DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011


                               TURISMO RELIGIOSO


Participei, há anos, na organização de um congresso internacional em Lisboa. O homem forte da logística parecia conhecer bem o seu ofício. Não lhe fixei o nome, mas recordo um dos conselhos que nos deu:
Evitem os meses de Maio e Outubro! Os nossos hotéis enchem-se por causa de Fátima. Vem gente de todo o mundo. Há peregrinos de África e de vários países da Europa e da América do Sul. Chegam a vir famílias das Filipinas e do Japão.
Compreendi então a importância que o turismo religioso tem para a economia do nosso País e passei a admirar mais os nossos vizinhos galegos com quem, nesse tempo, partilhávamos a língua e o território. Inventaram essa indústria há mais de um milénio. 
Já na Idade Média, Compostela se tornara num dos locais de peregrinação mais importantes para os cristãos, a par com Roma e Jerusalém. A catedral de Santiago constitui, há muito, um dos pilares do cristianismo.
Jacob deu Iacobus em latim, Jacques em francês e James em inglês. Entre nós, a palavra aglutinou o “T” do Santo e ficou Tiago. Mais tarde, James veio da Inglaterra por mar e resultou em Jaime.
Há quem acredite que Santiago Maior (“Maior” é para o distinguir de outro discípulo de Jesus com o mesmo nome) pregou a doutrina cristã na província romana de Hispânia. O sucesso da evangelização terá sido limitado e Jacob regressou à Judeia, ode foi martirizado. O seu corpo foi encerrado numa arca de pedra que terá sido lançada ao mar no porto de Jaffa, perto de Jerusalém. O sopro dos anjos fez-se vento (seguramente Levante de início e brisa de sudoeste depois) e a arca atravessou o Mediterrâneo e passou ao largo da costa portuguesa para desembarcar em Padrón, na Galiza. Em 814, um eremita chamado Pelaio obedeceu a um sonho. Procurou e descobriu um túmulo contendo relíquias. Não sabemos que relíquias eram, mas foram logo associadas à lenda do santo que viera a Espanha dar testemunho de Cristo. Sobre essa tumba foi erguida a catedral de Compostela.
Existe outra lenda menos ecuménica. Durante a batalha de Clavijo, Santiago apareceu no céu, a cavalo e de espada na mão, assegurando a vitória do rei cristão Ramiro contra um exército muçulmano. O santo passou a ser conhecido por Mata-mouros.
O culto generalizou-se a boa parte da Europa. Os caminhos de Santiago desdobraram-se por Espanha, França e Portugal e garantiram até lugar no firmamento. Tratava-se de um conjunto importante de rotas de peregrinação, convenientemente dotadas de albergues dedicados ao santo. O caminho francês começa em Roncesvalles (desfiladeiro celebrizado pela Canção de Rolando) ou em Saint Jean Pied de Port. Aí vinham ter peregrinos provenientes de França, dos Países Baixos, dos estados alemães e da Áustria. Havia quem percorresse mil quilómetros a pé para rezar junto ao túmulo do santo.
Santiago ajudou a encher os cofres dos hospedeiros galegos e não só. Pouco importava a quem recebia que Jacob tivesse posto ou não alguma vez os seus santos pés em terra galega. 


Nota: O texto agora apresentado integra o livro que comecei a preparar e que se irá chamar "Fátima"

terça-feira, 27 de setembro de 2011


                                                  

