DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 31 de janeiro de 2010

UM POUCO DE HISTÓRIA DA PESCA DO BACALHAU

I - A EXPANSÃO


A nau de um deles tinha-se perdido
no mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
de, na fé e na lei
da descoberta, ir em procura
do irmão no mar sem fim e a névoa escura.

Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
volveu do fim profundo
do mar ignoto à pátria por quem dera
o enigma que fizera.

Então o terceiro a El-Rei rogou
licença de os buscar, e El-Rei negou.

Carta de doação de D. Manuel I
a Gaspar Corte Real, em 1500


Pormenor do planisfério anónimo português dito de "Cantino", de 1502

O “terceiro” era Vasqueanes Corte Real. D. Manuel I não permitiu que fosse em busca dos irmãos e chamou a si essa responsabilidade.
A importância crescente da pesca do bacalhau levou o rei, em 1506, a reservar para si o dízimo dos proventos da pesca da Terra Nova nos portos de Aveiro e Viana do Castelo.
Gaspar Corte Real descobriu a Terra Nova por volta do ano 1500. Que significa “descobrir”? Estas paragens foram provavelmente visitadas, séculos antes, por vikings e por pescadores islandeses. Uma ilha, ou a costa de um continente, só pode considera-se descoberta quando quem lá chegar saiba como voltar, e o transmita. Em termos práticos, tal acontece quando é assinalada num mapa e se conhece a latitude, o rumo a seguir e uma estimativa da longitude, uma vez que esta coordenada só ganhou precisão muito tempo mais tarde.
A primeira evidência dessa descoberta é o planisfério “Cantino”. Assinale-se que, nas primeiras cartas, a posição da Terra Nova foi convenientemente deslocada para Leste, de forma a caber na parte do mundo que o Tratado de Tordesilhas reservara aos portugueses.
Não se pode falar dos mares que banham as costas do Canadá sem referir os nomes de Giovanni Cabotto, cujo nome foi anglicizado para John Cabot, e de João Fernandes Lavrador. Ambos partiram do porto de Bristol e navegaram ao serviço de rei Henrique VII de Inglaterra, embora Lavrador tivesse obtido antes do rei D. Manuel autorização para explorar ilhas e terra firme. As viagens do português que deixou o nome ligado à costa do Labrador, terão sido efectuadas após Cabotto desaparecer no mar, em 1498.
A importância do pescado na alimentação fazia-se sentir desde há muito e aumentou com o crescimento demográfico que ocorreu durante o século XV. Não abundavam, na Europa, as fontes de proteínas. Ainda por cima, a igreja católica proibia o consumo de carne nos dias de abstinência, que eram quase 150 por ano.
Os ingleses pescavam bacalhau nos mares da Islândia. Secavam-no a bordo, consumiam-no e comercializavam-no. Portugal tinha bom sal que exportava para a Europa. O intercâmbio com os pescadores ingleses terá começado desse modo. Bascos, portugueses e bretões habituaram-se também a pescar naquelas águas.
A situação geo-estratégica modificou-se. As lutas pelo domínio das áreas geográficas onde existem recursos importantes são tão velhas como as Nações. As áreas de pesca não escaparam aos conflitos. Em 1478, as autoridades dinamarquesas encerraram aos estrangeiros os pesqueiros da Islândia, que então controlavam.
Os pescadores tiveram de procurar outras zonas de pesca. Os portugueses deram com a “terra nova dos baccalhaos”. Dizia-se que havia tanto peixe nos seus bancos que os cardumes chegavam a impedir o avanço dos barcos.
A notícia da abundância de pescado propagou-se e a Terra Nova passou a ser procurada por pescadores de várias nacionalidades. Os portugueses foram os primeiros a instalar colónias fixas na Terra Nova e no Labrador a partir de 1506. O mapa de Cantino de 1502 assinala com nomes portugueses diversos pontos da costa.
As nações europeias foram dando conta da necessidade de povoar as terras recentemente descobertas. A pressão do crescimento demográfico fez--se sentir. Ingleses, franceses e bascos foram tomando posições na região. De início, instalaram-se em torno do estreito de Belle Isle.
A pesca era fonte considerável de riqueza. Companhias bascas e portuguesas exportavam, para a Inglaterra e Irlanda, bacalhau e sal de Setúbal.
Cerca de 1530, um grupo de portugueses partiu de Viana do Castelo em direcção à Terra Nova. Pretendia-se reforçar a colónia que controlava boa parte do litoral da região. O financiamento era feito por comerciantes de Aveiro e da Ilha Terceira. A colónia manteve-se, pelo menos, até 1579, como demonstra a nomeação de um descendente dos Corte Real para a Capitania da Terra Nova. A ocupação era essencialmente sazonal.
Nos primeiros anos do século XVI saíam anualmente, só de Aveiro, 60 navios pesqueiros com destino à Terra Nova. Em 1550, o seu número rondava os 150. Os bacalhoeiros tinham pequena tonelagem. Cada um era tripulado por 20 a 30 homens. A campanha ocupava a Primavera e o Verão. No resto do ano, os barcos eram rentabilizados na navegação de cabotagem.

