DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 17 de abril de 2016

         
 A PROPÓSITO DE DOIS MAPAS

O mapa Kangnido data de 1402. Foi desenhado na Coreia por dois chineses, Li Hoi e Li Mu, que integraram as informações presentes em dois mapas chineses mais antigos, trazidos para a Coreia pelo embaixador coreano Gim Sa-hyeong que viveu entre 1341 e 1407. O mapa de Li Tse-min data provavelmente de 1330 e o de Ch`ìng Chun foi traçado à volta de 1370. Ambos desapareceram.
 O mapa Kangnido é imediatamente anterior às viagens de Zheng e demonstra uma informação geográfica alargada.
O mapa é claramente sinocêntrico. O Japão é também representado com dimensões desproporcionadas. O extremo sul da África está claramente desenhado e os Oceanos Índico e Pacífico estão em continuidade. No Sudeste Asiático, as ilhas parecem multiplicadas e o subcontinente indiano é muito encolhido.



A Península Arábica está hipertrofiada. Identifica-se bem o Mar Vermelho, mas o golfo Pérsico confunde-se com o Índico.
O desenho de África tem proporções muito reduzidas. No entanto, é aparente a confluência dos oceanos Atlântico e Pacífico. A verdade é que este conhecimento pode ter sido obtido quer por via marítima, quer terrestre.
Os peritos julgam ver claramente representados o Mar Mediterrâneo e as penínsulas ibérica e italiana. Para um leigo como eu, as imagens não são assim tão claras. Estão registados, em carateres chineses, mais de 100 nomes para países e regiões europeias, incluindo a Alemanha. Representam transcrições de palavras árabes. Terão sido os árabes a fornecer boa parte das informações que permitiram produzir o mapa. No entanto, a recolha de dados por parte dos próprios chineses começou bem cedo. 
Zhang Quian viajou pela Ásia Central no século II A.C., ao serviço do imperador Han Wudi. Começou a abrir a Rota da Seda e trouxe informações valiosas sobre o mundo ocidental.
O historiador Romano Florus conta que o imperador Augusto, que reinou entre 27 e 14 A.C. foi visitado por enviados provenientes de todo o mundo conhecido, incluindo a China.
No final do século II A.C., navegadores chineses viajaram até ao sudeste da Índia. Muito mais tarde, no ano de 674, o explorador chinês Daxi Hongtong atingiu o sul da Península Arábica. Durante as dinastias Tang (618-907) e Song (960-1279), mercadores chineses viajaram por mar até à Malásia, Índia, Ceilão, Golfo Pérsico, Península Arábica e Mar Vermelho. Terão negociado com a Etiópia e com o Egipto. Alguns escritores chineses, após o século IX, descreveram o tráfico de escravos, marfim e âmbar na Somália. Não há registos de terem alcançado o Oceano Atlântico.



O mapa de Fra Mauro data de 1459. Foi encomendado ao monge e cartógrafo veneziano pelo rei Afonso V de Portugal.
 Ali, os perfis da Europa e do Mediterrâneo são desenhados de modo quase perfeito. Apesar de o contorno da África ser representado de forma distorcida, percebe-se claramente a continuidade dos Oceanos Atlântico e Pacífico. 
Identificam-se facilmente o Mar Vermelho, a Península Arábica, o Golfo Pérsico, Ceilão, o subcontinente indiano (encurtado), a Indochina, as Filipinas e algumas ilhas indonésias. No entanto, o Índico parece conter quase tantas ilhas como gotas de água.
O saber circulava no mundo, apesar das limitações da época.



