DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

 

 

RITUAIS DE LUTO

 

A pandemia de COVID 19 continua a alastrar. As desgraças sucedem-se umas às outras e são mostradas quase em direto na televisão.

 Ao menos, poucas vezes se veem mães a prantear os filhos mortos. Quem chora são filhos e filhas, impedidos de entrar em lares e hospitais para acompanhar os últimos momentos de vida das pessoas que mais os amaram.

A pandemia tem provocado razias nos lares de idosos. Durante as últimas semanas de vida e no período de agonia, os doentes não têm tido o carinho dos familiares.

Nos cortejos funerários, atrás do féretro, seguem, quanto muito, meia dúzia de pessoas, com máscaras molhadas por lágrimas. As cerimónias fúnebres tiveram de ser severamente limitadas.

A ideia da morte afeta profundamente todos os grupos humanos. As sociedades defendem-se contra a dor da perda criando rituais de luto que diferem amplamente conforme os povos e as culturas. Os cortejos funerários dos países europeus em que familiares e amigos, vestidos de cores escuras, desfilam atrás do caixão que encerra o corpo do falecido, contrastam vivamente com as “combas” de Luanda, em que se festeja o morto durante vários dias.

A Luanda moderna não substituiu de todo a Luanda antiga, nem pretendeu fazê-lo. A Comba é um ritual fúnebre que continua a ser praticado com variações por diversos dos grupos étnicos que constituem a população da cidade.

Dura, em geral, três a cinco dias. Durante o velório, há sempre gente acordada. As pessoas revezam-se. Os homens jogam cartas no quintal da residência, enquanto as mulheres conversam umas com as outras ou rezam na proximidade do caixão do falecido. Umas tantas cozinham.

Como a despedida dura dias, quando chega o sono cada um dorme onde pode. Alguns trazem esteiras e cobrem-se com lençóis, enquanto outros se instalam em casas de vizinhos ou dormem nos automóveis.

O defunto constitui o elemento central da festa. Entrou num estádio sagrado e prepara-se para dar o passo definitivo que o aproximará dos seus ancestrais.

Seguem-se-lhe, na hierarquia, os tios mais velhos. Sentam-se em cadeiras alinhadas frente ao caixão, perto da viúva e dos filhos, e recebem as condolências e as doações financeiras de vizinhos, amigos e familiares.

As comidas e as bebidas destinam-se a aliviar a tristeza do falecido para que ele se conforme com a nova viagem. Todos os participantes se esforçam por permanecer em locais bem visíveis, para que a família enlutada repare neles.

O prato fundamental é o funje, acompanhado de frango e de peixe. Servem-se bebidas populares como o marufo (vinho de palmeira), caxipembe (cerveja de milho), caporroto e cerveja. O caporroto é uma excentricidade luandense. É obtido a partir do açúcar fermentado com carvão de pilha elétrica, que lhe confere propriedades psicotrópicas. Há quem morra por o consumir. As famílias mais ricas oferecem também vinhos portugueses e uísque.

Nem sempre as manifestações do luto em Portugal foram tão contidas como nos tempos modernos. Antigamente morria-se em casa e era na residência do morto que se realizava o velório. Julgo que “velório” vem de vela. As luzinhas eram conservadas acesas durante toda a noite à cabeceira do defunto. Num compartimento contíguo eram servidas bebidas e alguma comida leve. Entre nós, bebia-se sobretudo vinho e aguardente.

O denominador comum de todos os rituais fúnebres é a reunião de familiares e amigos, para se despedirem do morto e expressarem solidariedade aos parentes mais chegados. Tanto os funerais como os casamentos e batizados são cerimónias estruturantes das nossas sociedades.

O luto quase solitário que agora nos aflige é uma experiência trágica e deprimente.

Trecho retirado do livro “Crónicas da Peste”, publicado em “e-books Kindle, Amazon.com.br.”


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

 


5 DE OUTUBRO DE 1910




     Há 110 anos, a Revolução Republicana triunfou e o último rei 

de Portugal embarcou para o exílio. 

     Os chefes militar e civil da rebelião não viveram esse dia 

de glória. 

     O médico Miguel Bombarda foi atingido a tiro por um doente 

e sucumbiu no dia três, horas antes de a revolta eclodir. 

     O almirante Cândido dos Reis terá virado a arma contra si 

próprio e não assistiu à alvorada do dia quatro. 

     Em menos de 18 horas, os republicanos perderam os

 dois líderes principais.

     Ainda assim, Machado Santos e os seus homens 

persistiram e lutaram até à vitória.


   VIVA A REPÚBLICA!