Referências:
Canas, António José Duarte.
Guerreiro, Inácio.
Matos, Luís Jorge Semedo de.
Salgado, A. Alves.
Varela, Consuelo. (traduzida do espanhol por Eduarda Pinto Basto).
Todos em: Revista Oceanos, nº 45, Janeiro/Março 2001.

Gravuras e fotografias: idem.

Também publicado em Milhafre.











O autor nos Mares da Terra Nova, em 1970

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

POETAS DE QUEM EU GOSTO

RAINER MARIA RILKE

Conheci Rilke muito tarde. Ultrapassara já o promontório dos cinquenta quando a minha amiga Júlia me emprestou um volume de versos que guardava desde os tempos do Curso de Germânicas, em Coimbra. A tradução era de Paulo Quintela.
Espantei-me com a minha própria ignorância. Embora me tivesse entregado à Medicina “em tempo completo prolongado” (quem é que terá inventado esta pérola da linguagem?) nunca deixei de me interessar pela Literatura. Espantei-me e maravilhei-me. Passado o espanto, chegaram as interrogações. Quantas vozes tão altas eu desconheceria?
Bem, havia umas tantas. Com o tempo, fui preenchendo algumas lacunas. Aprendi alguma coisa com a minha filha mais nova. Hão-de restar algumas, o que não me preocupa. Estamos sempre a aprender.




Rainer Maria Rilke foi um dos maiores poetas de língua alemã do século XX. Nasceu em Praga, em 1875. Estudou Literatura, Filosofia e História da Arte nas Universidades de Praga e Munique, mas raramente trabalhou. Viveu quase sempre à custa das amigas. Viajou pela Rússia e habitou em Paris, Munique, Duíno (um castelo junto ao mar Adriático, na região de Trieste, na Itália), antes de se mudar para a Suíça, onde viria a morrer em 1926. Em Paris, foi, durante dois anos, secretário do escultor Auguste Rodin que o terá ensinado a olhar o mundo de forma objectiva e influenciou decisivamente a sua obra. Grato à terra que o acolheu, escreveu poesias em francês.
As Elegias de Duíno são consideradas a obra maior de Rainer Maria Rilke. Foram publicadas em 1922, um ano extraordinário na literatura moderna. No mesmo ano vieram a público Waste Land de T.S. Eliot, Charmes de Paul Valéry e Ulysses de James Joyce.
“Não há um Aquém nem um Além, mas sim a grande Unidade, na qual estão à vontade os Anjos, seres que nos superam”.
Os Anjos das Elegias não são os da mitologia cristã. Seres puros e terríveis, dominam o visível e o invisível e distinguem mal a vida da morte.
Deixo aqui o começo da primeira Elegia.






Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias

dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse

para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua

natureza mais potente. Pois o belo apenas é

o começo do terrível, que só a custo podemos suportar,

e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha

destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.

Por isso me contenho e engulo o apelo

deste soluço obscuro. Ai de nós, mas quem nos poderia

valer? Nem Anjos, nem homens,

e os argutos animais sabem já

que nós no mundo interpretado não estamos

confiantes nem à vontade. Resta-nos talvez

uma árvore na encosta que possamos rever

diariamente, resta-nos a rua de ontem

e a fidelidade continuada de um hábito,

que a nós se afeiçoou e em nós permaneceu.


















A tradução é de Maria Teresa Furtado

MAR DO NORTE



Quando vier Abril
intumescer de novo o leme eterno
hei-de buscar o Norte,

reencontrar a máscara polar
onde a palavra do mar
se expressa
dura e branca.

Quando vier Abril,
o sorriso da terra,
e a barca estiver cheia
(presunto, azeite e vinho)
hei-de rumar a Norte!

Que mais posso fazer, se a Primavera urge?

