DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sábado, 15 de junho de 2013

                            
                               AMÍCAR CABRAL  
                                            
                                      LVIII

                     PIDJIGUITI


Na segunda metade do século XX, a opinião pública, interna e internacional, tornou-se um fator importante para a propaganda dos povos que travavam guerras de guerrilha. As notícias de massacres em regiões remotas geravam emoções no mundo inteiro. Fortaleciam internamente a oposição aos governos que conduziam guerras impopulares e criavam condições favoráveis ao incremento do apoio externo aos movimentos de libertação. Aconteceu assim com as matanças de My Lai, no Vietname, em 1968 e de Wiriyamu em Moçambique, em 1969. A Guiné-Bissau teve também um massacre emblemático, ainda que de proporções menores. Aconteceu no porto de Pidjiguiti, em Bissau, a 3 de agosto de 1959.
Os estivadores reivindicavam aumentos salariais. Tinham visto as suas pretensões satisfeitas por diversos estabelecimentos comerciais, mas a Casa Gouveia, sucursal da CUF, então administrada pelo historiador António Carreira, cabo-verdiano da ilha do Fogo, recusou ceder. Os estivadores responderam com a greve.
O patrão-mor chamou os trabalhadores à capitania, para serem identificados. Três deles foram levados pela PIDE para as oficinas navais.
Os ânimos aqueceram e a revolta subiu de tom. Os estivadores tentaram libertar os seus colegas detidos. A polícia encerrou os portões e pediu reforços. Um marinheiro terá ameaçado um agente da autoridade e foi agredido por ele. Estabeleceu-se a confusão. Os cerca de cem trabalhadores, quase todos manjacos, receberam à pedrada os reforços policiais que se abeiravam do cais. Vieram também militares e civis portugueses. O tiroteio começou. Ficaram muitos homens caídos no chão.
As partes não se entenderam quanto ao número de baixas. Para o Comando Militar da Guiné, «do lado dos grevistas, há a contar 7 mortos e cerca de 20 feridos e 20 prisioneiros». O Comando da Defesa Marítima refere «nove marítimos mortos, 16 feridos, um dos quais é o chefe da polícia, e 23 presos». Alguns dos grevistas feridos acabaram por falecer.
O PAIGC, no ano seguinte, acusou os portugueses de terem abatido a tiro meia centena de trabalhadores guineenses em greve. Aristides Pereira, em carta a Lúcio Lara, fala em 24 mortos e 35 feridos. Com maior ou menor número de vítimas, a notícia da matança correu mundo e prejudicou a imagem internacional do governo de Lisboa.  
Na greve de Pidjiguiti não havia motivações políticas. Os trabalhadores do porto tinham razões de queixa e a questão podia e devia ter sido resolvida mediante negociações. A situação agravou-se devido à impreparação dos agentes policiais que recorreram desnecessariamente ao uso das armas de fogo.
No dia do massacre, Amílcar Cabral estava em Luanda. Teve conhecimento da situação pelos jornais no dia seguinte, durante o voo de regresso a Lisboa. Fez, como lhe competia, o aproveitamento político do incidente, acabando por associar simbolicamente o massacre de Pidjiguiti à fundação do PAIGC.


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