DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

BOCAGE EM MACAU


Manuel Maria Barbosa du Bocage esteve em Macau de Outubro de 1789 a Março de 1790. Viera de Surrate, na Índia, e passara por Cantão.
O poeta procurava dar-se bem com os poderosos. O governador interino, Lázaro da Silva Ferreira, facultou-lhe o regresso a Lisboa. Bocage chegou a Portugal em Agosto de 1790. Agradeceu a Lázaro, com um poema, e retratou noutro o estado da Macau que conhecera:

Um governo sem mando, um bispo tal,
De freiras virtuosas um covil
Três conventos de frades, cinco mil
Nhon`s e chinas cristãos, que obram mui mal.

Uma Sé que hoje existe tal e qual,
Catorze prebendados sem ceitil
Muita pobreza, muita mulher vil,
Cem portugueses, tudo em um curral;

Seis fortes, cem soldados, um tambor,
Três freguesias, cujo ornato é pau,
Um Vigário-Geral, sem promotor,

Dois colégios, e um deles muito mau,
Um senado que a tudo é superior,
É quanto Portugal tem em Macau.

O poder de síntese de Bocage é quase insuperável: traçou nos catorze versos dum soneto a caricatura de uma cidade.
O padre Manuel Teixeira explica a sátira do poeta.
O governador não tinha poder civil: mandava apenas nos soldados e nas fortalezas. Não havia bispo desde 1780. As clarissas eram as únicas pessoas elogiadas pelo poeta. A palavra “covil” referia-se à clausura rigorosa dessas freiras. Os três conventos eram os de São Francisco, Santo Agostinho e São Domingos. Nhons (a palavra significa senhor) eram os mestiços. Os padres censuravam repetidamente a corrupção dos costumes da época.
A Sé Catedral datava de 1622 e não recebera melhoramentos. Prebenda era o direito dum eclesiástico a receber um subsídio, mas o Senado não tinha dinheiro para o pagar.
Os cristãos chinas e portugueses estavam reduzidos à indigência. Em boa parte em resultado da pobreza, havia muita “mulher vil”. Os “portugueses europeus” em 1775 eram apenas 108 e viviam todos na cidade amuralhada.
Cerca de 100 soldados distribuíam-se por seis fortes. As igrejas paroquiais eram pobres e sem valor artístico. O Vigário-Geral era o governador do Bispado. Não houve promotor de justiça do Juízo Eclesiástico nos anos de 1789 e 1790.
O Colégio muito mau era o de S. Paulo, que se encontrava degradado, tendo sido já demolidas algumas oficinas em ruínas. A finalizar, quem mandou sempre em Macau foi o Senado.
A Bocage aconteceu o mesmo que ao seu Portugal: voltou do Oriente tão pobre como partira de Lisboa. Enriqueceu apenas no conhecimento da natureza humana e alargou o espírito no contacto com outras civilizações.

Referências:
Teixeira, Manuel. Macau no século XVIII. Imprensa Nacional, Macau, 1984.

Fotografias:
A China e os Chineses, Auguste Borget. Instituto Cultural de Macau, 1990.
Macau, Daniela Carvalho Faria e Eduardo Grilo, Primeira Impresão Ldª, Macau, sem data.

Já publicado em Milhafre

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