DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sábado, 9 de julho de 2011

BILHETES DE AGOSTINHO DA SILVA

O decaedela retoma a divulgação dos "Bilhetes" que George Agostinho da Silva fez publicar no jornal "África" entre Junho e Setembro de 1990. 
Renovo pessoalmente ao Leston Bandeira os agradecimentos pela conservação e disponibilização dos textos. Ao jeito modesto de Agostinho da Silva, os escritos vão fazendo parte do nosso património cultural
O Bilhete apresentado hoje data de Junho de 1990. O pensador volta a pôr em causa a oportunidade da nossa Expansão. O seu raciocínio ágil e a sua forma muito pessoal de comunicar são bem aparentes. 
António Trabulo



BILHETE

Vamos dizer que o primeiro que se lembrou de tal foi o Velho do Restelo naquela sua praia sem tempo, logo passando a dúvida, ou certeza já em sua própria cabeça, ao Alexandre Herculano que havia de nascer para nós alguns séculos depois, talvez Portugal tivesse feito bem em não navegar, em não exercer nos Oceanos aquele seu amor da vida e da experiência, aquele desejo do desconhecido, aquela matemática elementar que lhe podia dar a posição do navio, o que tudo junto havia de substituir a ciência que ultrapassou Aristóteles, e quem sabe se ao que se devia dedicar não era realmente ao aperfeiçoamento da sua economia de comunidade, do seu regime monárquico coordenador de municípios republicanos, daquela sua preferência pela educação na vida e pela vida, formuladora de sabedorias adaptáveis ao variado do real, não de filosofias que num instante o superam e, finalmente, a levar ao máximo aquele seu instinto, ou memória genética, de que o Divino deve ser adorado na sua plenitude e não personalizado, para nos dar confiança na organização do mundo e consolação quando ele nos agride; assim guardando o tesouro do futuro, enquanto outros se lançariam ao conhecimento do globo - mas como se lhes não era de carácter aquele indispensável bolinar que português realizava tão bem mesmo em terra e no comum quotidiano? Mas, fosse como fosse, a verdade é que navegaram, apesar dos lamentos de quem ficava no porto, e se serviu o mundo como nunca ninguém o serviu, embora isso do transporte do Império ao resto dos continentes, essa invasão dos Bárbaros pelo que vinha do Romano e do Judeu tivesse dado esta outra e nova Idade Média em que estamos metidos. Tendo-se, pois, navegado e tirado daí o proveito de se ter impelido para um futuro ecuménico o Oriente, a África e o Novo Mundo, exactamente o que hoje deveriam fazer com a Europa os sete da Língua, o que há a fazer agora, com todo o respeito pelo Velho, por Herculano e por todos que lhes têm ido nas águas, é renovar em termos modernos o que outrora se abandonou e tantos levou a emigrar, com o benefício, por exemplo, de se ter construído o Brasil, esboço de todo o pluriétnico e pluricultural mundo futuro, é retomar ... ... os cuidados com o sustento, o saber e a saúde das pessoas, aplicando-lhe o menos possível de recitas nossas, preferindo-se os alvitres delas e olhando objectiva e criticamente o que tudo resulta, sem nada exigirmos de governos e sem nos esgotarmos em vãos protestos.



Sem comentários:

Enviar um comentário