Impossível olhar
a barca abandonada.
Fotografias do autor

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

POR QUE SOU A FAVOR DO ACORDO ORTOGRÁFICO


1º - Porque não somos donos da língua portuguesa. Existem cerca de 225 milhões de lusófonos e nós, em Portugal, somos apenas 10 milhões.
Fundámos a sociedade, mas detemos só 5 por cento das acções. Queremos mandar em quem?
Esse notável instrumento de comunicação representa, a par das Descobertas, um dos nossos maiores legados para a cultura universal. Criámo-la, mas constituímos uma minoria das pessoas que a falam. Ela é já muito maior do que nós. Fernando Pessoa, cidadão da palavra, compreendeu isto quando afirmou, há um século: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”.

2º - Porque considero necessário e útil um instrumento regulador.
As línguas são vivas e tendem a diversificar-se em cada dia que passa. Basta pensarmos no crioulo de Cabo Verde e lembrar os escritos de Mia Couto.
As pressões de outros países sobre os PALOPs não vão deixar de crescer e hão-de ter também repercussão linguística.
Dentro em breve, com acordo ou sem ele, os livros escolares dos PALOPs serão feitos no Brasil, onde os custos de produção são mais reduzidos. As telenovelas brasileiras constituem um instrumento poderoso de divulgação da língua. Não somos suficientemente competitivos nessa área.
Quer nos agrade, quer não, se a língua portuguesa perdurar no mundo, será na versão brasileira.

3º - Porque considero melhor existir um mau acordo do que não haver nenhum e deixar a língua à solta, sem nenhum mecanismo que tente, ao menos, regulá-la. São necessárias directrizes que exerçam um papel de contenção e de estruturação nas variantes que estão a nascer espontâneamente, um pouco por toda a parte.
E, tanto quanto sei, o acordo nem é assim tão mau. Não sou linguista e mal me atrevo a meter a foice nesta seara mas, a meu ver, boa parte das alterações propostas vem apenas apressar uma evolução que iria ter naturalmente o mesmo resultado, anos mais tarde. Para que servem as consoantes mudas ou não articuladas?
E não lhe chamem novo! Tem 19 anos, embora tenha sido recentemente ratificado por Portugal. Provavelmente, está ultrapassado. Nos “SMS” dos telemóveis, o K está a fazer ao QU, quando o U não se pronuncia, o mesmo que o F fez ao PH, tempos atrás. Mais tarde ou mais cedo, este fenómeno terá repercussão na escrita formal.

Há questões que ultrapassam os acordos. Em primeiro lugar: quem irá cumpri-lo?
Eu, não! Tenho 66 anos e não vou mudar agora. Sou incoerente? Nem tanto. A mudança deve começar nos bancos da Escola Primária. Será opcional nas Universidades da Terceira Idade… A transição poderá ser fácil se a nova grafia conquistar o seu espaço no Windows.
E os brasileiros? Sabem que são os mais fortes nesta área e que o tempo joga a favor deles. Será que o vão mesmo cumprir?
Tanto dá! Acreditem ou não, tenho poucas saudades do tempo em que farmácia e outras palavras correntes se escreviam com ph.

António Trabulo

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

POETAS DE QUEM EU GOSTO


Alguns dos Vencidos da Vida. Guerra Junqueiro, sem barba, está à direita



GUERRA JUNQUEIRO – UM POETA MENOR?


Abílio Guerra Junqueiro faz parte do grupo relativamente restrito dos poetas que conheceram a glória em vida.
Nasceu em Freixo de Espada à Cinta em 1850 e morreu em Lisboa em 1923. Entre uma data e outra, frequentou a Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra e acabou por se formar em Direito. Foi secretário dos governos civis de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo. Fez-se eleger deputado pelo monárquico Partido Progressista. Participou nas reuniões dos Vencidos da Vida. Após o Ultimatum, cortou relações com Oliveira Martins e dedicou-se à causa da República. Foi Ministro de Portugal na Suíça entre 1911 e 1914. Escreveu muitos livros de versos. Teve ainda tempo de se dedicar à lavoura nas suas terras da Barca de Alva.
Os restos mortais do poeta estão depositados no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.
Homem impulsivo, de rima fácil e de frases afiadas, poeta satírico e panfletário, ficou conhecido como profeta da República, de quem esperava a cura de todos os males que afligiam Portugal. No entanto, a sua militância política, enquanto poeta, terminou cedo, por volta de 1896, com o livro Pátria. Hoje, acodem-nos mais facilmente à memória os versos intimistas em que combina o panteísmo com uma espécie de cristianismo.
Ainda em vida de Guerra Junqueiro se levantaram contra ele as primeiras vozes críticas. António Sérgio, em 1920, chamou-lhe “grande versejador e pequeno espírito”.
Será um poeta menor? Fernando Pessoa elogiou-o. Muitos admiram nele, como Jacinto do Prado Coelho, “o modo cativante como exprime sentimentos comuns”.
Guerra Junqueiro tratou com ternura e musicalidade a língua portuguesa. As crianças entendem-no. Quantas gerações de adolescentes o terão seguido ao escrevinhar os primeiros versos?






