SÁ DA BANDEIRA (LUBANGO)
O Brasil perdera-se de vez e há muito que a economia portuguesa precisava de outros arrimos. A África constituía o último quintal de Lisboa e seria oportuno olhar a sério para o continente negro.
Portugal tinha mais olhos que barriga. Pretendia conservar um império colonial de uma vastidão desmesurada sem dispor dos meios humanos e técnicos nem das capacidades financeiras indispensáveis para enfrentar a concorrência de nações europeias mais ricas e desenvolvidas.
A Conferência de Berlim abalou profundamente as pretensões portuguesas: os alegados direitos históricos só seriam atendíveis quando corroborados pela “existência de uma autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e a liberdade de comércio e de trânsito”. Coincidiu, no tempo, com a criação da Colónia Sá da Bandeira, inserida num tíbio conjunto de medidas destinadas a travar o expansionismo de outros estados europeus.
A Colónia Agrícola Sá da Bandeira foi programada em Lisboa. Os trabalhos de preparação decorreram, em parte, nas secretarias do ministério da Marinha e Ultramar. Nenhuma outra tentativa de fixação de população europeia em Angola merecera antes tanto cuidado. Mesmo assim esbarrou em múltiplas dificuldades.
A instalação foi relativamente pacífica. A zona a ocupar estava quase deserta. Os muílas eram senhores de áreas vastas e não queriam saber daquele pedaço de terra.
A bacia do Lubango situa-se a uma altitude de 1.800 metros e cobre uma área superior a 1.000 hectares. É rodeada por uma cadeia de serras que se abre apenas a Leste. É por ali que entra o vento e sai o rio.
Quem olha em volta, pela primeira vez, fixa os olhos no Sul. A Ponta do Lubango interrompe bruscamente a serra do Mucoto e ganha para sempre espaço em muitos sonhos.
Há pequenos ribeiros que levam água todo o ano. Juntam-se no lugar da Machiqueira, ali bem perto, para formar o Caculovar, que vai desaguar na Itambala (ou Lagoa dos Cavalos-marinhos).
Os colonos foram recrutados na Ilha da Madeira e transportados no navio “Índia”. Desembarcaram em Moçâmedes em 19 de Novembro de 1884 e esperaram durante algumas semanas pela caravana bóer que havia de transportar os seus haveres serra acima.
A primeira leva de colonos subiu a Chela a pé e chegou ao Lubango na véspera do Natal de 1884. Os seus modestos bens, as alfaias agrícolas, os doentes e as crianças de colo viajaram nos carrões bóeres contratados. A viagem demorou nove dias.
As carroças foram descarregadas. Na manhã seguinte, os bóeres voltaram com os carros, serra abaixo, para buscar a gente que ficara.
Os madeirenses deitaram logo mãos à obra. Os primeiros trabalhos foram colectivos. Na margem direita do rio Caculovar abriu-se uma clareira onde foram construídos dois grandes barracões de pau-a-pique, um para os homens e o outro para as mulheres e crianças. Edificaram-se, em acampamento separado, cubatas para instalar o director da Colónia, o médico, a secretaria provisória e a ambulância.
A 16 de Janeiro chegou o resto do pessoal. Eram 220 pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Depois de levantados dois novos barracões, os homens empenharam-se na escavação de uma levada para rega. A chuva atrasou os trabalhos, e a vala, de três quilómetros de extensão, só ficou pronta no fim de Fevereiro.
Acabada a vala, procedeu-se à delimitação do povoado, a uns três quilómetros dos barracões originais. Cada chefe de família recebeu dois hectares de terreno e ergueu uma casa pequena com paredes de pau e argila e tecto de capim. As habitações eram semelhantes às cubatas indígenas, mas tinham base rectangular e dividiam-se em dois compartimentos.
Os problemas começaram cedo. Os cofres do Estado português encontravam-se vazios e o subsídio que devia sustentar os agricultores até às primeiras colheitas revelou-se insuficiente.
A diferença maior no viver dos colonos e dos negros que os rodeavam estava no ensino. Logo no primeiro ano, a escola primária contou com 36 alunos, todos rapazes. A sala de aulas e a capela compartilhavam o mesmo barracão. Uma cortina de pano separava o ensino público do culto divino.
A meio de 1891, a Colónia de Sá da Bandeira contava 1.064 brancos, 12 mestiços e 208 negros.
Fui lá plantado sessenta anos depois. Ali fiz toda a instrução primária e liceal. Foi naquela terra que aprendi a conhecer-me. É a minha cidade.
A fotografia da direita representa uma cabana madeirense da mesma data aproximada.
Referências:
Sá, Albino. A portugalização do Sul de Angola, terceiro período. Boletim da Câmara Municipal de Sá da Bandeira nº 22, Julho/Agosto/Setembro, 1968.
Sousa Dias, Gastão. A cidade de Sá da Bandeira. Edição da Câmara Municipal. Sá da Bandeira, 1957.
Trabulo, António. Os Colonos. Esfera do Caos, Lisboa, 2007.
Fotografias:
Moraes, J.A. da Cunha. Álbum photographico e descriptivo, África Occidental (Mossamedes, Huíla e Humpata), David Corazzi Editor, Lisboa, sem data.
Sá, Albino. A portugalização do Sul de Angola, terceiro período. Boletim da Câmara Municipal de Sá da Bandeira nº 22, Julho/Agosto/Setembro, 1968.
Sousa Dias, Gastão. A cidade de Sá da Bandeira. Edição da Câmara Municipal. Sá da Bandeira, 1957.
Trabulo, António. Os Colonos. Esfera do Caos, Lisboa, 2007.
Fotografias:
Moraes, J.A. da Cunha. Álbum photographico e descriptivo, África Occidental (Mossamedes, Huíla e Humpata), David Corazzi Editor, Lisboa, sem data.
Já publicado em MILHAFRE
Acreditei em Papagaios
ResponderEliminarNão estou no Lubango
e não estou por aqui
e não sei quando
desalojado me perdi
se foi na altura do vento
ou antes quando começou
e o milho do conhecimento
um papagaio o inculcou
com asas tão bonitas
que papagaio me tornei
e voei em suas fitas
e agora de mim não sei.