OS ESPANHÓIS EM ALMENDRA
No tempo em que a guerra civil grassava no país
vizinho, um grupo de republicanos espanhóis desarmados atravessou a pé a
fronteira e internou-se algumas léguas em território português para escapar às
balas dos franquistas.
É provável que situações como esta se tenham
repetido ao longo da raia. Falo dum grupo que chegou a Almendra e acampou no
olival que fica frente à escola. Foi o António Moreirão quem me relatou este
episódio.
O meu amigo António era mais velho que eu.
Ainda assim, seria criança quando os factos se deram. A guerra civil de Espanha
acabou em 1939. O episódio de terror que me foi contado terá ocorrido antes do
final da guerra.
Os espanhóis fugidos eram homens, na sua
maioria, mas traziam com eles algumas mulheres e crianças. Consta que o doutor
Caldeira, uma das pessoas mais importantes da terra e o representante local da
salazarista União Nacional, alertou os franquistas de Ciudad Rodrigo, que os
vieram buscar. Quase ninguém na terra terá dado conta dos gritos de pavor e de
angústia soltados pelos infelizes espanhóis quando se viram cercados.
O olival em causa ainda existe e dista poucas
centenas de metros da rua principal da povoação. É quase impossível que os
brados e os pedidos de ajuda dos republicanos não tenham sido escutados.
Naqueles tempos revoltos, as pessoas tinham até medo de ouvir. Muitas
consciências terão considerado aceitável ignorar o mal.
Como poderiam ter ajudado? É provável que ambas
as partes tivessem partidários na terra. Não se pediria aos camponeses de
Almendra que enfrentassem os veteranos franquistas armados. Não teriam, aliás,
necessidade de o fazer. Provavelmente, bastaria que os da terra se mostrassem,
para que os estrangeiros largassem as presas e batessem em retirada. Teriam os
almendrenses medo ao doutor Caldeira?
Seria o caso de alguns. De um modo geral, o
povo português olhou sempre com reserva e alguma hostilidade os representantes
do poder. Pouco recebiam dos governos. Pagavam os impostos a contragosto e
cumpriam a servidão militar quando não lhe podiam escapar.
Conto 78 anos e nasci em Almendra. Soube há
algum tempo desse acontecimento. Quantos casos semelhantes terão ocorrido ao
longo da raia de Espanha?
O nosso país foi olhado como um santuário pelas
partes em luta.
Há histórias que ninguém gosta de lembrar. O
medo habitava ambos os lados da fronteira.
Os pactos de silêncio calavam as almas e as bocas em troca da segurança
das vidas.
O Doutor Luna Caldeira tem em Almendra um largo
com o seu nome. Será que merece a distinção?