Referências: Dicionário da Literatura, Figueirinhas, Porto, 1992.
Fotografias: várias fontes.









REGRESSO AO LAR

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu saudoso, carinhoso lar!
Foi há vinte? Há trinta? Nem eu sei já quando...
Minha velha ama que me estás fitando,
Canta-me cantigas para me eu lembrar!

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh! A ingénua alma tão desiludida!
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!

Trago d`amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias d`astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!) deixa-me deitar!
Ai, o teu menino, como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!

Canta-me cantigas, manso, muito manso...
Tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que a minh`alma durma, tenha paz, descanso,
Quanto a Morte, em breve, me vier buscar!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

POETAS DE QUEM EU GOSTO


PABLO NERUDA



Pablo Neruda é pseudónimo. Ricardo Basoalto nasceu em 1904 em Parral, no Chile. Seguiu a carreira diplomática e foi cônsul em Rangun. Conheceu, em Buenos Aires, Garcia Lorca e, em Barcelona, Rafael Alberti. Em 1953 fez construir, em Santiago do Chile, a sua casa depois chamada “La Chascona”, para se encontrar com a sua amante Matilde, a quem dedicou “Os versos do Capitão”.
Marxista e amigo de Salvatore Allende, Neruda faleceu em Santiago em 1973, de cancro da próstata, pouco depois da queda e morte de Allende. Segundo Isabel Allende, terá antes morrido de tristeza. Tinha-lhe sido atribuído, dois anos antes, o Prémio Nobel de Literatura.






OS VERSOS DO CAPITÃO

Este amor nasceu num agosto dum ano qualquer, durante as temporadas que eu fazia, como artista, pelas localidades da fronteira franco-espanhola.
Ele chegava da guerra de Espanha. Não vinha vencido. Era do partido da Pasionaria, alimentava grandes ilusões e esperanças para o seu pequeno e distante país, na América.
Nunca soube se o seu verdadeiro nome era Martínez, Ramírez ou Sánchez. Eu chamava-lhe simplesmente Capitão.
Havia em mim um passado que ele não conhecia. Tinha ciúmes e acessos de fúria incontíveis. Não era capaz de amar de outra maneira.
Escrevia versos que me faziam subir ao céu e baixar ao próprio inferno, com a crueza das suas palavras, que me queimavam como brasas.

Rosario de la Cerda


O VENTO NA ILHA

O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.


Escuta como o vento
me chama galopando

para levar-me para longe.


Com tua fronte na minha

e na minha a tua boca,

atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.


O TEU RISO

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito

brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso

com os olhos cansados
às vezes por ver

que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobre ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.



Referências:
Os versos do capitão
Campo das letras, Porto, 2001.
Tradução de Albano Martins.
Fotos: 5 e 7: do autor
Restantes: Internet

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

FUNCHAL ANTIGO



O fogo nasceu do mar. Retorceu as ondas, libertou-se e procurou o céu. O fumo cobriu as águas. Ao dissipar-se, emergira uma grande massa de rocha preta. Subia centenas de metros acima do oceano. Ali ficou.
Quem a viu primeiro foi uma gaivota.
A chuva, o vento nervoso e o impacto das ondas foram desgastando a pedra. Formou-se areia, cada vez mais fina.
Vieram mais gaivotas. Descansaram na rocha. Algumas fizeram ninho.
As suas fezes amassaram-se com grãozinhos de areia. Constituíram o primeiro solo fértil. Transportavam sementes. Germinaram. Deram flores e frutos. A ilha fez-se verde.
Muitos, muitos anos depois, apareceu ao longe uma vela. Acostou uma embarcação tripulada por homens barbudos. Demorou-se pouco tempo, mas deu notícia do achado. Outros barcos chegaram, e houve gente que escolheu viver ali. Fixaram-se “em hum valle formoso cheyo de funcho até ao mar”.



