DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sábado, 11 de março de 2017


CARLOS NUNES PINTO

TAMEGÃO


XXV



“O que parece, às vezes engana.”

Quase tudo era fácil em Angola. Até mesmo mudar de casa. Ou porque os alugueres eram baratos ou, simplesmente, porque o capricho das esposas brancas prevalecia.
− Hoje vi uma casa bonita, com duas palmeiras no quintal.
O marido só responde:
− Hum…
Meses mais tarde:
− Temos que mudar de casa. Os pássaros que fazem ninhos nas palmeiras cagam o chão todo.
− Hum… − dizia o marido.
Esta reação dos homens compreendia-se. Não eram eles que carregavam a tralha toda. Bastava-lhes dar uma ordem ao capataz:
− Arranja homens e vai mudar as coisas da casa velha. Toma lá estas duas chaves. Esta é da velha e a outra é da nova.
Lá iam numa camioneta.
Tamegão, desta vez, quis ajudar.
Durante uma das mudanças, João de Sousa foi ver como estavam a correr as coisas.
Viu Tamegão descer as escadas do primeiro andar transportando, a muito custo, um faqueiro daqueles que se ofereciam sempre nos casamentos. Cansado, mas de verdade, pousou-o em cima duma mesa que ainda ali estava e pediu:
− Senhor João, eu pode abrir esta caixa?
− Podes.
Quando viu tantas colheres, pequenas e grandes, tantos garfos e facas, se admirou.
− Eh, patrão, é para quê essas ferramenta toda?
− Não vês que é para a gente usar quando come?
− Precisa assim? Os pretos só precisa uma.
− Fazem sempre falta, Tamegão.

− Por causa que é o preto que carrega. Quando era o senhor João, um garfo só chega.

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