Há especulações sobre as fontes de conhecimento cartográfico. Em nenhum dos mapas, o Cabo da Boa Esperança, dobrado por Bartolomeu Dias em 1488, aparece como obstáculo difícil de transpor. No entanto, como vimos atrás, os textos chineses da época dão apenas testemunho de expedições pelo Índico. O desenho de África no mapa Kangnido não passa dum esboço.
Dois dos nossos maiores navegadores, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama, provavelmente nada descobriram.
Existiam, na costa ocidental africana, dois grandes obstáculos à navegação: o cabo Bojador, dobrado por Gil Eanes em 1434 e o Cabo das Tormentas, ou da Boa Esperança, transposto por Bartolomeu Dias em 1488. As rotas marítimas da costa oriental da África para a Índia eram bem conhecidas dos navegantes árabes. Foi, aliás, um piloto mouro que guiou Vasco da Gama até Calicut. A espera pelos ventos de monção está esboçada em zigzags em alguns mapas. Camões criou o mito da traição do piloto mouro.
Vasco da Gama liderou a frota que foi de Lisboa a Calicut e voltou, contornando o sul da África e abrindo a rota comercial com os países do Oriente. Mudou a História do mundo, mas não descobriu terras novas.  
Pedro Álvares Cabral era um fidalgo de Belmonte. Dificilmente entenderia alguma coisa de navegação. Não era preciso. O seu papel era o de comandante, condutor de homens. A sua esquadra dispunha de navegadores experimentados. Uma das caravelas, um dos navios mais pequenos da frota, era capitaneada por Bartolomeu Dias, que a ironia do destino fez afogar nas águas do cabo que o fizera célebre.
Não é credível que os que eram, na época, os melhores marinheiros do mundo, se tenham desviado tanto da rota prevista, apenas para “tomarem barlavento”. Não há registo de qualquer dificuldade especial na viagem de ida. Tudo parece ter corrido conforme o planeado. A esquadra partiu a 9 de março. As ilhas de Cabo Verde foram ultrapassadas a 22 do mesmo mês e os navios desviaram-se para oeste, para o “mar longo”, à procura dos ventos de feição. Cumpriam as ordens do rei Manuel. Atingiram a costa brasileira a 22 de abril. Provavelmente, terão estado anteriormente no Brasil Duarte Pacheco Pereira, em 1498 e o espanhol Vicente Pinzón, em 1500.
No caminho de retorno do Brasil, a armada de Cabral não hesitou quanto ao rumo a tomar.


Estaria em causa a preocupação de reconhecer a descoberta só depois da assinatura do tratado de Tordesilhas. Note-se que Duarte Pacheco Pereira participou nas negociações, como membro da delegação portuguesa.
Cabral não nasceu marinheiro. Ninguém nasce. Ainda assim, a sua única viagem naval acabou por ter, na História Portuguesa e Universal, um impacto mais duradouro do que a epopeia do Gama, imortalizada pelos Lusíadas.


sexta-feira, 15 de abril de 2016


ESTRANHOS ALMIRANTES

III
KEUMALAHAYATI

Pintura representando Keumalahayati

Também lhe chamavam Malahayati. Era muçulmana e foi a segunda mulher almirante da História. A primeira foi Artemísia de Cária.
Não são conhecidas as datas do seu nascimento nem da sua morte, mas combateu, pelo menos, de 1599 a 1601.
A história da sua vida confunde-se, um pouco, com a lenda. Era bisneta do primeiro sultão de Aceh e filha do almirante Machmud Syah. Terá estudado na Academia Real de Aceh.
Por volta de 1500, Aceh era um sultanato localizado no extremo norte da ilha de Sumatra, na Indonésia.


Em 1511, uma frota portuguesa de 18 navios comandada por Afonso de Albuquerque e transportando 900 portugueses e 200 mercenários hindus tomou Malaca.


Com a queda de Malaca, Aceh viu aumentada a sua posição como potência regional. Cabia-lhe assegurar o acesso livre aos estreitos aos comerciantes asiáticos e impedi-lo às naus portuguesas. Os sultões de Aceh mandaram construir mais navios de guerra.

                        Navio indonésio esculpido em pedra em  Borobodur

Depois de o seu marido ter sido morto em combate com a frota portuguesa no Golfo de Haru, Keumalahayat organizou uma unidade naval composta por viúvas de guerra. Chamava-se “Inong Balee” e funcionava perto da cidade de Banda Aceh. Seriam cerca de 2.000 os soldados-viúvas.


