DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 15 de novembro de 2015


GIL EANES E A ESCRAVATURA


A questão da escravatura continua a ser abordada com algum pudor nos países que a praticaram.
Portugal, que fez dela um comércio em larga escala, foi também um dos primeiros países do mundo a decretar a sua abolição. Não a introduziu em África.  A escravatura fez parte da tradição cultural e da prática de vida de povos de todos os continentes e era já corrente entre os hebreus dos tempos bíblico. Persistiu até aos nossos dias. A Mauritânia apenas a aboliu em 1981.
Será conveniente enquadrar a escravatura na história do nosso processo colonial. A Expansão Portuguesa começou pelas expedições de marinheiros algarvios à costa africana, em busca de proveitos comerciais. A conquista de Ceuta e o ataque a Tânger, em que estiveram envolvidos centenas de navios e milhares de homens, são testemunhos do interesse da Coroa Portuguesa em meter lanças em África, mas têm pouco a ver com os esforços bem mais modestos, em moeda, em tripulações e em navios que levaram à exploração progressiva do litoral africano quase deserto, cada vez mais para sul. Neste contexto, a passagem do Cabo Bojador abriu as portas à exploração de toda a costa ocidental africana. Dali até ao Cabo da Boa Esperança, onde confluem o Atlântico e o Índico, não existem outros obstáculos significativos à navegação costeira.


O Bojador está situado na costa do Saara, numa área atualmente controlada pelo Reino de Marrocos. Ali, os recifes e os bancos de areia prolongam-se por muitas milhas mar adentro, impedindo a passagem das embarcações. O fracasso de tentativas sucessivas de o transpor e as naus e as vidas que nelas se perderam fizeram-no entrar no imaginário dos portugueses como símbolo do medo e da morte no mar.


Em 1434, Gil Eanes, de Lagos, comandou quinze homens que partiram numa barca de trinta toneladas com uma única vela redonda e navegaram para sul, com a costa africana à vista. Note-se que a embarcação tinha tonelagem muito inferior à das caravelas e não dispunha de velas latinas. Provavelmente, teria também menor calado, o que poderia ser um fator importante na travessia dos baixios. 

Quando se aproximou do Cabo, o capitão rumou para oeste, até longe da costa. Terá navegado durante um dia inteiro. Quando deu com um mar tranquilo, Gil Eanes inverteu o rumo para sudeste, até ter de novo a costa próxima. Percebeu então que havia dobrado o Bojador.


O lado escuro da história é que Gil Eanes, um herói nacional, regressou várias vezes à costa africana para capturar escravos. Caçavam mouros desprevenidos que eram depois vendidos em Lagos, num terreiro que ficava em frente às portas da vila. Julga-se que o Infante D. Henrique esteve envolvido no início desse tráfico.
Encontram-se historiadores que questionam as motivações atualmente apresentadas para a Expansão Portuguesa. Para eles, a necessidade de alargar a fé e o império era pulsão corrente na época e nós, partidários duma visão economicista do passado, deixamos de ser capazes de a entender. Certo é que os escravos foram, desde sempre, uma das grandes fontes de rendimento das colónias portuguesas em África.


De um modo geral, os negreiros portugueses não capturavam escravos. Compravam-nos a quem os tinha apanhado.
No século XVI, a região onde se situa hoje a Guiné-Bissau passou a ser dominada pelo reino do Gabu. Os reis de Gabu vendiam escravos aos portugueses, que os exportavam para as Américas. A região chegou mesmo a ser chamada Costa dos Escravos. Portugal recorreu a alguns destes cativos para povoar as ilhas de Cabo Verde, desabitadas em 1456, altura em que Diogo Gomes as descobriu.
A partir do final do século XIV, a exploração da costa africana tornou-se rentável para os nossos marinheiros e mercadores. No século seguinte iniciou-se a colonização, de forma bem modesta. 


Foram construídos alguns entrepostos comerciais fortificados para residência permanente, os quais serviam também de pontos de apoio à navegação costeira. Chamavam-lhes feitorias. A primeira foi a de Arguim, fundada na região do Cabo Branco, em 1448. O Castelo de S. Jorge da Mina, construído em 1482 na costa do atual Gana, no local onde se situa agora a cidade de Elmina, viria a constituir a mais importante instalação comercial portuguesa na zona Equatorial de África. A atividade comercial consistia na troca de trigo, tecidos, cavalos e conchas (zimbo) por ouro, marfim e escravos.
 No ano seguinte à construção da feitoria de S. Jorge da Mina, Diogo Cão chegou ao rio Zaire.
 No século XVI, os portugueses começaram a estabelecer também feitorias na costa da Guiné, no litoral ou junto aos braços de mar. Nasceram assim as povoações de Cacheu, S. Domingos, Farim, Bissau, Geba, Bolola, Rio Grande de Buba e posteriormente, Bolama, Bolor e Bafatá. Os comerciantes vendiam pólvora, tabaco, aguardente e quinquilharia. Do começo do século XVI às duas primeiras décadas do século XIX, adquiriam sobretudo escravos.
O tráfico de seres humanos foi praticado por nacionais de vários países europeus, incluindo Portugal, durante perto de três séculos.


       O grande Marquês de Pombal decretou o seu fim, na Metrópole e na Índia, em fevereiro de 1761. Foi preciso esperar quase cem anos para que a medida se estendesse ao continente português. Os escravos do Estado foram libertados em 1854 e os da Igreja, que também os tinha, em 1856. Foi apenas em fevereiro de 1869 que a escravatura foi abolida em todo o império português, e ainda assim com exceções até 1878. No Brasil a abolição da escravatura foi também um processo gradual que teve início na convenção assinada entre o Brasil e a Inglaterra em 1825 e culminou na Lei Áurea de 1888.

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