OS CONTOS DE HERTOGENBOSCH
INTRODUÇÃO
Dando corpo a uma ideia já antiga,
elaborei uma vintena de textos inspirados na pintura de Jerónimo Bosch. A
maioria reveste a forma de conto, geralmente muito curto. Uns poucos não contêm
enredos minimamente trabalhados. Constituem apenas reflexões sobre as
impressões visuais recolhidas.
O trabalho que apresento é uma
homenagem a um dos pintores cujas telas mais me tocaram, ao longo da vida.
Julgo que a perenidade da sua obra é indiscutível. É também o pintor favorito
de um dos meus sobrinhos-netos.
Jeroen (Hieronymus) van Anken,
nasceu no Ducado de Brabante em 1450 e viveu 56 anos. Assinou alguns trabalhos
como Bosh, abreviatura do nome da sua terra natal, Hertogenbosh. É conhecido
entre nós como Jerónimo Bosh. Os espanhóis chamam-lhe “El Bosco”.
Os seus quadros testemunham uma
imaginação prodigiosa. Será o primeiro dos artistas fantásticos. O que chama a
atenção do observador que admira a sua obra é a representação pictórica do
pecado e do medo escondidos no fundo das almas dos seus contemporâneos.
Estranhamente, é este visionário quem melhor representa a pintura renascentista
da Flandres do início do século XVI.
O artista foi beber aos pesadelos próprios e alheios, à simbologia dos alquimistas e aos textos sagrados apocalípticos. Recolheu impressões das iluminuras manuscritas e inspirou-se em esculturas presentes em igrejas da região. Criou figuras complexas, originais e difíceis de entender.
Produziu os seus melhores
quadros à volta do ano 1500. A Idade Média e os seus pavores ainda estavam
próximos. Algumas das figuras que pintou, fantásticas e diabólicas, por vezes
com vestes religiosas, refletem esses medos.
Muitos atribuem a Bosh
intenções moralizantes. Alguns críticos consideram-no um arauto dos valores
éticos da pequena burguesia em ascensão na Flandres. O grupo social em que se
inscrevia, laborioso e equilibrado, considerava que os pecadores eram tolos ou
doidos e que os pobres o eram muitas vezes por culpa própria.
Mostrar os horrores do inferno
facilitaria a escolha dos caminhos do céu. É certo que as catedrais antigas
exibem gárgulas com aspeto demoníaco. No entanto, Bosh gasta-se mais na
descrição do Mal que na promoção do Bem. Para ele, a tolice e o pecado fariam
parte da natureza humana. Há quem diga que se limitou a apontar factos,
desistindo de dar conselhos.
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