Anos mais tarde, o sultão Alauddin Mansur Syah (1577-1589), numa escolha que, aos nossos olhos é estranha, mas a que os acontecimentos posteriores deram razão, nomeou Malahayati a sua almirante principal.
Malahayati iria fazer-se respeitar por compatriotas e inimigos.
Os meus conhecimentos de História são limitados. Felizmente, temos quase sempre oportunidades de continuar a aprender. Eu estava convencido de que, após a conquista de Malaca, Portugal tinha governado aquelas águas, durante 130 anos, sem interferências significativas de frotas de outros países europeus. Estava errado. Tanto os holandeses como os ingleses cobiçavam o lucrativo comércio de especiarias e navegavam por ali.
Em data e local imprecisos, as forças navais dirigidas por Keumalahayti terão afundado seis embarcações portuguesas.
Em 1599, uma expedição holandesa entrou no porto de Aceh e foi bem recebida na corte. Felizmente para nós, o seu comandante, Cornelis de Houtman, era um bronco que já caíra anteriormente na asneira de hostilizar o sultanato de Banten, no noroeste de Java. A sua imperícia diplomática levou-o a ser incortês para com o sultão Syah. A resposta foi a guerra. Malahayati conduziu as suas viúvas ao combate. Após várias refregas, Houtman foi vencido e morto. Estava-se em setembro de 1599.
Terá sido por essa altura que Keumalahayti foi nomeada primeira almirante, ou almirante principal.
Não foram estes os únicos combates contra frotas europeias em que a mulher almirante participou. Mais embarcações holandesas terão sido atacadas. No ano seguinte, navios holandeses liderados por Paulus van Caerdan, apoderaram-se dum navio mercante de Aceh, carregado de especiarias. Em resposta, Malahayati mandou deter o almirante holandês Jacob van Neck.
Entre as escaramuças, aconteceu a diplomacia. Maurício de Orange enviou emissários com uma carta de desculpas ao sultanato de Aceh.

                                                Maurício de Orange

Gerard de Roy e o almirante Laurens Bicker reuniram com a mulher almirante e foi conseguido um acordo. Os representantes da Holanda aceitaram pagar uma compensação de 50.000 florins pela pirataria de van Caerden e os prisioneiros neerlandeses foram libertados. Desse modo, Malahayati tornou-se conhecida na Europa.
Em 1602, a rainha Elizabeth I de Inglaterra enviou uma carta ao sultão de Aceh, solicitando a abertura de negociações com vista à abertura do Estreito de Malaca às suas embarcações. A iniciativa foi bem-sucedida. Malahayati representou o sultanato nas conversações e chegou a acordo com o enviado da rainha, James Lancaster.  
A almirante Malahauati morreu a lutar contra a frota portuguesa em Teluk Krueng Raya e foi enterrada numa pequena aldeia de pescadores a cerca de 30 quilómetros de Banda Aceh.

Banda Aceh devastada pelo tsunami de 2004

Os indonésios fizeram dela uma lenda. O seu nome foi dado a navios de guerra, hospitais, universidades, e até a estradas da ilha de Sumatra.



quinta-feira, 14 de abril de 2016


ESTRANHOS ALMIRANTES

II

ZHENG HE

Pintura existente num templo de Penang, na Malásia e representando Zheng He e alguns dos seus navios 

Nos primeiros anos do século XV, deu-se uma inusitada reviravolta na maneira chinesa de estar no mundo. Tradicionalmente, os chineses assentavam a sua política e a sua economia no isolamento e na auto-subsistência agrícola. Seguiam os ensinamentos de Confúcio, promovendo a virtude, a organização e a estabilidade social. No início do século XV e durante perto de 30 anos, assistiu-se a uma espécie de revolução comercial em que uma enorme esquadra imperial percorreu o Mar da China e o Oceano Índico, até à costa oriental de África, divulgando e vendendo produtos chineses nos países ribeirinhos.

                          Imperador Yongle

O imperador Zhu Di, ou Yongle fez-se coroar pela força das armas, revoltando-se contra o seu sobrinho Jianwen, herdeiro legítimo do trono chinês. Tornou-se, em 1402, o terceiro imperador da dinastia Ming. Pôs de lado a política de isolamento e abriu a China ao mar. Fez assim nascer um almirante lendário, o eunuco Zheng He.

                   Bússola - uma descoberta chinesa

Quase cem anos antes de Vasco da Gama, Zheng He liderou uma esquadra de 250 navios, tripuladas por quase 30.000 homens e transportando 100.000 toneladas de mercadorias. Entre 1405 e 1433 realizou sete grandes viagens pelos mares da China e pelo Oceano Índico. Os seus juncos, apelidados de bao chuan, os navios do tesouro, chegariam a ter 120 metros de comprimento. Alguns deles seriam capazes de transportar 2.000 toneladas. Os maiores navios da armada de Vasco da Gama eram cinco vezes menores em comprimento e muitas vezes menos em capacidade de carga.

        Tamanho comparado dos navios de Zheng He e de Colombo

A navegação no Índico tem de ter em conta as correntes marítimas e as monções. A estação das chuvas dura de julho a setembro e acompanha-se de ventos de sudoeste. De dezembro ao começo de maio, o vento predominante é de nordeste. As viagens de ida e volta tinham de ser planeadas de acordo com estas realidades.
O almirante terá visitado cerca de 30 países. Passou por Taiwan, pelas Filipinas, Sumatra, Borneo, Celebes, Java, Timor, Cambodja, Singapura, Malaca, Ceilão, Mar Vermelho, Pérsia e Arábia. Ladeou a costa oriental de África até Madagascar. Há quem diga que atingiu a Austrália. Embora não se tenha deslocado ao Japão, a sua vassealagem foi conseguida pela única vez na História. As trocas comerciais entre os dois países aumentaram então substancialmente.