                            OS FADOS DA MINHA VIDA

O meu percurso foi pouco influenciado por canções e menos pelos fados. Fados da minha vida foram aqueles que escutei repetidas vezes com agrado. Ao lembrá-los, confundo-os com as pessoas que os cantaram. Eram todos intérpretes de uma só canção.
O Manuel da Justina cantava “ O Embuçado”, a bordo do Gil Eannes. Era da Nazaré e trabalhou comigo durante duas campanhas. Eu era médico e ele auxiliar da enfermaria. No verão de 1970 aportámos a North Sidney, na costa canadiana e organizámos uma partida de futebol. Eu estava, inocentemente, à espera de que o meu estatuto de médico continuasse a ser respeitado em campo. Enganei-me. No calor do jogo, na primeira jogada em que nos defrontámos, meio sem querer, o Manuel deu-me uma vigorosa estalada na cara. Fiquei a perceber o espírito da partida. Eu vinha, cheio de força, do curso de oficiais milicianos. Mais ninguém passou pela minha ala, na direita da defesa. A bola ia, mas o adversário ficava. Felizmente, o árbitro era permissivo. Talvez nem tivesse no bolso os cartões coloridos.
A Helena Nazaré – o nome denuncia a origem na terra do Manuel – era uma enfermeira instrumentista de mão cheia, daquelas que muito antes da generalização das licenciaturas em enfermagem contribuíram para elevar o prestígio do nosso Serviço Nacional de Saúde. Cantava a “Maria Madalena”. Nunca me fartei de a ouvir.
O meu cunhado Vasco, no fim dos jantares de família fazia-se rogado mas lá acedia a cantar o “Santas no fado”. O Vasco nunca foi um homem igual aos outros. No verão de 1975 aterrou em Lisboa com o casaco atafulhado de notas do Banco de Angola. O dinheiro não era dele e não lhe aqueceu as mãos. Esperou que o escritório da representação do Caminho de Ferro de Benguela abrisse, para prestar contas. As coisas, em Angola, estavam quentes e um dos Movimentos pretendera confiscar o dinheiro que ele devia entregar, como pagador, aos empregados da Companhia, em cada estação. Escapou-se como pode para dar o seu ao seu dono. Uma semana depois, voltou para Angola.
O Vasco continua esperto e a cantar bem, embora diga que já não tem voz. Como “O Embuçado “ e o  “Maria Madalena” são bem conhecidos, deixo aqui a letra do “Santas no Fado”. Registo-a de memória e peço desculpa por qualquer inexactidão. Quem quiser saber a música, que vá procurá-la à S. P. A. Devem ter lá o registo. A letra é mais ou menos assim:

                            Santas no fado, dizia
Mentirolas, fantasia,
Roupa suja que se arruma.

Pode haver mexeriqueiras,
Intriguistas, regateiras,
Mas santas não há nenhuma.

O fado segue a carreira
Da mais alta majestade
Sem santinhos nem sacristas
Ou então, doutra maneira,
Vou fundar a irmandade
Da Senhora dos Fadistas.

Não podemos concordar
Com tais coisas no fadinho.
Portanto, doa a quem doa,
Nem a guitarra é altar
E o povo, por ser anjinho,
Tem asas, mas nunca voa.


sexta-feira, 23 de setembro de 2011


MOTA YEKENHA 
UM ESCRITOR ANGOLANO DESAPARECIDO


Não são ainda muitos os escritores negros dos países lusófonos. Vou falar de um que sumiu e não voltou a dar sinais de vida.
Publiquei o meu primeiro livro na Europress, em 2002. O proprietário da empresa, Bento Vintém, ofereceu-me um exemplar de um romance chamado Kambonha que editara dez anos antes.
O autor não chegou a ver o seu livro nas montras das livrarias. Terá desaparecido no conflito armado que incendiou Angola em 1993.
Mota Yekenha nasceu em 1962 no Huambo e aí viveu a infância e a juventude. Frequentou a escola da missão católica local e mais tarde cursou filosofia e teologia no Seminário Maior do Huambo. Julgo que se fez padre.
A escrita não é perfeita – trata-se de uma primeira obra − mas o talento do narrador é inegável. 
O romance desenrola-se em Luanda, nos anos que se seguiram à independência. Mota Yekenha descreve, com graça e conhecimento, os imaginosos esquemas utilizados pelos luandenses para sobreviver. O livro está repleto de críticas duras aos dirigentes angolanos e ao M.P.L.A. O autor troca os nomes todos. Não procurará proteger-se, pois são fáceis de identificar. Angola é Kambongo, Luanda é Dikungu, José Eduardo dos Santos é Oman-Kabamba Ndambi e Jonas Sabimbi é Nikila-Ya-Luimbi. O MPLA é o PAIK  e a UERC é a URSS.
Lida hoje, a dedicatória parece uma premonição :

Ao José Maria Cigarro; disse a verdade e desapareceu
Ao R.C.W.; foi de boa fé até ao fim,
Ao Prata, Irmão Sofredor; inspirou muito.


Deixo aqui umas linhas da prosa de Mota Yekenha. 

