DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 28 de maio de 2013


                   AMÍLCAR CABRAL

                           XLV

 MOVIMENTOS NACIONALISTAS DA GUINÉ E DE CABO VERDE

               A CONQUISTA DA LIDERANÇA




É comprida a lista dos movimentos, uniões e partidos criados para promover as independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. A multiplicidade ilustra a euforia de uma época em que a epidemia das nacionalidades atingiu os melhores intelectuais africanos. Havia muita gente com ambição de vir a ocupar lugares de relevo nas terras de origem, na região equatorial da África. 
O tempo pôs à prova todas estas organizações. Umas tantas desapareceram. Outras adaptaram-se, associaram-se e sobreviveram. A História fez a seleção. A ajudar a tecer a História esteve cedo a mão de Amílcar Cabral. Conversou, persuadiu, conspirou, deu passos adiante e atrás, sem nunca perder de vista os objetivos que perseguia.
Tentaremos pôr alguma ordem nesse enredo complexo. Já referimos algumas organizações independentistas de tendência pan-africana, como o CEA, o MDCP, o Movimento Unitário Anticolonial (MAC) e a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas (FRAIN). Passamos a enumerar os movimentos, frentes e partidos que pretendiam a independência de Cabo Verde e da Guiné. Poderão faltar alguns na nossa lista.


     BNGB – Bloco dos Nativos da Guiné-Bissau, 1965.
     BDG – Bloco Democrático da Guiné, 1965.
     FUL – Frente Unida de Libertação, 1962.
   FLING – Frente de Libertação para a Independência da Guiné. Chefiada por Henry Labery, foi fundada em Dakar em 1963 e resultou da aliança da UPG com o MLG (Dakar), UNPG, MLG (Bissau), RDGA e UPLG.
     FNLG – Frente Nacional de Libertação da Guiné, liderada por Ibraima Djaló.
     MLICV – Movimento de Libertação das Ilhas de Cabo Verde.
     MLG (Bissau) – Movimento de Libertação da Guiné.
     MLG (Dakar), chefiado por François Mendy.      
     MLGCV – Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde.
    PAI – Partido Africano para a Independência.
    PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Em Conakry, o PAI acrescentou duas letras à sua sigla para se diferenciar doutro partido senegalês com o mesmo nome e passou a chamar-se PAIGC.  
     PDG – Partido Democrático da Guiné Portuguesa, dos mandingas de Farim.  
     O PELUNDENSE, dos manjacos de Pelundo.
  RDAG - Reunião Democrática Africana da Guiné (provavelmente uma secção da RDQ).
     UDC – União Democrática Cabo Verdiana, fundada em 1959.
     UNGP – União dos Naturais da Guiné Portuguesa, fundada em 1963.
     UPG – União das Populações da Guiné, fundado em 1958.
     ULPG – União Popular de Libertação da Guiné, fundada em 1963.
     UPICV – União das Populações das Ilhas de Cabo Verde.
     URGP - Union des Ressortissants de Guinée Portugaise.

