CONTOS DE HERTOGENBOSCH
O OVO
Olhamos o Jardim
das Delícias.
Serão perto de
uma dúzia os homens nus que saem da água e se acotovelam para entrar no ovo de
casca quebrada. O ovo é descomunal. A ave que o pôs deve ter o tamanho de um
grande avião de passageiros. Ainda assim, não sei se caberão todos lá, por mais
que se apertem.
Vão apressados. Quererão
resguardar-se de olhares estranhos para se dedicarem ao sexo em grupo.
Existem outras
explicações possíveis, mas parecem improváveis. Os jovens não pretendem escapar
da borrasca, pois não há nuvens no céu. Aliás, molhados já eles estão. Não
fogem de crocodilos nem de tubarões, porque não existem naquelas águas.
Não haverá
mulheres atraentes no interior do ovo. Mesmo que as houvesse, duvido de que esses
moços se interessassem por elas. Tão pouco parecem pretender regressar ao útero
materno.
Será a música
que os chama? A sereia não é. Arranjou outro entretenimento.
Poderá estar a
começar um combate de galos. Eram espetáculos muito apreciados na Flandres, na
época em que Bosch viveu.
Alguém lá dentro
terá anunciado a abertura de um barril de cerveja fresquinha.
Quem terá
quebrado o ovo? Acho que foi o artista, com um dos seus pincéis. Não creio que
tenha sido o pássaro novo a sair.
O melhor será
calar a imaginação e abrir os ouvidos. Se escutarem com cuidado, darão por um
grito que se repete:
− Lá dentro há
bons cus!
Por vezes, a
primeira impressão que nos chega é a certeira. É a carne que os chama. Estão a
organizar uma orgia homossexual.
Que se cuidem!
Os demónios entretêm-se a semear armadilhas nos caminhos dos homens. Quem sabe se
o ovo não constitui uma entrada dissimulada para o painel da direita?
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