Quando a minha mãe, Kandundu, veio para aqui viver com o seu Kanjembe, moravam no rabo de um velho caça-bombardeiro, nas imediações do Bairro Militar. A minha mãe trazia consigo, à volta da bunda e nos seios, algumas notas. Poucas! O grosso vinha na mochila do marido. Chegados cá, após duas semanas de buracos abertos pelo tempo e pelas lagartas da guerra nas estradas, saltos incríveis, njilenjile (enjoo) por cima de um velho camião , emboscadas, horas de cerco e fogo e mais outras peripécias, tiveram sérias complicações para fixar residência cá, em Dikungu. Logo no controlo da entrada da cidade, foram envolvidos em sérias dificuldades. Os cuembas e cahingas deram com o maço de notas na mochila. Nessa altura, dizem que a vistoria era uma mania geral, mais aguda do que hoje. De dez em dez metros, na cidade, em cada vinte quilómetros, nas estradas, nos aeroportos, portos, estádios desportivos, salões de espetáculos, em casa, nas escolas, fábricas, parques infantis, chafarizes, lojas, escritórios, havia sempre alguém a pedir documentos pessoais, a dizer “guia de marcha”, “situação militar regularizada”, “cartão de residência”, “talões das quotas para as organizações partidárias”, “fatura…”, “guia de circulação”, “caderneta de cheques”, etc. E os gajos complicavam até duvidar do Bilhete de Identidade das pessoas, apoderavam-se, às vezes, de artigos alheios, dinheiro, rasgavam documentos dificílimos de serem novamente tratados e detinham cambas (camaradas) muito arbitrariamente. Num percurso de duzentos quilómetros, pelas vias terrestres cheias de crateras, as guias caducavam, sujavam-se, rasgavam-se!

Outro pequeno texto:

O kambonguês sentia orgulho nacional por dormir sobre o subsolo mais rico do mundo, pisar com os pés descalços pérolas e lençóis de petróleo, fazer de lenha a madeira mais cara do continente.

Os africanos gostam de provérbios. Na segunda página do livro, Mota Yekenha regista um provérbio angolano e a sua tradução para português.

“Kingungu-a-njila nagamudile ni kukwtu;
Kukwetu wadifila, eme nagadikumbulika;
Eye wixi Kingungu-a-njila xitu yambote?!”

− Peru bravo comi eu e meu avô;
Meu avô foi levado à morte, eu à mutilação:
Ainda me dizes tratar-se de boa carne?!”

Trata-se de um excelente primeiro livro. Não houve segundo. Mota Yekenha desapareceu. Perdeu a literatura angolana e perdemos nós.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011


                                 


                  ABRIL

                      I

  No arrastar da noite permitida
  pranteámos o desencanto

  e no tear difícil das vontades
  invocámos o dia depois.

  Quando a navalha de luz disse manhã
  no ventre escuro da terra antiga e amarga,

  ofuscou-nos e quase nos cegou
  aquele alvorecer desencoberto.



                  ABRIL

                      II

  Lisboa decretou a primavera
  e riu-se, desdentada.
  Era a festa.

  Soltas da gaiola da cidade
  as casas,
  de asas mouras,
  pestanejaram nos céus

  e foram as gaivotas assombradas
  chamar de volta os marinheiros velhos:

  Ao Tejo! Ao Tejo! E à terra morna
  de vinho e azeitonas.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011



 BILHETES 
 De AGOSTINHO DA SILVA 

                                             Publicado no jornal África em Agosto de 1990.

Desta vez, George Agostinho da Silva homenageia personalidades ligadas a Setúbal e distanciadas no tempo. Junta neste "bilhete" o arquiteto Keil do Amaral, o geógrafo e filósofo Orlando Ribeiro, o poeta e pedagogo Sebastião da Gama, o livreiro e poeta Raposo Nunes e o poeta e eremita Frei Agostinho da Cruz.


