DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 15 de abril de 2016


ESTRANHOS ALMIRANTES

III
KEUMALAHAYATI

Pintura representando Keumalahayati

Também lhe chamavam Malahayati. Era muçulmana e foi a segunda mulher almirante da História. A primeira foi Artemísia de Cária.
Não são conhecidas as datas do seu nascimento nem da sua morte, mas combateu, pelo menos, de 1599 a 1601.
A história da sua vida confunde-se, um pouco, com a lenda. Era bisneta do primeiro sultão de Aceh e filha do almirante Machmud Syah. Terá estudado na Academia Real de Aceh.
Por volta de 1500, Aceh era um sultanato localizado no extremo norte da ilha de Sumatra, na Indonésia.


Em 1511, uma frota portuguesa de 18 navios comandada por Afonso de Albuquerque e transportando 900 portugueses e 200 mercenários hindus tomou Malaca.


Com a queda de Malaca, Aceh viu aumentada a sua posição como potência regional. Cabia-lhe assegurar o acesso livre aos estreitos aos comerciantes asiáticos e impedi-lo às naus portuguesas. Os sultões de Aceh mandaram construir mais navios de guerra.

                        Navio indonésio esculpido em pedra em  Borobodur

Depois de o seu marido ter sido morto em combate com a frota portuguesa no Golfo de Haru, Keumalahayat organizou uma unidade naval composta por viúvas de guerra. Chamava-se “Inong Balee” e funcionava perto da cidade de Banda Aceh. Seriam cerca de 2.000 os soldados-viúvas.


Anos mais tarde, o sultão Alauddin Mansur Syah (1577-1589), numa escolha que, aos nossos olhos é estranha, mas a que os acontecimentos posteriores deram razão, nomeou Malahayati a sua almirante principal.
Malahayati iria fazer-se respeitar por compatriotas e inimigos.
Os meus conhecimentos de História são limitados. Felizmente, temos quase sempre oportunidades de continuar a aprender. Eu estava convencido de que, após a conquista de Malaca, Portugal tinha governado aquelas águas, durante 130 anos, sem interferências significativas de frotas de outros países europeus. Estava errado. Tanto os holandeses como os ingleses cobiçavam o lucrativo comércio de especiarias e navegavam por ali.
Em data e local imprecisos, as forças navais dirigidas por Keumalahayti terão afundado seis embarcações portuguesas.
Em 1599, uma expedição holandesa entrou no porto de Aceh e foi bem recebida na corte. Felizmente para nós, o seu comandante, Cornelis de Houtman, era um bronco que já caíra anteriormente na asneira de hostilizar o sultanato de Banten, no noroeste de Java. A sua imperícia diplomática levou-o a ser incortês para com o sultão Syah. A resposta foi a guerra. Malahayati conduziu as suas viúvas ao combate. Após várias refregas, Houtman foi vencido e morto. Estava-se em setembro de 1599.
Terá sido por essa altura que Keumalahayti foi nomeada primeira almirante, ou almirante principal.
Não foram estes os únicos combates contra frotas europeias em que a mulher almirante participou. Mais embarcações holandesas terão sido atacadas. No ano seguinte, navios holandeses liderados por Paulus van Caerdan, apoderaram-se dum navio mercante de Aceh, carregado de especiarias. Em resposta, Malahayati mandou deter o almirante holandês Jacob van Neck.
Entre as escaramuças, aconteceu a diplomacia. Maurício de Orange enviou emissários com uma carta de desculpas ao sultanato de Aceh.

                                                Maurício de Orange

Gerard de Roy e o almirante Laurens Bicker reuniram com a mulher almirante e foi conseguido um acordo. Os representantes da Holanda aceitaram pagar uma compensação de 50.000 florins pela pirataria de van Caerden e os prisioneiros neerlandeses foram libertados. Desse modo, Malahayati tornou-se conhecida na Europa.
Em 1602, a rainha Elizabeth I de Inglaterra enviou uma carta ao sultão de Aceh, solicitando a abertura de negociações com vista à abertura do Estreito de Malaca às suas embarcações. A iniciativa foi bem-sucedida. Malahayati representou o sultanato nas conversações e chegou a acordo com o enviado da rainha, James Lancaster.  
A almirante Malahauati morreu a lutar contra a frota portuguesa em Teluk Krueng Raya e foi enterrada numa pequena aldeia de pescadores a cerca de 30 quilómetros de Banda Aceh.

Banda Aceh devastada pelo tsunami de 2004

Os indonésios fizeram dela uma lenda. O seu nome foi dado a navios de guerra, hospitais, universidades, e até a estradas da ilha de Sumatra.



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