DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 9 de julho de 2013

                    
                                 AMÍLCAR CABRAL 

                                                LIII 

  LUÍS CABRAL, ARISTIDES PEREIRA, VASCO CABRAL 


No cimo da hierarquia política do PAIGC posicionaram-se três nomes de apelido “Cabral”: Amílcar, Luís e Vasco. Com eles trabalharam Aristides Pereira e Pedro Pires.

Luís Cabral e Agostinho Neto com Fidel Castro

Luís de Almeida Cabral, meio-irmão de Amílcar foi, por virtudes próprias, um dos dirigentes mais importantes do PAIGC. Viria a ser o primeiro presidente da Guiné-Bissau.
Nasceu em Bissau em abril de 1931. Era filho de Juvenal Cabral e da única mulher com quem ele casou oficialmente, Adelina Rodrigues Correia.  Contabilista, empregou-se em Bissau na Casa Gouveia, uma sucursal da C.U.F.
Já depois do massacre de Pidjiguiti, mudou-se para a vizinha Guiné-Conakry. Sete anos mais novo do que Amílcar, cresceu politicamente à sombra do seu carismático irmão. Foi cofundador do PAIGC, numa data que os historiadores oficiais gostam de fixar em 1956, mas que ocorreu provavelmente alguns anos mais tarde. 
Em 1963,  dois anos depois de ter fundado, em Conakry, a União Geral dos Trabalhadores da Guiné (UNTG), entrou para o Comité de Luta. Após o congresso de Cassacá, quando as seis Zonas de guerrilha foram substituídas por três frentes com chefias mistas, militar e política, Luís Cabral associou-se a Francisco Mendes no comando na Frente Norte.
Em 1965, foi nomeado para dirigir o conselho de Guerra. Em 1967, foi encarregado da administração do partido e das suas relações internacionais.
 Em Agosto de 1971, foi eleito para o secretariado permanente do Comité Executivo da Luta, com a responsabilidade de reconstruir as "zonas libertadas" pelo PAIGC na guerra pela independência. Eleito deputado à A.N.P. pelo círculo de Bissau em 1971, assumiu, nesse mesmo ano, a direção da luta na Frente Norte. 
Após o assassinato de Amílcar Cabral, a liderança do PAIGC foi entregue a Aristides Pereira, com o ramo guineense controlado por Luís Cabral. Em julho de 1973, no segundo Congresso do PAIGC, Luís Cabral foi eleito secretário-geral adjunto do partido.
 Quando o PAIGC declarou unilateralmente a independência da Guiné, em setembro de 1973, ficou a presidir ao Conselho de Estado. 
     No ano seguinte, após o 25 de abril e o reconhecimento formal da independência da Guiné por parte de Portugal, tornou-se o primeiro presidente da Guiné. Note-se que a independência de Cabo Verde foi reconhecida apenas em 1975.
O pós-guerra foi difícil na Guiné-Bissau. Uma plêiade de combatentes magníficos nada sabia fazer sem as armas na mão. A guerra reduzira a pouco a já frágil estrutura económica do território. Os quadros disponíveis eram cabo-verdianos e mal aceites pela população local. Apesar da ajuda internacional, a incompetência e a corrupção iam tomando parte do País. A verdade é que os colonos faziam falta.
A utopia da ligação fraterna entre a Guiné e Cabo Verde chegou ao fim com certa naturalidade. Em novembro de 1980, Luís Cabral foi deposto, num golpe de estado sem derramamento de sangue, pelo seu primeiro-ministro e antigo chefe das forças armadas, João Bernardo (Nino) Vieira. O ex-presidente foi acusado de abuso do poder e condenado à morte. Uma das acusações era a responsabilidade pela execução de milhares de militares africanos que tinham lutado ao lado de Portugal. Eram quase todos guineenses. Acabou por ficar 13 meses em regime de prisão domiciliária, antes de ser autorizado a deixar a Guiné.
Viveu em Cuba de 1981 a 1983. Tentou regressar a Cabo Verde, mas as várias cartas que escreveu a Aristides Pereira a manifestar essa intenção ficaram sem resposta. O governo português, com o apoio do Presidente Ramalho Eanes, ofereceu-lhe asilo político em Lisboa. 
Luís Cabral chegou no começo de 1984. Após a queda de Nino Vieira, ainda esteve na Guiné por um curto período de tempo. Viria a morrer em Torres Vedras, em maio de 2009.