A Arrábida espera. Deixemos por agora de considerar e falar do esporão de Palmela, pois dele tem ido tomando conta Santiago, seu Senhor e Dono, e, como tem de ser, seu inspirador de futuro. Partiremos das arribas de Setúbal e veremos, como apoio e empurrão de largada, a um tempo, o Grupo que Raposo Nunes tem congregado em sua Arca do Setubalense, e, como mais perto e excelente incitamento à empresa, o livro de Poemas que publicará em breve sob o título de Bulbul, ou seja, o rouxinol de Oriente, em que, num perfeito domínio da linguagem e de toda a musicalidade exterior do verso, lhe dá equilibrado vertebrar a musicalidade interna de ver todo o passado como projeto de futuro, de se tomar saudade como o valente desejo e a premonição de que virá tempo em que olharemos a Serra como o triângulo para além da terra e à terra vinculado de que são extremos Europa, Ásia e África e em que nos ajoelharemos perante o Brasil, criação máxima dos Portugueses e modelo que se mostrará de todo o mundo a vir, de um mundo novo nem avaro nem triste; não esqueceremos o patrono geral, místico dos céus sem que ao mundo esqueça, Frei Agostinho da Cruz, com sua cela de monte e sua gineta de companhia, nem esquecerei eu o trabalho de Orlando Ribeiro, o primeiro que, com sua implícita metafísica, pôs mais ordem no que se pensaria caos do que jamais fará o moderno progresso dos fractais, em que matemática irá a domínios de que estava esquecida, mas que felizmente nunca avançará bastante para que da vida desapareça o que a faz de interesse, isto é, o inesperado da suprema e verdadeira criatividade; não esqueceu o Autor, sempre na melhor inspiração, olhar em Sebastião da Gama o sentido das viagens que se julgam impossíveis e o sacrifício na batalha que todos têm julgado desastrosa, mas que travou os Turcos, firmou economia do Brasil e amparou em provações gente de um e outro lado do Atlântico; à Senhora do Cabo chegaremos e aí estará a recordação do génio analítico de Keil do Amaral ante o genético génio do Povo. Por agora, ficaremos em Setúbal, para que todos possamos discutir e entender neste Império, de que tem de ser Alferes Raposo Nunes, o canto do bulbul, agora a ave mesmo. O faremos pensando no Castelo que homenageou o rei Filipe e faremos que desta vez perceba ele como é o Entre-Sado-e-Tejo a verdadeira capital do que pelo mundo tenha sido semeadura ibérica. Não nos faltará a nenhum de nós audácia e reflexão; sabemos que a loucura só vale quando não falta o juízo. A tudo vamos, connosco venham.


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

MÁSCARAS II




A crença no poder das máscaras prevalece, nos nossos dias, em comunidades animistas que consideram que os espíritos habitam a água e as plantas. Para esses povos, a morte é parcial. Ao morrer, passa-se para uma forma de vida mais diluída, sem deixar de se interferir nos assuntos dos viventes, quer favorecendo-os, quer atravessando-lhes obstáculos no caminho.


As máscaras facilitam o intercâmbio entre o mundo de cá e o Além. Ao serem colocadas para a dança, dão aos espíritos a visibilidade que lhes falta. Por outro lado, emprestam aos homens algumas qualidades simbólicas dos animais nelas esculpidos: a visão da águia, a rapidez do leopardo e o poder do elefante e do leão.


A imaginação dos artistas africanos parece inesgotável. As suas obras vão da representação realista de pessoas e animais até graus elevados de abstração.


Diversos artistas europeus do fim do século XIX e do começo do século XX foram buscar aos modelos africanos inspiração para dar corpo a novas correntes de pintura.



Os modelos de máscaras são transmitidos em cada tribo de uma geração para outra, sem coartarem a liberdade criadora dos artistas. A estética evolui e a tradição enriquece.



Há fatos que obrigam a repensar a questão da autenticidade. Os artesãos tribais talhavam máscaras e estatuetas com intenções específicas. Destinavam-se a cumprir funções magico sociais. Supunha-se que se estabelecia uma relação espiritual entre o artista e o produto da sua arte. 
O tempo muda tudo. O contacto com os europeus fez nascer o mercado do artesanato e os objectos mágicos tradicionais passaram a ter funções decorativas. 
Em Angola, milhões de pessoas abandonaram os quimbos e mudaram-se para a periferia das grandes cidades. Julgo que os grupos que procuram preservar as tradições nos musseques vão comprar os artigos de culto aos mesmos locais onde os adquirem os turistas.  Qual será então, nos dias de hoje, a diferença entre uma estatueta sagrada e outra semelhante que vai enfeitar uma estante ou uma parede?
Julgo que reside apenas na intenção de quem o utiliza. O significado é-lhe dado pelo uso. É mágico enquanto serve finalidades mágicas. Torna-se profano nas mãos de gente sem fé.