          Mapamundi Kangnido,de 1402. É claramente sinocêntrico

As viagens duravam até mais de dois anos.
Consta que “ O almirante” recorreu poucas vezes à força - em Sumatra, em 1404, em Ceilão em 1410 e novamente em Sumatra em 1413, principalmente contra piratas chineses.
As sete notáveis expedições marítimas permitiram estender a influência da dinastia Ming do Índico ao Pacífico, fazendo circular por uma vasta região os produtos chineses mais apreciados, entre os quais se contavam a porcelana, a seda, o chá e as moedas de cobre. Os chineses importavam produtos exóticos, muitos deles de luxo, como pedras preciosas, especiarias, incenso, ervas medicinais, ópio, madeiras tropicais, marfim e cavalos árabes.
Como lhes era atribuído um grande valor, os juncos de Zheng He foram apelidados de “navios do tesouro”. Os navios traziam também animais africanos, como a primeira girafa vista na China.


Zheng He nasceu com o nome de Ma He. Era o segundo filho de uma família muçulmana. Capturado aos 12 anos de idade, durante uma campanha militar, foi castrado para servir na corte imperial. Teve a sorte de se tornar companheiro de infância do futuro imperador. Mais tarde, ajudou-o na luta contra o imperador Jianwen. Participou em diversas campanhas militares e revelou-se um excelente estratega.
 Yongle reconheceu tanto a sua coragem em combate como a sua habilidade para gerir as intrigas da corte. Nomeou-o diretor dos servos do palácio (uma espécie de chefe de gabinete). Deu-lhe o nome chinês de Zheng He (Zheng era o nome do cavalo de batalha favorito do novo imperador). Mais tarde, fê-lo supervisionar a construção da “Frota do Tesouro”.
Morto Yongle, Zhen He serviu ainda os dois imperadores seguintes, Hongxi e Xuande. Foi este último que o nomeou, em 1430, para chefiar a sétima expedição ao “Oceano Ocidental”, de onde não regressaria. Morreu durante a viagem de regresso, em 1433.
Terminaram as viagens da “Frota do Tesouro”.
Alguns historiadores sugerem que a motivação de Zhu Di seria legitimar a sua usurpação do trono, na China e no mundo conhecido pelos chineses. Há meandros da mentalidade oriental que nós desconhecemos, mas não me parece que os habitantes de Sumatra e de Ceilão estivessem preocupados com a legitimidade do imperador chinês. Havia de impressioná-los mais o número de navios da frota chinesa e a quantidade de guerreiros que transportava.
O usurpador Zhu Di governou de 1402 a 1424. Deixou a sua marca na História da China. Para além de quebrar o isolamento marítimo do seu país, mandou reconstruir o Grande Canal, recuperou e aumentou a Grande Muralha e transferiu a capital de Nanquim para Pequim, onde fez edificar a Cidade Proibida.
No entanto, feitas as contas, os lucros da “Rota do Tesouro”, se os havia, cobriam uma parte ínfima dos gastos com os grandes projetos do imperador. Foi necessário aumentar os impostos e, mesmo assim, os cofres imperiais esvaziaram-se. A inflação disparou. Os confucionistas, que sempre se tinham oposto ao desenvolvimento da política externa, fizeram ouvir as suas vozes. Era necessário acabar com as despesas grandiosas, limitar o comércio marítimo, regressar ao isolamento e promover a agricultura tradicional.
Mortos Zhu Di e Zheng He, terminou a “revolução comercial” chinesa e o império voltou-se outra vez para si próprio. As viagens de comércio foram abandonadas. Um édito imperial proibiu mesmo a construção de navios oceânicos. Com o tempo, a tecnologia de construção de grandes navios acabou por se perder. Até os registos da epopeia marítima foram mandados queimar.
A grande maioria dos países das costas do Índico encontrava-se culturalmente atrasada em relação à China. As armadas do grande navegador Zheng He divulgaram no Oriente os avanços da civilização chinesa.


