DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 12 de abril de 2016


ESTRANHOS ALMIRANTES
I
ARTEMÍSIA DE CÁRIA


Artemísia de Cária, rainha de Halicarnasso, foi a primeira mulher almirante conhecida. Apesar de ter ascendência helénica, aliou-se a Xerxes e participou na invasão pérsica. Combateu contra os gregos na batalha de Salamina.


     Salamina é uma das ilhas Sarónicas, no mar Egeu. Fica perto do porto do Pireu, que serve Atenas. Forma com os territórios vizinnhos dois estreitos canais que dão passagem para a baía de Eleusis. Em 480 a.c. defrontaram-se ali a armada do império persa e a frota da aliança das cidades-estado gregas. 
Após a morte de Dario, rei da Pérsia, o seu filho Xerxes dominou a revolta egípcia e começou a preparar uma nova invasão da Grécia.
    No início de 480, o exército persa começou a transpor o estreito de Helesponto, através de uma gigantesca ponte de barcas. Helesponto é o nome antigo do Estreito de Dardanelos.
    300.000 guerreiros apoiados por elefantes e por máquinas de guerra passaram assim da Ásia para a Europa. Era o exército mais numeroso até então conhecido. Ao mesmo tempo, uma poderosa armada persa atravessava o Mar Egeu. Compunha-se de mais de 1.000 galeras.
Tratou-se, como se vê, duma ofensiva conjunta, por terra e por mar. Começava a Segunda Guerra Médica.
Os gregos também se prepararam para a luta com antecedência. Sob a liderança de Temístocles, os atenienses começaram a construir, a meio da década de 480, uma grande frota de trirremes.


Atenas, isolada, não poderia enfrentar os persas. No fim de 481, reuniu-se em Corinto um congresso de representantes de cidades gregas, do qual saiu uma inédita aliança confederada. Note-se que as cidades gregas combatiam frequentemente umas contra as outras.
Passado o Helesponto, as forças do imperador Xerxes caminharam ao longo das costas da Trácia e da Macedónia, em direção a Atenas. Para avançarem por terra para o sul da Grécia (Beócia, Ática e Peleponeso), era preciso transporem o desfiladeiro das Termópilas. Os gregos bloquearam-no com uma pequena força de hoplitas espartanos e tespios, comandada pelo rei de Esparta, Leónidas.


Os hoplitas eram soldados de infantaria pesada. Usavam elmo, couraça, grevas e escudo e armavam-se de lança e espada curta. Diz-se que constituíram a melhor infantaria do mundo até ao advento das legiões romanas. Durante três dias, até serem traídos e flanqueados, detiveram o poderoso exército persa. As mulheres e as crianças de Atenas tinham sido evacuadas para a cidade peleponesa de Trecén.
Paralelamente, uma armada grega, com predomínio de navios atenienses, tentou impedir o avanço da frota persa nos estreitos de Artemísio.
As coisas correram mal para os helenos: a retaguarda do seu exército foi desbaratada nas Termópilas, enquanto as suas forças navais sofriam perdas importantes na batalha de Artemísio. A maior parte do exército grego conseguiu retirar.
Os persas ocuparam a Ática e a Beócia. Restava aos gregos defenderem o Peleponeso, a que se tinha acesso, por terra, pelo istmo de Corinto. O único caminho foi destruído, enquanto se elevava uma muralha. No estanto, defender essa passagem serviria de pouco, a menos que os navios gregos fossem capazes de travar a poderosa armada persa. A frota reagrupou-se junto à ilha de Salamina, no golfo Sarónico.
Segundo Heródoto, Temístocles dispunha de 378 trirremes, enquanto as embarcações persas seriam 600 a 800. Note-se que o historiador Heródoto nasceu em Halicarnasso, quatro anos antes da batalha de Salamina. Os seus escritos são considerados a principal fonte de informação para o estudo das Guerras Médicas. O poder naval persa fora abalado por duas tempestades que afundaram perto de um terço dos seus navios. O líder ateniense dispôs-se a lutar novamente. Considerava que uma batalha a curta distância favorecia os navios gregos. Nos estreitos de Salamina a armada persa não poderia adotar a habitual formação de combate.
Artemísia não era apenas valente, mas também astuta. Conhecia os seus compatriotas, contra quem lutava. Tentou prevenir Xerxes contra a armadilha montada por Temístocles. Segundo Heródoto, a rainha achava que não havia pressa em combater no mar. Com a armada persa próxima, os gregos acabariam por dispersar. Cada grupo fugiria para a sua cidade.
A lutar, deveriam fazê-lo em mar aberto. Os persas dispunham de muitos mais navios e eram melhores marinheiros.
Para os gregos, a única possibilidade de vencer o inimigo residia em atraí-los para um estreito, onde poderiam passar poucos navios de cada vez.
Artemísia não foi ouvida. Xerxes pretendia travar um combate definitivo. Mandou instalar um trono na encosta do monte Aigaleo, com vista para o estreito. Pretendia testemunhar a vitória da sua esquadra.
A força naval persa desorganizou-se, ao penetrar nos estreitos. Salamina foi para os persas um erro estratégico e uma batalha desnecessária. Fizeram os que os seus inimigos pretendiam que fizessem.


Era costume, no Mediterrâneo, os navios tentarem abalroar as embarcações inimigas com os esporões, passando depois à abordagem. Foram afundados para cima de 300 navios persas e morto o almirante Ariamenes, irmão de Xerxes.


Heródoto conta que o navio de Artemísia foi perseguido por trirremes gregas. Para escapar, terá içado a bandeira de Esparta. Investiu contra outro barco persa e afundou-o, enganando os atenienses que desistiram de a perseguir.
Xerxes retirou, deixando parte do seu exército, sob o comando do general Mardonio, para completar a conquista da Grécia. No ano seguinte, os persas foram batidos na batalha terrestre de Plateia e no confronto naval de Mícala. A ameaça persa sobre as cidades gregas esfumava-se.
A batalha de Salamina representa um ponto de viragem na história da Grécia e da Europa. Se os persas tivessem vencido, a nossa cultura atual seria outra.
Artemísia sobreviveu à batalha. Implacável com os seus inimigos, a rainha acabou, porém, por sucumbir numa guerra interior. De volta a casa, apaixonou-se pelo belo e jovem Dárdano, de Abydos, que desdenhou dela.
A rainha não sabia perder. Mandou arrancar os olhos ao homem que amava e lançou-se ao mar no rochedo de Leucades.
Artemísia de Halicarnasso foi, na História da Humanidade, a primeira mulher a dirigir em batalha uma frota de navios. Ninguém sabe quantas embarcações comandou. Há quem fale em cinco e quem indique cem.


A cidade de Halicarnasso ficou conhecida pelo seu mausoléu, uma das sete maravilhas do mundo. Foi mandado construir, 150 anos após a batalha de Salamina, por uma rainha com o mesmo nome, da mulher almirante. Artemísia II pretendia honrar a memória do seu irmão e esposo, o rei Mausolo. Permaneceu quase intacto durante 16 séculos, até ser destruído por terramotos sucessivos.




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