DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017


 TAMEGÃO


CARLOS NUNES PINTO


VI

“ O pilão transforma em pó o sabor do milho maduro”


Já a chuva estava a cheirar, era preciso começar a cavar o arimbo, não muito fundo, para não magoar a terra.
O milho que estava guardado na quinda ia-se misturar com a água e dar lindas maçarocas. Grande era o milagre das chuvas.
Depois, era só ouvir o tum-tum do pilão. O milho se transformava no pirão nosso de cada dia.
Vi chegar o padre Carlos.
− Bom dia, Tamegão.
− Bom dia, senhor padre.
− Estas terras agora estão muito bonitas – tudo verde.
− As mulheres pintaram assim – respondeu o Tamegão.
− Tens razão, mas olha que há mais alguém que as ajuda a plantar.
− Não, senhor padre. Aqui os homens não ajuda. Quem ajuda é só a chuva.
− E quem é que faz a chuva?
− Parece que é a água, senhor padre.
−Um dia destes, hás de entender… Bem, vou andando.
Já o padre ia um pouco distante quando ouviu o Tamegão perguntar;
− É Deus?
Padre Carlos estancou.
− Afinal, tu sabes que Deus existe?
− O menino me falou que tem um Deus num lugar que ninguém lhe vê.
Mais tarde, padre Carlos ralhou comigo.
− Então, andas pelos quimbos a falar do Senhor?
− É pecado, senhor padre?
− Acaba com isso! Cada vez os confundes mais.
A medo, eu ainda disse:
− O senhor padre sabe que o Tamegão também faz milagres?
− Cala-te!

− Foi ele que me disse que plantou esses arimbos todos de verde, que as mulheres só ajudaram. Acreditei, porque vi a chuva pintar de verde o castanho queimado do chão.  Não me venha o senhor padre dizer que ali não há dedo do Tamegão. Talvez seja o sexto, não sei…



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