Por ironia do destino, o primeiro navio chinês de que há notícia segura a contornar o Cabo da Boa Esperança foi um junco que partiu de Hong Kong e chegou a Londres em 1848.




terça-feira, 12 de abril de 2016


ESTRANHOS ALMIRANTES
I
ARTEMÍSIA DE CÁRIA


Artemísia de Cária, rainha de Halicarnasso, foi a primeira mulher almirante conhecida. Apesar de ter ascendência helénica, aliou-se a Xerxes e participou na invasão pérsica. Combateu contra os gregos na batalha de Salamina.


     Salamina é uma das ilhas Sarónicas, no mar Egeu. Fica perto do porto do Pireu, que serve Atenas. Forma com os territórios vizinnhos dois estreitos canais que dão passagem para a baía de Eleusis. Em 480 a.c. defrontaram-se ali a armada do império persa e a frota da aliança das cidades-estado gregas. 
Após a morte de Dario, rei da Pérsia, o seu filho Xerxes dominou a revolta egípcia e começou a preparar uma nova invasão da Grécia.
    No início de 480, o exército persa começou a transpor o estreito de Helesponto, através de uma gigantesca ponte de barcas. Helesponto é o nome antigo do Estreito de Dardanelos.
    300.000 guerreiros apoiados por elefantes e por máquinas de guerra passaram assim da Ásia para a Europa. Era o exército mais numeroso até então conhecido. Ao mesmo tempo, uma poderosa armada persa atravessava o Mar Egeu. Compunha-se de mais de 1.000 galeras.
Tratou-se, como se vê, duma ofensiva conjunta, por terra e por mar. Começava a Segunda Guerra Médica.
Os gregos também se prepararam para a luta com antecedência. Sob a liderança de Temístocles, os atenienses começaram a construir, a meio da década de 480, uma grande frota de trirremes.


Atenas, isolada, não poderia enfrentar os persas. No fim de 481, reuniu-se em Corinto um congresso de representantes de cidades gregas, do qual saiu uma inédita aliança confederada. Note-se que as cidades gregas combatiam frequentemente umas contra as outras.
Passado o Helesponto, as forças do imperador Xerxes caminharam ao longo das costas da Trácia e da Macedónia, em direção a Atenas. Para avançarem por terra para o sul da Grécia (Beócia, Ática e Peleponeso), era preciso transporem o desfiladeiro das Termópilas. Os gregos bloquearam-no com uma pequena força de hoplitas espartanos e tespios, comandada pelo rei de Esparta, Leónidas.


Os hoplitas eram soldados de infantaria pesada. Usavam elmo, couraça, grevas e escudo e armavam-se de lança e espada curta. Diz-se que constituíram a melhor infantaria do mundo até ao advento das legiões romanas. Durante três dias, até serem traídos e flanqueados, detiveram o poderoso exército persa. As mulheres e as crianças de Atenas tinham sido evacuadas para a cidade peleponesa de Trecén.
Paralelamente, uma armada grega, com predomínio de navios atenienses, tentou impedir o avanço da frota persa nos estreitos de Artemísio.
As coisas correram mal para os helenos: a retaguarda do seu exército foi desbaratada nas Termópilas, enquanto as suas forças navais sofriam perdas importantes na batalha de Artemísio. A maior parte do exército grego conseguiu retirar.
Os persas ocuparam a Ática e a Beócia. Restava aos gregos defenderem o Peleponeso, a que se tinha acesso, por terra, pelo istmo de Corinto. O único caminho foi destruído, enquanto se elevava uma muralha. No estanto, defender essa passagem serviria de pouco, a menos que os navios gregos fossem capazes de travar a poderosa armada persa. A frota reagrupou-se junto à ilha de Salamina, no golfo Sarónico.
Segundo Heródoto, Temístocles dispunha de 378 trirremes, enquanto as embarcações persas seriam 600 a 800. Note-se que o historiador Heródoto nasceu em Halicarnasso, quatro anos antes da batalha de Salamina. Os seus escritos são considerados a principal fonte de informação para o estudo das Guerras Médicas. O poder naval persa fora abalado por duas tempestades que afundaram perto de um terço dos seus navios. O líder ateniense dispôs-se a lutar novamente. Considerava que uma batalha a curta distância favorecia os navios gregos. Nos estreitos de Salamina a armada persa não poderia adotar a habitual formação de combate.
Artemísia não era apenas valente, mas também astuta. Conhecia os seus compatriotas, contra quem lutava. Tentou prevenir Xerxes contra a armadilha montada por Temístocles. Segundo Heródoto, a rainha achava que não havia pressa em combater no mar. Com a armada persa próxima, os gregos acabariam por dispersar. Cada grupo fugiria para a sua cidade.
A lutar, deveriam fazê-lo em mar aberto. Os persas dispunham de muitos mais navios e eram melhores marinheiros.
Para os gregos, a única possibilidade de vencer o inimigo residia em atraí-los para um estreito, onde poderiam passar poucos navios de cada vez.
Artemísia não foi ouvida. Xerxes pretendia travar um combate definitivo. Mandou instalar um trono na encosta do monte Aigaleo, com vista para o estreito. Pretendia testemunhar a vitória da sua esquadra.
A força naval persa desorganizou-se, ao penetrar nos estreitos. Salamina foi para os persas um erro estratégico e uma batalha desnecessária. Fizeram os que os seus inimigos pretendiam que fizessem.


