DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

 


            OS CONTOS DE HERTOGENBOSCH


          INTRODUÇÃO



Dando corpo a uma ideia já antiga, elaborei uma vintena de textos inspirados na pintura de Jerónimo Bosch. A maioria reveste a forma de conto, geralmente muito curto. Uns poucos não contêm enredos minimamente trabalhados. Constituem apenas reflexões sobre as impressões visuais recolhidas.

O trabalho que apresento é uma homenagem a um dos pintores cujas telas mais me tocaram, ao longo da vida. Julgo que a perenidade da sua obra é indiscutível. É também o pintor favorito de um dos meus sobrinhos-netos.

Jeroen (Hieronymus) van Anken, nasceu no Ducado de Brabante em 1450 e viveu 56 anos. Assinou alguns trabalhos como Bosh, abreviatura do nome da sua terra natal, Hertogenbosh. É conhecido entre nós como Jerónimo Bosh. Os espanhóis chamam-lhe “El Bosco”.



Os seus quadros testemunham uma imaginação prodigiosa. Será o primeiro dos artistas fantásticos. O que chama a atenção do observador que admira a sua obra é a representação pictórica do pecado e do medo escondidos no fundo das almas dos seus contemporâneos. Estranhamente, é este visionário quem melhor representa a pintura renascentista da Flandres do início do século XVI.

O artista foi beber aos pesadelos próprios e alheios, à simbologia dos alquimistas e aos textos sagrados apocalípticos. Recolheu impressões das iluminuras manuscritas e inspirou-se em esculturas presentes em igrejas da região. Criou figuras complexas, originais e difíceis de entender.

Produziu os seus melhores quadros à volta do ano 1500. A Idade Média e os seus pavores ainda estavam próximos. Algumas das figuras que pintou, fantásticas e diabólicas, por vezes com vestes religiosas, refletem esses medos.

Muitos atribuem a Bosh intenções moralizantes. Alguns críticos consideram-no um arauto dos valores éticos da pequena burguesia em ascensão na Flandres. O grupo social em que se inscrevia, laborioso e equilibrado, considerava que os pecadores eram tolos ou doidos e que os pobres o eram muitas vezes por culpa própria. 

Mostrar os horrores do inferno facilitaria a escolha dos caminhos do céu. É certo que as catedrais antigas exibem gárgulas com aspeto demoníaco. No entanto, Bosh gasta-se mais na descrição do Mal que na promoção do Bem. Para ele, a tolice e o pecado fariam parte da natureza humana. Há quem diga que se limitou a apontar factos, desistindo de dar conselhos.


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