DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 14 de maio de 2013


                       
                AMÍLCAR CABRAL

                       XXXIII
                 
        A ALIMENTAÇÃO DAS TROPAS


Diz Sanchez Antunes que, em Bissau, era fácil encontrar ostras, a vinte pesos a travessa (O peso valia um pouco menos que o escudo metropolitano). Eram acompanhadas por cerveja ou whisky com água de Perrier, a cinco pesos a dose. Havia também Coca-cola, importada da Holanda.
Guardo ideia das rações de combate que tive ocasionalmente de consumir em Mafra, durante o Curso de Oficiais Milicianos, e lembro-me de ter pensado que seria desconfortável ter de me alimentar assim, dias ou semanas a fio. Rumei, porém, para outras bandas e tive uma alimentação privilegiada. Nos teatros de operações da guerra colonial, as rações de combate do exército português eram preparadas à base de enlatados, para não se deteriorarem até serem abertas: feijão com chouriço e presunto, bifinhos, atum, cavala, sardinha, leite com chocolate ou condensado em bisnagas, marmelada, sumos de fruta, pastilhas de café solúvel e comprimidos de sal, a que chamavam “toni-hidratantes” O sal destinava-se a compensar o que era perdido pela transpiração no clima quente e húmido da Guiné. A dada altura, a água não chega para matar a sede. É necessário adicionar-lhe cloreto de sódio.
Curiosamente, pouco do que os nossos combatentes consumiam era produzido na Metrópole. O leite e a carne vinham da Holanda e da Rodésia, o sumo de laranja de Inglaterra, a fruta em calda de Angola e os comprimidos de sal do Brasil. Os militantes do PAIGC alimentavam-se essencialmente de arroz, mas tinham também acesso às rações de combate. Deviam apreciá-las tanto como nós. Ocasionalmente, encontravam-se embalagens de produtos alimentares oriundos da Suécia e de Cuba.
O rancho foi detestado, julgo que uniformemente, por todos os exércitos de que há história. O arroz, de proveniência geralmente local, era o acompanhamento de quase todos os pratos. O conduto era o que se podia conservar durante algum tempo e variava pouco: carne de porco e de vaca, chouriço, fiambre enlatado, chispe, salsichas, dobrada desidratada. Havia massa e feijão, mas as batatas tinham de levar conservantes para não se estragarem. Não chegava fruta metropolitana fresca e os soldados tinham de contentar-se com peras e pêssegos enlatados. Em contrapartida, o caju torrado pelos negros em panelas de ferro, ao fim da tarde, exalava um odor quase irresistível.
Em geral, o pão era cozido a lenha e tinha boa qualidade.
A limitação dos produtos disponíveis colocava grandes questões à imaginação dos cozinheiros. Uma vaca, um leitão, um cabrito, ou até um par de galinhas, umas vezes negociadas e outras vezes roubadas, proporcionavam aos militares pequenos festins. As gazelas caçadas eram sempre bem-vindas.
Entre os comerciantes de carne, encontravam-se os “gilas”, que negociavam tanto com os guerrilheiros como com os militares portugueses. As vacas que transportavam no dorso o material para o PAIGC eram vendidas aos nossos soldados nas viagens de regresso.
A população vivia do arroz. Entre os balantas, eram as mulheres que descascavam o arroz ao pilão e que depois o joeiravam. Encarregavam-se também da pesca. Apanhavam ostras, caranguejos e peixes pequenos que secavam ao sol antes de os comer. Nas povoações maiores havia bares improvisados que serviam caranguejo e camarão da bolanha acompanhados por cerveja.
Procurava-se que as populações locais produzissem mais que o necessário para o próprio sustento, com a garantia de que a tropa compraria os excedentes, mas não se conseguiam grandes resultados. Para além do arroz das bolanhas, cultivavam junto às cubatas alguns pés de milho e de amendoim (mancarra). A cinza das fogueiras era usada como adubo.

Sem comentários:

Enviar um comentário