textos que tencionamos publicar brevemente em forma de livro.

Fontes: Jornal "África", 22.8.1990.
Fotografia de Agostinho da Silva: Internet.
Fotografia do rio Douro junto a Barca d`Alva: autor.

domingo, 7 de novembro de 2010

AO MAR NÃO VOLTO!


Rosna o mar,

o lobo turvo,

bem me chama

"companheiro"...

Se a nortada

me procura,

busca em vão.


Virei costas

ao Império,

deixei a nau

encalhar.

Rizei panos

à lembrança,

vou cambar.


Se, nas ondas

do meu sangue

der à praia

um lenho velho


hei-de enterrá-lo na areia!

Ao mar, não volto!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

PRAIA



Breve, a praia some,


como os dias.


Maré cheia!


Parecia longa a vida


e resta pouca areia...

terça-feira, 2 de novembro de 2010