3º ANIVERSÁRIO


O de cá e de lá festeja hoje o terceiro aniversário. É um blogue unipessoal. Passou dos 100 artigos e foi visitado mais de 6.700 vezes. O ritmo das publicações foi irregular, alternando períodos de actividade com intervalos relativamente longos, em regra coincidentes com uma dedicação maior à escrita de ficção. Neste período de tempo, escrevi seis livros, três dos quais já foram publicados.
O Histórias da Medicina (historinhasdamedicina no Google) é cinco meses mais novo e vai atingir dentro de poucas semanas a meia centena de publicações. Sendo um blogue temático, dirige-se a um público mais restrito, embora não necessariamente médico. Conta histórias de médicos e de doentes. No conjunto, os meus dois blogues ultrapassaram as 10.500 visitas. Não disponho de termos de comparação, mas parecem-me números satisfatórios. O que não me satisfaz é a raridade dos comentários.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

MÁSCARAS




                         NOTA PRÉVIA

O decaedela publica hoje o centésimo artigo e passa a adotar o acordo ortográfico.
Vou recebendo correio eletrónico a criticá-lo, mas sou a favor. Escrevi, em tempos, neste blogue, um parágrafo mais ou menos assim: fundámos a sociedade mas, atualmente, detemos apenas 5 ou 6 por cento das ações; poderemos continuar a dirigi-la? 
Sei que as línguas são vivas e divergem. Acredito, ainda assim, na bondade de um instrumento regularizador. E, ao contrário do que tenho lido e ouvido, este acordo nem me parece mau.


                            MÁSCARAS



                                                                   África

Quase todos os homens representam. Há muitos que usam duas máscaras e alguns nem ao espelho se desvendam.

Coleciono máscaras ou, pelo menos, vou-as juntando.


                                                                  México

Julgo que a sua produção é tão velha como as primeiras sociedades humanas. Continuam a ser usadas em vários recantos da Europa, nomeadamente em Portugal. Feitas de materiais perecíveis como fibras vegetais ou madeira, resistem mal ao tempo. Apenas as mais recentes chegam até nós.


                                                       Honduras
                                    
Não sendo igual a evolução dos vários agrupamentos humanos, sou tentado a aceitar que todas passaram por fases mais ou menos semelhantes. Essa parte da História apagou-se, provavelmente para sempre.


                                                                  Brasil

A África é uma janela aberta para o passado dos homens. Será por isso que me deslumbra e seduz. Para mais cresci lá, ainda que num ambiente europeu transplantado. A grande maioria das minhas máscaras é africana.

                                                                   Tailândia


A exceção mais importante reside no México, onde adquiri vários exemplares. Comprei-os em Oaxaca, uma cidade de meio milhão de habitantes situada algumas centenas de quilómetros ao norte de Chiappas. Não são produzidas ali: vêm de Santa Cruz, uma cidade litoral distante dos roteiros turísticos. A influência dos índios é clara.
                                                    Marrocos

Entre os negros de África, as máscaras acompanham cada passo da vida social. Fazem de juízes, guardiões dos costumes e pedagogos. Abrem aos jovens as portas da comunidade, nas cerimónias de iniciação. Continuam a ser levadas a sério, nos dias de hoje, por muitos africanos, sobretudo no sul, onde mal chegou a iconoclastia muçulmana. Dão morada aos espíritos. Quem as usa, por um tempo, deixa de ser quem é. Um homem esbate-se na dança e deixa-se possuir pelas almas dos antepassados.


                                                           Veneza

Cada máscara tem uma história e um significado. Se os dados não são colhidos na altura da aquisição, perdem-se para sempre. É possível localizar a origem e até a função de algumas, estabelecendo paralelos com exemplares publicados em livros e revistas. É o que eu tento fazer, com sucesso limitado. Estou a exibir no decaedela algum do meu artesanato africano. Tanto quanto sei, trata-se de cópias. Poucos exemplares terão sido “dançados”.


                                                              Portugal