Eram muitas as organizações e demasiados os protagonistas. Houve abraços, separações, intrigas, calúnias, convergências e desentendimentos.
     Por volta de 1961, não parecia claro para muitos o rumo a dar a uma Guiné-Bissau liberta do domínio português. O território do país estava encostado ao Senegal e à Guiné-Conakry. Havia, naturalmente, os partidários da união ao Senegal, como o MLG (Dakar), maioritariamente constituída por manjacos, e os que se pretendiam juntar a Conakry, como o MLGCV. A UNGP, liderada por Benjamim Pinto Bull, defendia a autonomia em ligação com Portugal. Em 1963, os seus representantes seriam expulsos da conferência constitutiva da Organização da Unidade Africana, acusados de traírem a África.       
       Algumas dessas frentes e movimentos foram fundados pelo próprio Cabral. Aconteceu assim com o MLGCV (Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde), criado em 1959, em Dakar, a partir do MLG. Destinava-se a marcar lugar face a outras organizações existentes e a disputar os apoios internacionais.
Oficialmente, o PAIGC foi fundado em Bissau, em 1956. A data, os intervenientes e as circunstâncias são discutíveis. Pouco importa. As nações precisam de mitos e os mitos não se compadecem com imprecisões de datas.
Seria o MLG de Dakar o primeiro a desencadear a luta armada, no norte da Guiné, a 17 de julho de 1961.
Após uma reunião em Dakar com Rafael Barbosa, Amílcar Cabral redigiu o Programa e os Estatutos do PAIGC. Simultaneamente, Cabral assumiu a direção do MLGCV, com estruturas tanto em Dakar como em Bissau. O MLGCV, que para alguns continuava a ser apenas MLG, era necessário, uma vez que o PAIGC não estava ainda implantado no território guineense.
Voltaram a acentuar-se as divergências entre cabo-verdianos e guineenses no seio do MLG–MLGCV. Ocorreu uma cisão e foram feitas denúncias à PIDE. Vários militantes foram presos e o MLG ficou debilitado. O mal de uns é o bem de outros. A implantação do PAIGC ficou facilitada. O partido desenvolveu-se, primeiro em Bissau e depois no interior, em boa parte devido ao trabalho clandestino de Rafael Barbosa. Entre novembro de 1960 e março de 1962, Barbosa fez distribuir no interior do território milhares de panfletos e aliciou cerca de meio milhar de jovens para a escola de quadros que o PAIGC abrira em Conakry.
Amílcar Cabral tinha uma noção clara da importância da unidade para a luta de independência e multiplicou os esforços destinados a consegui-la. Preocupava-o sobremaneira a existência de organizações étnicas. Ouçamo-lo:
       A maior asneira que se podia fazer na nossa terra seria criar na Guiné partidos ou movimentos na base de etnias, o que era um meio bastante bom, não só para o inimigo nos dividir ainda mais, durante a luta, mas também para garantir a sua vitória; a destruição da nossa independência, depois da luta, como os camaradas têm visto em alguns países africanos.
Muitas iniciativas tomadas no sentido da unidade falharam. Os movimentos sediados em Dakar ainda estavam mais divididos que os que se tinham instalado em Conakry.
Em marco de 1961, Cabral propôs a realização em Dakar de uma conferência das organizações nacionalistas da Guiné e de Cabo Verde. Dois meses depois, foi possível reunir uma comissão preparatória da conferência. Estiveram representados, além do PAIGC, o MLGC (Dakar), o MLGCV ( Conakry) e o MLGCV (Zinguinchor). A conferência teve lugar entre 12 e 14 de julho. Foi nela criada a Frente Unida de Libertação (FUL), que pouco tempo iria durar. Sobre ela, escreveria mais tarde Amílcar Cabral:
        Quando o nosso Partido entrou em contacto com o exterior do país, a partir de 1960, sentiu que havia gente da nossa terra, quer da Guiné, quer de Cabo Verde, que tinha criado os chamados movimentos fora da terra. 0 nosso Partido teve que fazer uma concessão, teve que dar um passo atrás na sua ideia de só um Partido e nada de frente, para ver se juntava aquela gente, para lutar pela independência da Guiné e Cabo Verde. Por isso mesmo é que, por um lado, fizemos uma chamada Frente com o Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde que estava em Conakry mas que os nossos próprios camaradas criaram já ligados ao PAIGC, e com o Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde que estava em Ziguinchor. Resolvemos lançar um apelo para a unidade de todos os Movimentos de Libertação da Guiné e Cabo Verde. O PAIGC chamou todos aqueles que diziam que eram movimentos para nos unirmos. Fizemos uma conferência em Dakar com o então Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde, que estava em Dakar e que englobava tanto guineenses como cabo-verdianos, no qual estavam fulanos que vocês conhecem; não vale a pena torná-los importantes citando os seus nomes aqui. Para essa conferência também foi esse movimento de Ziguinchor e o Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde que estava em Conakry, assim como o PAIGC representado por alguns dos seus membros. Tudo isso foi fundamentalmente uma concessão da nossa parte, uma tática, para vermos o que é que aquela gente queria de fato, qual era a sua intenção, até que ponto estavam engajados na luta a sério e se de fato queriam lutar ou se queriam apenas arranjar lugares. Praticamente, nós é que fizemos a conferência toda. Levamos documentos bem preparados, e eles, encarregados de preparar a conferência, nem sequer tinham ainda feito o programa. A conferência foi feita de fato, com a assistência das autoridades senegalesas, com a assistência do camarada Marcelino dos Santos, representando a CONCP, e de outras entidades. O ponto de vista do nosso Partido foi defendido com força pelos seus representantes, apoiados pelos movimentos de libertação da Guiné e Cabo Verde de Conakry e Ziguinchor. Claro que o objetivo dos de Dakar não era fazer a unidade, era o de acabar com o PAIGC; essa é que era a sua ideia e, quando viram que não era possível, aceitaram todas as resoluções apresentadas na Conferência. Mas logo a seguir começaram a sabotar.
Os países vizinhos e a OUA exerceram as suas influências procurando a unidade. Os instrumentos mais poderosos de pressão eram de índole financeira. Foi-se criando consenso em redor da ideia de fazer depender a ajuda internacional dos resultados obtidos no terreno. Nesse sentido, foi criada uma missão de “Bons Ofícios”, integrada por representantes da República da Guiné, Senegal, Argélia, Congo-Leopoldville e Nigéria. Deveria analisar a situação de todos os movimentos de libertação das colónias portuguesas e aconselhar os que deveriam ser apoiados.
A missão de “Bons Ofícios” virou-se primeiro para Angola e considerou a FNLA o único movimento que merecia ajuda. O MPLA ficaria de fora até 1968.
Em Julho de 1963, ao saber da aproximação daquela missão, Amílcar Cabral mandou abrir nova frente de luta no norte do território. Serviria para combater, fora da Guiné, a influência da rival FLING. Esta frente também não perdeu tempo. Valia tudo, na luta pelo dinheiro vindo de fora. Apressou-se a divulgar comunicados em que reivindicava uma série de ataques às forças coloniais. Felizmente para os militares portugueses, a maioria dessas ações armadas ocorreu apenas no papel.
O PAIGC estava em boas condições para ser reconhecido. Era ele quem fazia quase todo o esforço de guerra contra Portugal. No entanto, o conflito da Guiné interessava aos países limítrofes. Enquanto o Senegal apoiava a FLING, a Guiné-Conacry protegia o PAIGC. O conselho de ministros da OUA acabou por não reconhecer qualquer das organizações.
Amílcar Cabral desistiu de vez da criação de frentes e fez o PAIGC seguir o próprio percurso. A opção revelou-se adequada. A unidade possível (e suficiente) realizou-se através da luta armada. Todas as outras organizações ficaram pelo caminho. Apenas em 1965, quando a OUA enviou uma missão militar em visita às zonas controladas pelos guerrilheiros no interior do território guineense, o PAIGC receberia o apoio formal das nações de África. 

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