Não se conhecem documentos sobre a descoberta da Madeira. Há indicações de que os arquipélagos da Madeira e das Canárias começaram a ser visitados por marinheiros portugueses durante o século XIV. Na carta “de Medici”, desenhada por volta de 1370, já aparecem as indicações de “porto sancto”, “i. de lo legname (madeira) e “i. deserta”.
Em 1433, o rei D. Duarte cedeu o arquipélago da Madeira ao seu irmão D. Henrique. No entanto, a povoação das ilhas terá começado por volta de 1425, antes da autorização do rei. Escreve o infante D. Henrique: “comecei de povoar as minhas ilhas de Madeira haverá ora trinta e cinco anos”, na carta de doação do espiritual das ilhas da Madeira, Porto Santo e Deserta à Ordem de Cristo, datada de 1460. Dois escudeiros da casa do infante, João Gonçalves Zarco e Tristão Teixeira, “desanimados com a proliferação de coelhos que eles mesmo tinham largado na ilha de Porto Santo”, mudaram-se para a Madeira. Zarco viria a conseguir obter a maior capitania da ilha, ficando Tristão Teixeira com a região do Machico.
João Gonçalves Zarco e a sua família instalaram-se na zona do Funchal. A fertilidade dos solos e a existência de um bom porto natural facilitou o desenvolvimento da povoação e da ilha.
Em 1566, as ilhas do Arquipélago foram invadidas por uma armada francesa que partiu de Bordéus. Depois de saquearem Porto Santo, os corsários, comandados por um fidalgo da corte de Carlos IX, ancoraram na praia Formosa e desembarcaram. Os oitocentos homens armados venceram facilmente a resistência com que depararam até à fortificação do Funchal. As peças de artilharia estavam apontadas para o mar e não puderam ser reposicionadas a tempo. O forte foi tomado e, durante quinze dias, os franceses roubaram tudo o que na cidade tinha algum valor.


Casa arrombada, trancas na porta! O arquitecto militar Mateus Fernandes foi enviado, no ano seguinte, para o Funchal e a defesa da cidade foi reformulada.
No século XVII, fixaram-se no Funchal comerciantes ingleses de vinho que iriam deixar a sua marca na economia, na arquitectura e no modo de vida da cidade. Mais tarde, o clima da ilha ganhou fama de favorável à recuperação da tuberculose e foram várias as figuras da grande nobreza europeia que passaram longos períodos de tempo na Madeira. O turismo é ainda hoje a principal fonte de rendimento da Região.




Referências: Albuquerque, Luís de. Os descobrimentos portugueses. Publicações Alfa, Lisboa, 1985.
Wikipedia.
Fotografias: várias fontes.




Também publicado em MILHAFRE





sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

BOCAGE EM MACAU


Manuel Maria Barbosa du Bocage esteve em Macau de Outubro de 1789 a Março de 1790. Viera de Surrate, na Índia, e passara por Cantão.
O poeta procurava dar-se bem com os poderosos. O governador interino, Lázaro da Silva Ferreira, facultou-lhe o regresso a Lisboa. Bocage chegou a Portugal em Agosto de 1790. Agradeceu a Lázaro, com um poema, e retratou noutro o estado da Macau que conhecera:

Um governo sem mando, um bispo tal,
De freiras virtuosas um covil
Três conventos de frades, cinco mil
Nhon`s e chinas cristãos, que obram mui mal.

Uma Sé que hoje existe tal e qual,
Catorze prebendados sem ceitil
Muita pobreza, muita mulher vil,
Cem portugueses, tudo em um curral;

Seis fortes, cem soldados, um tambor,
Três freguesias, cujo ornato é pau,
Um Vigário-Geral, sem promotor,

Dois colégios, e um deles muito mau,
Um senado que a tudo é superior,
É quanto Portugal tem em Macau.

O poder de síntese de Bocage é quase insuperável: traçou nos catorze versos dum soneto a caricatura de uma cidade.
O padre Manuel Teixeira explica a sátira do poeta.
O governador não tinha poder civil: mandava apenas nos soldados e nas fortalezas. Não havia bispo desde 1780. As clarissas eram as únicas pessoas elogiadas pelo poeta. A palavra “covil” referia-se à clausura rigorosa dessas freiras. Os três conventos eram os de São Francisco, Santo Agostinho e São Domingos. Nhons (a palavra significa senhor) eram os mestiços. Os padres censuravam repetidamente a corrupção dos costumes da época.
A Sé Catedral datava de 1622 e não recebera melhoramentos. Prebenda era o direito dum eclesiástico a receber um subsídio, mas o Senado não tinha dinheiro para o pagar.
Os cristãos chinas e portugueses estavam reduzidos à indigência. Em boa parte em resultado da pobreza, havia muita “mulher vil”. Os “portugueses europeus” em 1775 eram apenas 108 e viviam todos na cidade amuralhada.
Cerca de 100 soldados distribuíam-se por seis fortes. As igrejas paroquiais eram pobres e sem valor artístico. O Vigário-Geral era o governador do Bispado. Não houve promotor de justiça do Juízo Eclesiástico nos anos de 1789 e 1790.
O Colégio muito mau era o de S. Paulo, que se encontrava degradado, tendo sido já demolidas algumas oficinas em ruínas. A finalizar, quem mandou sempre em Macau foi o Senado.
A Bocage aconteceu o mesmo que ao seu Portugal: voltou do Oriente tão pobre como partira de Lisboa. Enriqueceu apenas no conhecimento da natureza humana e alargou o espírito no contacto com outras civilizações.

