DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 5 de fevereiro de 2017


TAMEGÃO


CARLOS NUNES PINTO


VIII


  “A manga tira da árvore o cheiro a terra molhada.”

− Bom dia, Tamegão.
− Olá, Luana.
Luana trazia à cabeça uma quimbala carregadinha de mangas pintadas de amarelo doce, apanhadas nas árvores do caminho. Mangas de serra-a-baixo, de todos e de ninguém.
Perguntou: 
−Vais vender no comboio?
Luana olhou para o Sol, acertou o seu tempo e disse:
− Eu vai já, o comboio está quase a chegar.
Partiu, com o seu corpo bamboleante. As saias esvoaçavam ao vento, desenhando-lhe os contornos.
Tamegão só desviou o olhar quando ela desapareceu para lá da primeira curva do carreiro.
Ingrato era o negócio de Luana. Sempre, mas mesmo sempre, quando se anunciava a partida do comboio, alguns passageiros oportunistas fingiam procurar dinheiro em todos os bolsos. Entretanto, o comboio começava a deslizar, esmagando os carris e, com eles, as moedas.
Caíam lágrimas daquele rosto, sempre que a última carruagem se escondia para além da curva. Dentro dela seguiam também as moedas guardadas em sacos de raiva e de revolta.
Depois, regressava à realidade. Na loja, trocava as sobras da quimbala por arroz, farinha ou pão.
Os poucos angolares que conseguia dava-os ao seu homem, que logo os transformava em vinho
Quando, à noite Saparalo voltava a casa, já alegre, todo se convertia em abraços e beijos, dados devagarinho, para os miúdos não acordarem.

Depois, sim o vinho que lhe corria nas veias transformava-se em poesia. 

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