Era costume, no Mediterrâneo, os navios tentarem abalroar as embarcações inimigas com os esporões, passando depois à abordagem. Foram afundados para cima de 300 navios persas e morto o almirante Ariamenes, irmão de Xerxes.


Heródoto conta que o navio de Artemísia foi perseguido por trirremes gregas. Para escapar, terá içado a bandeira de Esparta. Investiu contra outro barco persa e afundou-o, enganando os atenienses que desistiram de a perseguir.
Xerxes retirou, deixando parte do seu exército, sob o comando do general Mardonio, para completar a conquista da Grécia. No ano seguinte, os persas foram batidos na batalha terrestre de Plateia e no confronto naval de Mícala. A ameaça persa sobre as cidades gregas esfumava-se.
A batalha de Salamina representa um ponto de viragem na história da Grécia e da Europa. Se os persas tivessem vencido, a nossa cultura atual seria outra.
Artemísia sobreviveu à batalha. Implacável com os seus inimigos, a rainha acabou, porém, por sucumbir numa guerra interior. De volta a casa, apaixonou-se pelo belo e jovem Dárdano, de Abydos, que desdenhou dela.
A rainha não sabia perder. Mandou arrancar os olhos ao homem que amava e lançou-se ao mar no rochedo de Leucades.
Artemísia de Halicarnasso foi, na História da Humanidade, a primeira mulher a dirigir em batalha uma frota de navios. Ninguém sabe quantas embarcações comandou. Há quem fale em cinco e quem indique cem.


A cidade de Halicarnasso ficou conhecida pelo seu mausoléu, uma das sete maravilhas do mundo. Foi mandado construir, 150 anos após a batalha de Salamina, por uma rainha com o mesmo nome, da mulher almirante. Artemísia II pretendia honrar a memória do seu irmão e esposo, o rei Mausolo. Permaneceu quase intacto durante 16 séculos, até ser destruído por terramotos sucessivos.




segunda-feira, 11 de abril de 2016


       ESTRANHOS ALMIRANTES

INTRODUÇÃO

A história da navegação e das guerras navais reserva algumas surpresas aos curiosos. Vou referir três almirantes muito especiais de que tive conhecimento mais ou menos por acaso: a rainha Artemísia de Cária que, no século V A.C., comandou navios na Batalha de Salamina, o almirante eunuco chinês Zeng He, que navegou até à costa oriental de África nos séculos XIV e XV e a almirante indonésia Keumalahayati que, no século XVI, combateu portugueses e holandeses.
Espero que não vejam na minha escolha sinais de sexismo. Trata-se apenas de curiosidade por estes personagens excepcionais.


Dentro de portas, o primeiro comandante naval de que ouvi falar foi D. Fuas Roupinho, o do milagre da Nazaré. D. Fuas foi contemporâneo de D. Afonso Henriques. Morreu a lutar contra os mouros, no Estreito de Gibraltar.
Somos um país ribeirinho. No Portugal antigo, havia navios que levavam homens de armas, quando era necessário. «Almirante» vem de uma palavra árabe que significa «comandante do mar». Substituiu os termos “general das galés” e “cabdel dias galés”, caídos em desuso. O cargo de «Almirante do Reino» foi criado pelo rei D. Dinis no século XIII. Deixou de estar ligado à navegação e tornou-se um título honorífico, hereditário, concedido aos Condes de Resende. O nosso primeiro «almirante» foi Manuel Pessanha, um genovês. Nun`Álvares terá adquirido os terrenos para a construção do convento do Carmo a um descendente dele que, se calhar, nunca pôs os nobres pés numa caravela. Sobre os capitães de então, pouco se escreveu, até às descobertas.