Referências:
Teixeira, Manuel. Macau no século XVIII. Imprensa Nacional, Macau, 1984.

Fotografias:
A China e os Chineses, Auguste Borget. Instituto Cultural de Macau, 1990.
Macau, Daniela Carvalho Faria e Eduardo Grilo, Primeira Impresão Ldª, Macau, sem data.

Já publicado em Milhafre

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

POETAS DE QUEM EU GOSTO

FEDERICO GARCIA lORCA
Lorca nasceu em Fuente Vaqueros (Granada) em 1898. Estudou Direito em Madrid e foi amigo de Luís Buñuel e de Salvador Dali. Após a licenciatura, viveu nos Estados Unidos da América e em Cuba. De regresso a Espanha, criou o grupo de teatro La Barraca. Socialista e homossexual assumido, foi ameaçado pelos conservadores espanhóis após a rebelião de Franco. Refugiou-se em Granada, mas foi preso pouco tempo depois. Segundo um político católico da época, era mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver. No Verão de 1936 foi executado pelos nacionalistas, com um tiro na nuca. Não houve julgamento prévio. O seu corpo foi abandonado na Serra Nevada.
Hoje é considerado por muitos o maior autor espanhol desde Cervantes.
Os dois primeiros poemas que apresento datam de 1921 e o terceiro foi escrito antes de 1924. Federico tinha então vinte e poucos anos anos e ganhava balanço para a produção do assombroso Romancero Gitano que havia de publicar em 1928. A fotografia em que figuram Dali e Federico foi tirada nesse ano. Lorca é o da esquerda.
Os quadros que apresento são de Salvador Dalí (Edição TASCHEN). O pintor e o poeta foram amigos e talvez mais. Dali nega a relação: “Quando Garcia Lorca me quis possuir, recusei, horrorizado”. Aliás, Dalí afirmou sempre que ainda era virgem quando conheceu Gala, musa e mulher da sua vida, roubada ao seu amigo Paul Éluard. A candidez do mestre catalão pode muito bem ser surrealista.



SE HA PUESTO EL SOL

Se ha puesto el sol. Los árboles
meditan como estatuas.
Ya está el trigo segado.
Qué tristeza
de las norias paradas!

Um perro campesino
quiere comerse a Venus y le ladra.
Brilla sobre su campo de pre-beso,
como una grande manzana.

– Los mosquitos – pegasos del rocío –
vuelan, el aire en calma.
La Penélope imensa de la luz
teje uma noche clara.

“Hijas mias, dormid, que viene el lobo”,
las ovejitas balan.
“Ha llegado el otoño, compañeras?”,
dice una flor ajada.

Ya vendrán los pastores con sus nidos
por la sierra lejana!
Ya jugarán los niños en la puerta
de la vieja posada,
y habrá coplas de amor
que ya se saben
de memoria las casas.


HAY ALMAS QUE TIENEN...

Hay almas que tienen
azules luceros,
mañanas marchitas
entre hojas del tiempo,
y castos rincones
que guardan um viejo
rumor de nostalgias
y sueños.

Otras almas tienen
dolientes espectros
de pasiones. Frutas
con gusanos. Ecos
de una voz quemada
que viene de lejos
como una corriente
de sombra. Recuerdos
vacíos de llanto
e migajas de besos.

Mi alma está madura
hace mucho tiempo,
y se desmorona
turbia de misterio.
Piedras juveniles
roídas de ensueño
caen sobre las aguas
de mis pensamientos
Cada piedra dice:
“Dios está muy lejos!”


CAPRICHO

Detrás de cada espejo
hay una estrella muerta
y un arco iris niño
que duerme.

Detrás de cada espejo
hay una calma eterna
y un nido de silencios
que no han volado.

El espejo es la momia
del manantial, se cierra,
como la concha de luz,
por la noche.

