DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 19 de fevereiro de 2017


TAMEGÃO

CARLOS NUNES PINTO


XV

“ Recensear para os brancos é contar as pessoas, para mim é contar as almas “


−Tamegão, você tem que ir no recenseamento, já lhe avisei na semana passada – disse o sipaio.
− Tá bem, eu hoje vai.
Vestiu a camisa branca das festas e foi direitinho à Administração.
Estava uma grande fila, colocou-se no fim.
Reparou que estava ali um senhor branco que punha um número no peito das pessoas, depois espreitava para dentro de uma caixa preta, apertava um botão e dizia: já está!
Chegou a vez do Tamegão. O mesmo ritual. Depois do “já está”, Tamegão foi conduzido para outra mesa, onde o Chefe do Posto perguntou:
− Como te chamas?
− Tamegão.
− Tamegão quê?
Não entendeu, o chefe teve de lhe explicar.
− Tens de dar dois nomes. Se tem aqui outro Tamegão como é que a gente sabe que você não é o outro?
Ficou mais confuso.
− Neste mundo só tem um Tamegão.
− Diz lá, Tamegão… qualquer coisa.
− Quarquer – Coisa eu não gosta.
− Se queres ficar sem coisa nenhuma, pronto, podes ficar!
− Tamegão Sem- Coisa- Nenhuma ainda é pior.
− Então, em que ficamos?
− Fica só Tamegão.
Assim ficou, como sempre foi.
− Sabes escrever?
− Sei, sim senhor – mentiu.
− Então, assina aqui o teu nome.
Tamegão desenhou uma bola grande e outra mais pequena lá dentro.
− Já estás com a mania dos brancos que assinam com a marca do gado? Para a semana passa por cá, que já está tudo pronto.
Nessa tarde, fui visitar o Tamegão.
− Onde é que foste de manhã?
− Nesse tal de recenseamento. Me perguntaram se sabia escrever o meu nome e eu escreveu.
− Como foi que fizeste isso?
− Eles queria dois nomes, eu assinou uma bola grande com uma mais pequena lá dentro.
− O que é isso quer dizer?
− Bola grande sou eu, bola pequena é o Menino. Agora eu ficou “Tamegão Carlitos”.




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