DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

AGOSTINHO FORTES



Tem-se falado, neste blogue, de Agostinho da Silva, um pensador singular da nossa terra. Hoje, vou lembrar outro Agostinho, dotado de um talento diferente.
Agostinho Morais Fortes era um cabo-verdiano escuro. Nasceu em Santa Maria, na Ilha do Sal, numa família com certo prestígio. Finda a instrução primária, foi estudar para o Mindelo. 
Apesar do seu interesse crescente pela música, revelou-se um aluno suficientemente aplicado para terminar o curso do Liceu sem perder anos. Durante os tempos do Mindelo, deu nas vistas pela sua habilidade para o desporto, mas foi ali que conheceu músicos e se fez músico. Numa expressão feliz, Elsa Rodrigues dos Santos apelida de "dionísica" a cultura de Cabo Verde, que exalta a alegria, a música, o vinho e o amor. Agostinho Fortes iria percorrer a vida acompanhado pelo violão.
Trabalhou no Sal, durante alguns anos, como desenhador. Ingressou depois no Serviço Meteorológico. Integrou o "Conjunto de Cabo Verde", que incluía outros músicos notáveis e que gravou diversos discos de grande circulação em Portugal. 
A dada altura, resolveu prosseguir os estudos. Para tal terá contribuído o exemplo do seu irmão Albertino, que estava a terminar o Curso de Medicina. Como o Serviço Meteorológico estava ligado ao Instituto Geofísico da Universidade de Coimbra, mudou-se do Sal para a cidade do Mondego. 
Ali, segundo a esposa, dividiu o tempo entre o trabalho, o estudo e a música. Do estudo, nunca dei conta. No trabalho, acompanhei-o algumas noites, quando interrompia as farras para cumprir meticulosamente os horários de recolha dos dados meteorológicos no Instituto Geofísico.  Tive o privilégio de o ouvir, repetidamente, tocar e cantar. Dizia, quem sabia mais de música do que eu, que, na mestria da viola, apenas era ultrapassado, em Cabo Verde, pelo lendário B. Leza. Zeca Afonso gabava-lhe a destreza da mão esquerda. Embora não fosse cantor, o Agostinho tinha uma voz doce e expressiva, de quem é capaz de sonhar e de fazer sonhar. Decorreram três dezenas de anos e ainda guardo no ouvido a suavidade das suas interpretações de algumas mornas e do brasileiro "Sereno da Madrugada".


O talento invulgar para a música e o decorrente jeito para encantar senhoras obstaram a que se dedicasse mais aos livros. Casou com a doce Bernardette, de quem teve o Júlio e o Cândido. Tivera antes filhos de outras mulheres.
A Bernardette era amiga do peito da minha São. Foi assim que nos aproximámos. 
Agostinho Fortes era um homem vertical, gentil, firme e estabilizador. Quantas vezes deitou água nas fervuras que se iam levantando nas noites de Coimbra?


Para não dizer apenas bem dele e de mim - porque os homens a sério têm todos defeitos -  vou relatar um episódio que aconteceu durante um passeio que fizemos à Praia de Mira, num automóvel emprestado pelo meu irmão Fernando. Julgo que íamos só os dois casais. Pelo menos, não me lembro de termos levado as crianças, que não caberiam todas no Mini. À hora do almoço, comemos bem e bebemos melhor. 
A minha experiência de condução era, à data, limitada. Eu estacionara o carro num pátio a que se tinha acesso por um portão. À entrada, tudo correu bem mas, à saída, parecia que os pilares se haviam aproximado. Pedi-lhe ajuda para orientar a manobra. O Agostinho, solícito como sempre, foi dando instruções:
- Um pouco mais para a direita... Assim, está bem.
Eu tinha as minhas dúvidas
- Achas que passo?
- Avança à vontade...
Avancei e devolvi o carro ao meu irmão com um belo risco na porta do lado do pendura.
A cultura dionísica prende e o Agostinho, no regresso a Cabo Verde, continuou a viver como nos tempos de Coimbra. Visitei-o no Mindelo anos após a ataxia severa que o atingiu bruscamente e o impediu, para sempre, de tocar violão. Mesmo no infortúnio, sempre amparado pela Bernardette, continuava a ser um cavalheiro animoso, digno e cordial.


Fotografias:
1- O Agostinho, comigo e com o Néne.
2 - O Agostinho com a minha filha Cláudia.
3- Os nossos filhos mais velhos, o Júlio e a Marisa.

sábado, 23 de julho de 2011

O MAR DA JUVENTUDE


Fui procurar umas fotografias e encontrei outras. Acontece...
Nem todos os trezentos e muitos dias que passámos a bordo do Gil Eannes foram duros. Sobrou tempo para brincadeiras.