El espejo
es la madre-rocío,
el libro que diseca
los crepúsculos, el eco hecho carne.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

POETAS DE QUEM EU GOSTO


Com Poetas de quem eu gosto pretendo partilhar as lembranças de poetas e de poemas que me encantaram. Não tenciono respeitar cronologias, nem me passa pela cabeça alinhar os mestres da palavra e do sentimento segundo qualquer ordem de valor.
Começo com um grande nome chinês. Terá sido porque escrevi há pouco um pequeno artigo sobre a China. Acho que foi o poeta que apelou discretamente a que o reencontrasse, quando eu passeava os olhos pela estante dos versos.
Bai Juyi nasceu no vigésimo dia da Primeira Lua do ano de 772 em Henan, no centro da China. Publicou (com a reserva que a palavra tinha na época) os primeiros poemas em 786. Entrou cedo nos corações chineses. Homem de Estado e do povo, erudito e popular, espanta hoje pela sua quase inacreditável modernidade. Os versos que escolhi foram escritos há mil e duzentos anos.






BAI JUYI


SUBINDO AO TERRAÇO DE LINGYING,
OLHANDO PARA NORTE

Subindo à montanha,
entendo a pequenez dos domínios do homem,
olhando na distância,
entendo o vazio das coisas terrenas.
Volto a cabeça, regresso à corte e ao mercado,
como um bago de arroz caindo no grande celeiro.

TRABALHO

Ao nascer do dia, diante de mim, um monte de papéis,
ao pôr-do-sol, diante de mim um monte de papéis.
Passaram a beleza da manhã, o esplendor da tarde,
e eu acorrentado a uma mesa de trabalho.


PENSANDO EM HAN YU

Tem-se esquecido de mim o venerando Han,
talvez por ser um conhecedor, um entendido
e não apreciar o meu vinho vulgar.
Talvez por ser um homem de talento
e sorrir diante de meus humildes poemas.
Depois, habitamos diferentes lugares,
solitários dizemos poesia, bebemos nosso vinho
ele com suas flores, eu com o meu luar,
Uma coisa em comum nos aproxima
o vento da Primavera afaga nossos cabelos brancos como seda.


O DÉCIMO QUINTO VOLUME

Comovente, belo, o meu longo poema Canto do remorso perpétuo,
um modelo de melodia as minhas Dez canções de Shanxi.
Não posso proibir o velho Yuan de roubar minhas rimas,
mas o jovem Li já aprendeu a respeitar minha poesia.

Em vida, passaram ao lado riquezas e honrarias,
mas eu sei, depois de morrer, famosos meus poemas.
Perdoem-me as palavras à toa, a gabarolice,
hoje completei o décimo quinto volume das minhas obras.




Como vemos, o grande Bai Juyi não tinha dúvidas quanto ao
valor da sua obra.

António Trabulo


Fonte: POEMAS DE BAI JUYI. Tradução de António Garcia de Abreu.
Instituto Cultural de Macau, 1991.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

CHINA ANTIGA


Da primeira vez que estive em Macau e olhei para o outro lado do mar, ainda vislumbrei o mistério naqueles montes arborizados e escuros. Era a China, mundo estranho, próximo e distante, atraente e assustador.
Aquela impressão durou pouco. As quimeras desfazem-se quando se tocam. Os mistérios não resistem à lucidez do olhar.
Hoje, pouco resta do antigo Império do Meio.







A China moderna é um País em rápida transformação. Vai ganhando, entre as Nações o espaço a que tem direito pela dimensão do seu território, pela grandeza da sua população e pela organização do trabalho dos seus habitantes. A sua economia é das mais poderosas do mundo. No conjunto das grandes potências, emerge como a potencialmente maior.




O desenvolvimento industrial e a ocidentalização progressiva dos costumes está a proporcionar-lhe o que a sua civilização milenar lhe negou. Há que saudar a libertação de todo um povo da pobreza e a dignificação de quem deu muito ao mundo, mas é difícil não experimentar nostalgia por todo um passado que se perde no nevoeiro do tempo.





As gravuras que se apresentam foram retiradas do livro A China e os Chineses, de Auguste Borget, reeditado pelo Instituto Cultural de Macau em 1990.
Evocam uma China antiga, profunda e imorredoura.




NATAL DE 1884. O NASCER DE UMA CIDADE


SÁ DA BANDEIRA (LUBANGO)