Aristides Maria Pereira nasceu na ilha de Boavista, em Cabo Verde, em 1923 e foi colega de Amílcar Cabral no liceu Gil Eannes. Aos vinte e cinco anos, emigrou para a Guiné-Bissau e empregou-se como técnico radiotelegrafista. Começou cedo a sua atividade política nacionalista, procurando organizar a contestação urbana ao poder colonial. Reencontrou Amílcar, já engenheiro, em Bissau e ajudou a fundar o Partido Africano da Independência (PAI), que mais tarde se transformaria no PAIGC.
Após o congresso realizado na tabanca de Cassacá, assumiu a direção política da Frente Sul, em parceria com Nino Vieira. Aproximadamente na mesma altura, foi nomeado secretário geral-adjunto do partido. Ocupou o cargo até à morte de Cabral. No II Congresso do PAIGC, sucedeu-lhe, como secretário-geral.
A independência de Cabo Verde ocorreu a 5 de julho de 1975 e Aristides Pereira foi empossado como Presidente do novo País. Acumulou essas funções com as de secretário-geral do partido durante 16 anos. Pedro Pires foi sempre o seu primeiro-ministro.
Ao longo desse tempo, a equipa governativa teve de enfrentar algumas crises políticas. Em 1977 ocorreu uma tentativa de revolta contra o Estado e foram presos alguns cidadãos. No final da década de setenta, ocorreu a cisão entre “históricos” e “trotskistas” no seio do PAIGC. Em 14 de novembro de 1980, o golpe de estado de Nino Vieira pôs termo ao PAIGC como partido de duas nações e o braço cabo-verdiano passou a chamar-se PAICV. No ano seguinte, deu-se a crise da reforma agrária na ilha de Santo Antão.
O ano de 1989 ficou ensombrado pela morte de Renato Cardoso. Cardoso, licenciado em Direito em Lisboa e cristão protestante, era um homem brilhante. Apesar de ser bem mais socialista que marxista, foi conselheiro do primeiro-ministro e desempenhava, na altura da sua morte, as funções de Secretário de Estado da Administração Pública. Não alinhava nem com os “históricos” nem com os “trotskistas” do “grupo de Lisboa”. A seu pedido, foi recebido por Aristides Pereira na véspera da sua morte e revelou que receava ser preso. O Presidente não terá levado a sério as suas preocupações. O assassínio ocorreu a 29 de setembro de 1989. O crime nunca foi desvendado e os seus autores (ou autor) permanecem impunes.
A direção de Aristides Pereira caracterizou-se por uma política externa de não-alinhamento face às grandes potências mundiais, com uma certa aproximação à China e à Líbia. Internamente, procurou melhorar as condições de vida dos camponeses. O essencial da política do governo cabo-verdiano durante este período foi exposto por Leston Bandeira na sua biografia de Pedro Pires. Pôs-se em prática o projeto antigo de reter a água das chuvas e deu-se início a um programa de reflorestação. Cresceram as áreas de regadio. A ajuda alimentar internacional não era distribuída gratuitamente pelas populações, sendo os produtos introduzidos no mercado e o produto das vendas convertido num “Fundo de Reconstrução Nacional” que pagava as obras públicas do país.
Segundo Vicente Lopes, Aristides Pereira era introvertido, austero e reservado. “Aristides Pereira não tinha grandes veleidades ideológicas. Era um chefe de família e provavelmente dirigia Cabo Verde nessa perspetiva”. As suas características pessoais e a “cautela e reserva” com que acompanhava o processo político terão evitado que “o regime aqui em Cabo Verde se tornasse tão extremista como em Angola, Moçambique, Guiné e São Tomé”.
Em fevereiro de 1991, o regime democratizou-se e tiveram lugar as primeiras eleições presidenciais. Aristides foi derrotado por António Mascarenhas Monteiro, candidato apoiado pelo MDP que vencera já as eleições legislativas. Encerrada a sua carreira política, Aristides Pereira mudou-se para Portugal.
Em 2003, publicou o livro “O Meu Testemunho. Uma Luta, Um Partido, Dois Países”, em que fala da sua experiência durante o período da luta armada e ao longo do exercício da função presidencial em Cabo Verde.
Faleceu em Coimbra, em setembro de 2011.



Vasco Cabral não é familiar de Amílcar nem de Luís. Trata-se de uma coincidência de nome. Nasceu  em Farim, na Guiné Portuguesa, em 1926. Estudou na Universidade Técnica de Lisboa. Foi militante do MUD juvenil, um movimento unitário de oposição à ditadura fascista, fortemente influenciado pelo PCP.
Em 1949, colaborou ativamente na campanha de Norton de Matos, candidato da Oposição antissalazarista à Presidência da República Portuguesa. Em 1950 concluiu o curso de Ciências Económicas e Financeiras. Em 1953 participou, em Bucareste, no IV Festival Mundial da Juventude. Foi preso pela polícia política salazarista, ao regressar a Lisboa. Esteve encarcerado no Aljube e em Caxias e só foi libertado cinco anos mais tarde.
Militante comunista, Vasco Cabral passou à clandestinidade em 1961. No ano seguinte, o Partido Comunista Português (PCP) organizou uma fuga coletiva de estudantes anticoloniais. Vasco Cabral embarcou com Agostinho Neto rumo a Tânger. Foi depois ao encontro de Amílcar para se juntar ao PAIGC e lutar pela independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Terá sido um dos teóricos do PAIGC. De acordo com alguns testemunhos, manteve, ao longo da vida certa ligação ao PCP.
Não se opôs ao golpe de Nino Vieira. Foi Ministro da Economia e Finanças, Ministro da Justiça e Vice-Presidente da Guiné-Bissau. Teve ainda tempo para dedicar à poesia, alinhando com a escola neorrealista corrente na sua época. Publicou, em 1981, o livro “A Luta é a minha primavera” que reúne seis dezenas de poemas escritos entre 1951 e 1974. Foi fundador da União Nacional de Escritores da Guiné-Bissau.
 Faleceu, em Bissau, em 2005.

         ONDE ESTÁ A POESIA?

A poesia está nas asas da aurora
            quando o sol desperta.
A poesia está na flor
             quando a pétala se abre
             às lágrimas do orvalho.
A poesia está no mar
            quando a onda avança
            e branda e suavemente
            beija a areia da praia.
A poesia está no rosto da mãe
            quando na dor do parto
             a criança nasce.
A poesia está nos teus lábios
             quando confiante
             sorris à vida.
A poesia está na prisão
            quando o condenado à morte
            dá uma vida à liberdade.
A poesia está na vitória
            quando a luta avança e triunfa
            e chega a Primavera.
A poesia está no meu povo
             quando transforma o sangue derramado
             em balas e flores
             em balas para o inimigo
             e em flores para as crianças.
  A poesia está na vida
             porque a vida é luta

                Vasco Cabral

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