Já lá vão quarenta anos e a juventude fugiu-nos. Que me perdoe o Capitão Mário Esteves por ter feito mau uso do seu casaco de gala!


Que nos perdoe o Padre Capelão Magalhães, esteja lá onde estiver, pelo "empréstimo" da sotaina! 



Ao Manuel Barros Pereira, se me ler, envio um abraço grande. 
Não sei onde arranjaste a carapuça vermelha, mas ficava-te a matar. E não sei, mas desconfio, de que te ajeitavas bem a confortar as beatas...




O tempo não perdoa. O Gil Eannes, tal como nós, reformou-se, cansadinho de navegar. Atracado em Viana do Castelo, tornou-se Museu e Pousada de Juventude.



sexta-feira, 22 de julho de 2011

PASSAGEIRO






          A madrugada vem.
          Nada há para festejar:
          falta outra maçã no pomar da existência.


          Que versos direi no fim?
          Restam-me sonhos pequenos
          e a voz tropeça.


          Ouço o vento,
          retalhado
          por asas de andorinha.


          Os passos que faltam
          são fáceis de contar.


          Há que partir
          para o lago que baralha as recordações,
          onde o amanhã é negado.


          A embarcação aguarda o passageiro único
          e este cais não sabe de chegadas.





sábado, 9 de julho de 2011

BILHETES DE AGOSTINHO DA SILVA

O decaedela retoma a divulgação dos "Bilhetes" que George Agostinho da Silva fez publicar no jornal "África" entre Junho e Setembro de 1990. 
Renovo pessoalmente ao Leston Bandeira os agradecimentos pela conservação e disponibilização dos textos. Ao jeito modesto de Agostinho da Silva, os escritos vão fazendo parte do nosso património cultural
O Bilhete apresentado hoje data de Junho de 1990. O pensador volta a pôr em causa a oportunidade da nossa Expansão. O seu raciocínio ágil e a sua forma muito pessoal de comunicar são bem aparentes. 
António Trabulo



BILHETE

Vamos dizer que o primeiro que se lembrou de tal foi o Velho do Restelo naquela sua praia sem tempo, logo passando a dúvida, ou certeza já em sua própria cabeça, ao Alexandre Herculano que havia de nascer para nós alguns séculos depois, talvez Portugal tivesse feito bem em não navegar, em não exercer nos Oceanos aquele seu amor da vida e da experiência, aquele desejo do desconhecido, aquela matemática elementar que lhe podia dar a posição do navio, o que tudo junto havia de substituir a ciência que ultrapassou Aristóteles, e quem sabe se ao que se devia dedicar não era realmente ao aperfeiçoamento da sua economia de comunidade, do seu regime monárquico coordenador de municípios republicanos, daquela sua preferência pela educação na vida e pela vida, formuladora de sabedorias adaptáveis ao variado do real, não de filosofias que num instante o superam e, finalmente, a levar ao máximo aquele seu instinto, ou memória genética, de que o Divino deve ser adorado na sua plenitude e não personalizado, para nos dar confiança na organização do mundo e consolação quando ele nos agride; assim guardando o tesouro do futuro, enquanto outros se lançariam ao conhecimento do globo - mas como se lhes não era de carácter aquele indispensável bolinar que português realizava tão bem mesmo em terra e no comum quotidiano? Mas, fosse como fosse, a verdade é que navegaram, apesar dos lamentos de quem ficava no porto, e se serviu o mundo como nunca ninguém o serviu, embora isso do transporte do Império ao resto dos continentes, essa invasão dos Bárbaros pelo que vinha do Romano e do Judeu tivesse dado esta outra e nova Idade Média em que estamos metidos. Tendo-se, pois, navegado e tirado daí o proveito de se ter impelido para um futuro ecuménico o Oriente, a África e o Novo Mundo, exactamente o que hoje deveriam fazer com a Europa os sete da Língua, o que há a fazer agora, com todo o respeito pelo Velho, por Herculano e por todos que lhes têm ido nas águas, é renovar em termos modernos o que outrora se abandonou e tantos levou a emigrar, com o benefício, por exemplo, de se ter construído o Brasil, esboço de todo o pluriétnico e pluricultural mundo futuro, é retomar ... ... os cuidados com o sustento, o saber e a saúde das pessoas, aplicando-lhe o menos possível de recitas nossas, preferindo-se os alvitres delas e olhando objectiva e criticamente o que tudo resulta, sem nada exigirmos de governos e sem nos esgotarmos em vãos protestos.



