A BOMBA DE MONSANTO
Entre
o verão de 1975 e a primavera de 1977, Portugal foi sacudido por cerca de seis
centenas de atentados terroristas. Às ordens de António de Spínola, operacionais do chamado
Movimento Democrático de Libertação de Portugal atacaram sedes do PCP e fizeram
rebentar automóveis e residências de personalidades conotadas com a esquerda
política.
O
episódio que relato aconteceu em 1975, julgo que a 26 de setembro e
relaciona-se com as histórias do Ângelo de Trancoso que o meu amigo Moreirão me
ia relatando aos poucos.
Poderei
faltar à verdade aqui e ali porque a minha memória já não é o que era e o meu
amigo já não está entre nós para me esclarecer.
Chamemos
Orlando ao homem que levou Spínola a salto para Espanha, quando a sua tentativa
de tomar o poder correu mal. Talvez se chamasse mesmo assim. Segundo o meu
amigo, trabalhava nas bibliotecas móveis da Gulbenkian nos meses quentes e
chorou quando foi despedido. No começo do ano letivo foi para a Guarda para
fazer o sexto ano do liceu e hospedou-se em casa de um agente da PIDE que
acabaria por influenciar decisivamente as suas escolhas políticas. Quando
voltava a Trancoso, dizia ao Moreirão, do meio da rua:
−
O senhor qualquer dia também vai!
Suspeitaria
que o Moreirão teria alguma coisa a ver com o seu despedimento. Depois, o meu
amigo estava conotado com a esquerda desde os tempos de Coimbra. Curiosamente,
era vizinho do Ângelo e conversava com ele com alguma frequência.
Contou-me
que, quando se instalou em Trancoso, pediu emprestada ao Ângelo uma pistola
para defesa pessoal. Meses depois, devolveu-lha. O Ângelo foi buscá-la a casa
dele. Contou o meu amigo.
−
Eu sabia que ele pensava. Se eu devolvia a arma, era porque adquirira outra.
Imaginei que poderia estar a pensar onde a teria escondido. Nem seria preciso
procurar longe. Estava debaixo do sofá onde ele estava sentado.
O
Orlando era um excelente condutor. Ele e os seus amigos entretinham-se a rebentar
à bomba sedes do Partido Comunista.
Segundo
o meu amigo, chegou a trabalhar em Lisboa numa casa de câmbios.
No
dia em que estava planeado o rebentamento da bomba na antena de Monsanto da RTP,
o Orlando e dois correligionários seus foram recolhidos a 4 quilómetros de
Aguiar da Beira. Dirigiam-se todos para Lisboa.
Os
tempos corriam confusos e os comunistas não se ficavam. Andavam de olho neles e
seguiram-nos de automóvel. Com as voltas que deram para se escapar, perderam
bastante tempo.
Tratava-se
duma bomba relógio e fora programada com antecedência. Os bombistas não chegaram a Monsanto.
A bomba rebentou em plena estrada e ficaram feitos em pedaços.
O
pai do de Trancoso deve ter recebido uma arroba de notas (foi a expressão do
meu amigo) pois, daí em diante, passou a fazer vida larga, sem que se lhe
conhecessem meios para isso.
Ainda
segundo o meu amigo, as reuniões do ELP em Trancoso decorriam na casa da Guarda
Florestal, onde funciona hoje a GNR. O tipo que estava à frente da Guarda
Florestal era amigo do Ângelo. Apagavam as luzes exteriores e ninguém dava por
nada.