O Brasil perdera-se de vez e há muito que a economia portuguesa precisava de outros arrimos. A África constituía o último quintal de Lisboa e seria oportuno olhar a sério para o continente negro.
Portugal tinha mais olhos que barriga. Pretendia conservar um império colonial de uma vastidão desmesurada sem dispor dos meios humanos e técnicos nem das capacidades financeiras indispensáveis para enfrentar a concorrência de nações europeias mais ricas e desenvolvidas.
A Conferência de Berlim abalou profundamente as pretensões portuguesas: os alegados direitos históricos só seriam atendíveis quando corroborados pela “existência de uma autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e a liberdade de comércio e de trânsito”. Coincidiu, no tempo, com a criação da Colónia Sá da Bandeira, inserida num tíbio conjunto de medidas destinadas a travar o expansionismo de outros estados europeus.
A Colónia Agrícola Sá da Bandeira foi programada em Lisboa. Os trabalhos de preparação decorreram, em parte, nas secretarias do ministério da Marinha e Ultramar. Nenhuma outra tentativa de fixação de população europeia em Angola merecera antes tanto cuidado. Mesmo assim esbarrou em múltiplas dificuldades.
A instalação foi relativamente pacífica. A zona a ocupar estava quase deserta. Os muílas eram senhores de áreas vastas e não queriam saber daquele pedaço de terra.
A bacia do Lubango situa-se a uma altitude de 1.800 metros e cobre uma área superior a 1.000 hectares. É rodeada por uma cadeia de serras que se abre apenas a Leste. É por ali que entra o vento e sai o rio.
Quem olha em volta, pela primeira vez, fixa os olhos no Sul. A Ponta do Lubango interrompe bruscamente a serra do Mucoto e ganha para sempre espaço em muitos sonhos.
Há pequenos ribeiros que levam água todo o ano. Juntam-se no lugar da Machiqueira, ali bem perto, para formar o Caculovar, que vai desaguar na Itambala (ou Lagoa dos Cavalos-marinhos).
Os colonos foram recrutados na Ilha da Madeira e transportados no navio “Índia”. Desembarcaram em Moçâmedes em 19 de Novembro de 1884 e esperaram durante algumas semanas pela caravana bóer que havia de transportar os seus haveres serra acima.
A primeira leva de colonos subiu a Chela a pé e chegou ao Lubango na véspera do Natal de 1884. Os seus modestos bens, as alfaias agrícolas, os doentes e as crianças de colo viajaram nos carrões bóeres contratados. A viagem demorou nove dias.
As carroças foram descarregadas. Na manhã seguinte, os bóeres voltaram com os carros, serra abaixo, para buscar a gente que ficara.
Os madeirenses deitaram logo mãos à obra. Os primeiros trabalhos foram colectivos. Na margem direita do rio Caculovar abriu-se uma clareira onde foram construídos dois grandes barracões de pau-a-pique, um para os homens e o outro para as mulheres e crianças. Edificaram-se, em acampamento separado, cubatas para instalar o director da Colónia, o médico, a secretaria provisória e a ambulância.
A 16 de Janeiro chegou o resto do pessoal. Eram 220 pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Depois de levantados dois novos barracões, os homens empenharam-se na escavação de uma levada para rega. A chuva atrasou os trabalhos, e a vala, de três quilómetros de extensão, só ficou pronta no fim de Fevereiro.
Acabada a vala, procedeu-se à delimitação do povoado, a uns três quilómetros dos barracões originais. Cada chefe de família recebeu dois hectares de terreno e ergueu uma casa pequena com paredes de pau e argila e tecto de capim. As habitações eram semelhantes às cubatas indígenas, mas tinham base rectangular e dividiam-se em dois compartimentos.
Os problemas começaram cedo. Os cofres do Estado português encontravam-se vazios e o subsídio que devia sustentar os agricultores até às primeiras colheitas revelou-se insuficiente.
A diferença maior no viver dos colonos e dos negros que os rodeavam estava no ensino. Logo no primeiro ano, a escola primária contou com 36 alunos, todos rapazes. A sala de aulas e a capela compartilhavam o mesmo barracão. Uma cortina de pano separava o ensino público do culto divino.
A meio de 1891, a Colónia de Sá da Bandeira contava 1.064 brancos, 12 mestiços e 208 negros.
Fui lá plantado sessenta anos depois. Ali fiz toda a instrução primária e liceal. Foi naquela terra que aprendi a conhecer-me. É a minha cidade.

A fotografia da direita representa uma cabana madeirense da mesma data aproximada.

Referências:
Sá, Albino. A portugalização do Sul de Angola, terceiro período. Boletim da Câmara Municipal de Sá da Bandeira nº 22, Julho/Agosto/Setembro, 1968.
Sousa Dias, Gastão. A cidade de Sá da Bandeira. Edição da Câmara Municipal. Sá da Bandeira, 1957.
Trabulo, António. Os Colonos. Esfera do Caos, Lisboa, 2007.
Fotografias:
Moraes, J.A. da Cunha. Álbum photographico e descriptivo, África Occidental (Mossamedes, Huíla e Humpata), David Corazzi Editor, Lisboa, sem data.


Já publicado em MILHAFRE