sexta-feira, 8 de julho de 2011

ANGOLA - VISTOS DE TRABALHO



Os jornais e as televisões de Lisboa deram algum relevo, na semana passada, ao caso de um cidadão português "apanhado" no aeroporto de Luanda com três dezenas de passaportes de compatriotas nossos. As declarações da empresa responsável pelos trabalhadores indicaram tratar-se de um expediente para tentar obstar à reconhecida lentidão dos serviços consulares angolanos. 
Estive recentemente em Angola e pude constatar a eficiência e a simpatia do cartório notarial de Benguela e do Arquivo de Identificação de Viana. Terei tido sorte.
O caso presente configura uma tentativa de prolongar o trabalho ilegal de cidadãos portugueses em Angola. Os vistos de que dispunham eram de turismo. No entanto, o incidente serve de pretexto para questionar a política oficial do estado angolano em relação aos trabalhadores estrangeiros. Em Luanda, preferem chamar-lhes "expatriados".
Um visto de trabalho tem a duração de três anos e não é facilmente renovável. A expiração conjunta de um número considerável de autorizações pode reflectir-se no rendimento das empresas contratantes. Angola poderá ficar a perder com o prolongamento de obras. 
O governo angolano parece ter como objectivo manter, no seu território, a precariedade do trabalho dos não nacionais. Não os podendo dispensar, uma vez que o seu contributo continua a ser necessário para suprir as insuficiências locais de mão-de-obra, dificulta, com sanções económicas pesadas, a sua permanência após o termos dos vistos de trabalho.
Não passa pela cabeça de ninguém contestar a liberdade de qualquer estado soberano definir as suas leis laborais.
Olhando, porém, de longe a realidade das grandes obras angolanas(públicas e privadas), fica-se com a impressão de que aos empreiteiros chineses são dadas condições mais favoráveis do que à concorrência europeia e sul-americana. O argumento mais vezes esgrimido, o da formação profissional dos técnicos angolanos, parece ficar esquecido quando se trabalha com chineses.
Os trabalhadores portugueses e brasileiros, para falar dos que conheço melhor, decorridos os três anos de duração do visto de trabalho recebem um vigoroso pontapé no fundo das costas.
Segundo ouvi dizer, espera-se que um operário especializado "expatriado" trabalhe com um aprendiz angolano ao lado e lhe transmita, durante esse período de tempo, os conhecimentos necessários para que o natural de Angola possa depois continuar o trabalho sem ajuda externa. A meu ver, trata-se de uma falácia. As fragilidades do projecto são óbvias e variadas.
Nem todos os operários estão vocacionados para ensinar e é duvidoso que um trabalhador estrangeiro se disponha a contribuir para extinguir o próprio emprego mediante a formação de um substituto. Do lado discente, seria necessária a continuidade laboral e a disposição do aprendiz para aceitar os sacrifícios inerentes à profissão, em alternativa aos populares prolongamentos dos fins-de-semana.
Fico a pensar que a expectativa da formação profissional dos naturais dum País pelos trabalhadores estrangeiros remonta à época histórica dos cooperantes, quando as relações de trabalho seriam orientadas pela solidariedade internacional.
Não sei se alguma vez foi assim, mas estou certo de que agora não é. Todos os estados têm obrigação de criar estruturas e mecanismos que promovam a escolaridade e a formação profissional dos seus cidadãos. O futuro de uma Nação não se pode depositar em mãos de estrangeiros. A situação actual promove a perpetuação da carência de pessoal especializado e a necessidade de continuar a recorrer aos serviços dos indesejados técnicos "expatriados".

quinta-feira, 7 de julho de 2011

GRANDE PENALIDADE



Não conheço os números exactos para a taxa de concretização de penaltis com êxito. Palpita-me que andará pelos oitenta por cento. É comum ouvir dizer que apenas se defendem as grandes penalidades mal marcadas. 
Atrevo-me a imaginar que, na época em que as regras do Football Association foram fixadas, a técnica individual dos atacantes era muito inferior à dos profissionais de hoje.
Penso há muito que a marca de grande penalidade deveria recuar um metro, ou metro e meio, para que a taxa de êxito dos marcadores baixasse para cerca de cinquenta por cento. Emprestaria outra emoção aos castigos e talvez contribuísse para diluir a responsabilidade da decisão arbitral. Não me parece que a mudança viesse a afectar o espírito do jogo.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

RIVER PLATE



Por que não falar de futebol? Não é cultura? E, se não for, nós somos apenas cultura?
A recente descida do River Plate à segunda divisão argentina doeu a muitos habitantes de Buenos Aires. Lembro-me de ter estado em frente da sede do clube rival, o Boca Juniores, implantado num bairro de casas pintadas de cores berrantes. Alegadamente, a tinta sobrou ou foi desviada de navios em reparação.


