DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sábado, 11 de maio de 2013


                                     
                 AMÍLCAR CABRAL

                         XXX 

   AS ORIGENS. A INFÂNCIA NA GUINÉ




      Amílcar Cabral nasceu em Bafatá, na colónia portuguesa da Guiné, a 12 de Setembro de 1924. Era filho de Juvenal António Lopes da Costa (Cabral) e de Iva Pinhel Évora. No registo de nascimento está escrito Hamílcar. O pai conhecia e apreciava os clássicos. Seria admirador dos generais cartagineses.
     Juvenal Cabral ficou órfão muito cedo. O avô de Amílcar terá sido assassinado. Juvenal acompanhou a madrinha Simoa quando ela se mudou para Portugal e viveu em Santiago de Cassuarães, na Beira Alta, durante alguns anos. Estudou no seminário de Viseu. Por dificuldades económicas, regressou a Cabo Verde em 1905, com dezassete anos. Em 1911, com 23 anos, emigrou para a Guiné, à procura de trabalho.
      Iva Pinhel Évora mudou-se para a Guiné em 1922, com 29 anos de idade. Viajou acompanhada do filho de 9 meses, Ivo Carvalho Silva, e do pai dele, João Carvalho Silva.
     A relação dos pais de Amílcar não foi exclusiva nem duradoura. Juvenal foi um povoador. Teve numerosos filhos (provavelmente mais de onze) de Ernestina Soares de Andrade, três de Iva Pinhel Évora e pelo menos um (Luís Cabral) da única mulher com quem casou oficialmente, Adelina Rodrigues Correia.
     Juvenal Cabral foi professor sem habilitações e funcionário administrativo adaptado. Para sustentar a família, deu aulas em Geba e noutras localidades e exerceu as funções de “subdelegado do Procurador da República e Procurador Judicial autorizado pelo Governador”, o que equivaleria mais ao menos ao papel de solicitador, tendo chegado a publicitar no Boletim Oficial da Guiné a sua disponibilidade para receber procurações para representar e defender as partes nos processos que corriam na Circunscrição de Bafatá. Paralelamente, seria proprietário de uma loja em Geba, a qual estaria em nome de Ernestina.
      Ensinando em Geba, deslocava-se com frequência a Bafatá para tratar de processos e fiscalizar o negócio. Aí conheceu Iva Pinhel, em 1922 ou em 1923. Terá aberto outra loja em nome dela.
      Juvenal Cabral tinha ideias próprias e gostava de escrever. Publicou diversos artigos e um livro intitulado «Memórias e reflexões». As suas opiniões políticas eram muito diferentes das que haveriam de ser assumidas anos mais tarde pelo filho Amílcar. Juvenal não se opunha ao Estado Novo salazarista. Criticava o sistema agrícola das ilhas e defendia reformas em Cabo Verde e na Guiné, mas dentro de um contexto de Portugalidade. Num artigo saído no jornal «A Voz de Cabo Verde» homenageou a intervenção do “herói” português Teixeira Pinto na guerra contra os papéis de Bissau, o que provocou em Bolama a ira dos elementos da Liga Guineense.      
     Juvenal passou alguns meses em Cabo Verde em 1926. Viajou com Ernestina e todos os filhos dela. Julga-se que a viagem visava encerrar a ligação de ambos. De regresso à Guiné, Juvenal terá passado a estar mais tempo com Iva, de quem teve, em 1927, duas filhas gémeas, Armanda e Arminda.
      Amílcar Cabral viveu na Guiné do nascimento até aos oito anos. Terá estado com a mãe em Bafatá de 1924 a 1927, enquanto o pai morava em Geba, e mais tarde em Geba, de 1927 a 1929, supostamente com a mãe e com o pai. Passou depois cerca de um ano em Cabo Verde, na companhia da mãe e das irmãs. Há documentos que demonstram que esteve na cidade da Praia em 1929. O pai e a mãe, nessa data, já se teriam separado. Juvenal Cabral casou com Adelina Rodrigues Correia em fevereiro de 1930.
      Amílcar voltou à Guiné com o pai e dois irmãos, enquanto a mãe permanecia em Cabo Verde. Iva não foi capaz de se manter na terra natal. Por “dificuldades de adaptação”, regressou à Guiné em 30 ou 31. Segundo Luís Cabral, partilhou a casa em Bissau com Juvenal e a sua nova família.
       Os tempos de Bissau (um ou dois anos) foram difíceis. O miúdo Amílcar vendia numa taberna coisas que a mãe fazia.
      Amílcar Cabral parece ter guardado poucas memórias da infância passada na Guiné natal. Pelo menos, nunca escreveu sobre ela.


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