DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

segunda-feira, 23 de julho de 2018



O CAMINHO BRANCO


Poucas lembranças conservo dos tempos de meninice que passei em Foz Coa. Terá sido entre os dois e os quatro anos, ou pouco mais. Recordo vagamente a lagoa, que me parecia enorme, e lembro-me de usar calções com racha atrás, como os outros rapazitos. Eram especialmente úteis no tempo frio…
Sei, de ouvir dizer, que morávamos na Rua de S. Miguel. no prédio onde fica hoje a Terrinca. Contaram-me as minhas irmãs que, quando se varria a lareira, aparecia uma inscrição onde se lia “Aqui jaz”. A mentalidade pragmática dos humanos levava-os a reciclar qualquer material que fosse útil à construção.
Colaram-se-me ao espírito outras memórias, nascidas de narrações repetidas. Uma delas foi a lenda do Caminho Branco, onde dançariam as bruxas nas noites de terça e sexta-feira.
Não sou crente, o que me torna mais vulnerável à fantasia.
Há três dias, regressei a Foz Coa e perguntei pelo Caminho Branco a dois homens de meia-idade que conversavam à sombra, sentados num banco de pedra.
A resposta foi pronta:
− Fica perto. Vai por aquela rua (apontou-ma). Vira duas vezes à direita e uma à esquerda e já lá está.
Segui as instruções e encontrei-me no começo duma calçada larga, muito limpa, delimitada por muros de xisto que abrigavam prédios com olivais. Avistavam-se ao fundo casas novas.


Perguntei a uma moça jeitosa que passava por ali, de telemóvel na mão:
− Menina! É este o Caminho Branco?
A moça sorriu, admirada talvez pela minha ignorância.
− É sim. Vai dar às piscinas.
Guardou o sorriso e prosseguiu o caminho e a teleconversa.
Olhei em volta, um pouco a medo, mas não avistei bruxas, nem sinais delas. Na verdade, não era terça-feira e a meia-noite estava longe.


Voltei para o carro e conduzi em direção a Almendra, com a imaginação a baralhar-me os sentidos. E se aquela rapariga fosse bruxa e se juntasse ás outras nas terças-feiras à noite, para dançar nua no Caminho Branco?



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