Como todos os produtos do formigueiro humano, as equipas de futebol nascem, crescem e definham. Desconheço os problemas que estão na origem da decadência do clube dos ricos da cidade e, com a troika dentro das fronteiras portuguesas, tenho mais com que me preocupar. 
Olho para dentro. Temos menos de quatro vezes o número de habitantes da vizinha Espanha. As receitas da publicidade e, consequentemente, os proventos resultantes da venda de direitos de transmissão televisiva são muito inferiores. A venda de bilhetes para os jogos dá menos alegrias aos tesoureiros dos nossos clubes. 
A liga espanhola conta, na primeira divisão, apenas mais duas equipas do que nós. Quantos clubes portugueses poderiam competir em Espanha com algumas possibilidades de sucesso?
Não seria razoável reduzir a uma dúzia o número de equipas que disputam a Liga em Portugal? O calendário poderia manter-se sem grandes mudanças, desde que se passasse de duas para três voltas. A questão de quem iria jogar dentro ou fora do próprio campo na terceira volta seria resolvida por sorteio.
Os jogadores que vemos no nosso futebol são quase todos importados. Vêem-se equipas inteiras sem um português. Sucedem-se os apelos à limitação das importações, para facilitar o equilíbrio económico do País. Porque não aplicar o conceito ao futebol? Pelo menos as equipas das divisões inferiores poderiam recorrer a mais "produtos portugueses".

terça-feira, 5 de julho de 2011

PROMESSAS DE VIDA




Celestino Leston Bandeira vai publicar um livro de poemas a que chamou "Promessas de Vida". Leston Bandeira é jornalista com um currículo vasto, dividido entre o trabalho radiofónico e a imprensa escrita. Dirigiu, durante cerca de uma dezenas de anos, o jornal "África". 
O período aventuroso da sua vida, por altura da descolonização, foi adaptado por dois autores diferentes para a construção de personagens de romance. Quem ler a minha obra "Retornados" poderá reconhecer alguns passos do seu percurso. Do outro livro não falo, por não ter sido mandatado para tal...
Somos amigos de longa data (para nós, "longa data" quer dizer mais de meio século). Facultou-me a leitura prévia do seu trabalho.
Transparece, nos seus versos, o empurrão da História, que o mandou para onde não queria estar:

Hoje é o dia da desesperança
Do dia de amanhã.
A fatalidade de viver onde não conheço ninguém
E só identifico algumas árvores.

Leston Bandeira divide o seu livro em seis capítulos que intitula Caminhos Trilhados, No Topo da Montanha, A Solidão das Palavras, Promessa de Redenção, Um Homem Independente e Renato Cardoso. Os quatro últimos títulos são retirados de poemas que considera mais significativos ou a que pretende dar maior relevo. O texto não obedece à cronologia, abraçando versos escritos em alturas diferentes da vida. Muitos não são datados. Terão sido repensados ao longo dos anos. Entre os que têm o natal assinalado, o mais antigo remonta a 1977 e o mais recente a 2011.
1977, 1979, 1982 e 2010 foram os anos mais fecundos. Salta à vista, na sua obra, a urgência e a complexidade da comunicação que condicionou boa parte da sua vida.

A importância da palavra escrita
Abate-me.
O que eu preciso
É que bebam as minhas palavras
O que eu quero é escrever na alma da gente.

Tecnicamente, a escrita não deslumbra. O jornalista espreita sempre atrás do poeta. Há linhas de força que sobressaem e encantam, neste conjunto de poemas com fundo autobiográfico: a sinceridade, a intensidade dos sentimentos, o testemunho, a determinação, a revolta e o amor.
Fiquei com um poema nos olhos: "Um Homem Independente", que o autor dedica ao avô, é claramente o meu favorito.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O PEGO DO INFERNO AQUI TÃO PERTO...



Levei três dos meus netos ao Pego do Inferno, a sete quilómetros de Tavira. Situa-se no "barrocal" algarvio, na freguesia de Santo Estêvão. É um local aprazível e relativamente pouco frequentado pelos turistas lusitanos. Dificilmente será o português a língua mais ouvida junto à pequena cascata. O caminho segue, em parte, ao longo da Ribeira da Asseca. O passeio vale a pena. Contacta-se um Algarve diferente e pode nadar-se em água doce e límpida.