DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

POETAS DE QUEM EU GOSTO


Com Poetas de quem eu gosto pretendo partilhar as lembranças de poetas e de poemas que me encantaram. Não tenciono respeitar cronologias, nem me passa pela cabeça alinhar os mestres da palavra e do sentimento segundo qualquer ordem de valor.
Começo com um grande nome chinês. Terá sido porque escrevi há pouco um pequeno artigo sobre a China. Acho que foi o poeta que apelou discretamente a que o reencontrasse, quando eu passeava os olhos pela estante dos versos.
Bai Juyi nasceu no vigésimo dia da Primeira Lua do ano de 772 em Henan, no centro da China. Publicou (com a reserva que a palavra tinha na época) os primeiros poemas em 786. Entrou cedo nos corações chineses. Homem de Estado e do povo, erudito e popular, espanta hoje pela sua quase inacreditável modernidade. Os versos que escolhi foram escritos há mil e duzentos anos.






BAI JUYI


SUBINDO AO TERRAÇO DE LINGYING,
OLHANDO PARA NORTE

Subindo à montanha,
entendo a pequenez dos domínios do homem,
olhando na distância,
entendo o vazio das coisas terrenas.
Volto a cabeça, regresso à corte e ao mercado,
como um bago de arroz caindo no grande celeiro.

TRABALHO

Ao nascer do dia, diante de mim, um monte de papéis,
ao pôr-do-sol, diante de mim um monte de papéis.
Passaram a beleza da manhã, o esplendor da tarde,
e eu acorrentado a uma mesa de trabalho.


PENSANDO EM HAN YU

Tem-se esquecido de mim o venerando Han,
talvez por ser um conhecedor, um entendido
e não apreciar o meu vinho vulgar.
Talvez por ser um homem de talento
e sorrir diante de meus humildes poemas.
Depois, habitamos diferentes lugares,
solitários dizemos poesia, bebemos nosso vinho
ele com suas flores, eu com o meu luar,
Uma coisa em comum nos aproxima
o vento da Primavera afaga nossos cabelos brancos como seda.


O DÉCIMO QUINTO VOLUME

Comovente, belo, o meu longo poema Canto do remorso perpétuo,
um modelo de melodia as minhas Dez canções de Shanxi.
Não posso proibir o velho Yuan de roubar minhas rimas,
mas o jovem Li já aprendeu a respeitar minha poesia.

Em vida, passaram ao lado riquezas e honrarias,
mas eu sei, depois de morrer, famosos meus poemas.
Perdoem-me as palavras à toa, a gabarolice,
hoje completei o décimo quinto volume das minhas obras.




Como vemos, o grande Bai Juyi não tinha dúvidas quanto ao
valor da sua obra.

António Trabulo


Fonte: POEMAS DE BAI JUYI. Tradução de António Garcia de Abreu.
Instituto Cultural de Macau, 1991.

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