António de Oliveira Salazar foi o único homem cuja morte festejei. Não me gabo disso. Ia nos 28 anos e não me libertara ainda de certa visão maniqueísta do mundo. Hoje, não celebraria a morte de ninguém.
Fiz uma festa, à noitinha, com o pessoal das máquinas, que era todo de Esquerda. Navegávamos a bordo do navio-hospital Gil Eannes, onde eu cumpria o serviço militar obrigatório.
Juntamente com o meu colega MBP, pressionámos o capelão para não rezar missa por Salazar. O padre era impressionável. Missa, tinha de haver, mas, durante a homilia, seguida por toda a frota bacalhoeira através dos altifalantes, o celebrante foi parco em elogios e parecia quase estar a pedir desculpa por rezar por aquela alma.
Muitos anos mais tarde, escrevi e publiquei O Diário de Salazar.
Os meus amigos de Esquerda acusaram-me de deriva direitista. Os meus poucos amigos de Direita lastimaram a ausência de encómios ao ditador.
Eu fiquei contente comigo, quando reli o livro.
Os homens públicos têm lado de dentro, e poucas coisas na vida são desenhadas em branco puro, ou em negro carregado. Balança quase tudo entre múltiplos tons de cinzento.
Salazar, de certo modo, inventou-se a si próprio, para poder liderar um Portugal desgastado pela insegurança dos últimos anos da Monarquia e de quase todos os da primeira República. Pôs habilmente de lado a questão do Regime e juntou os conservadores republicanos aos monárquicos. Estavam reunidas as condições para aparecer um Dom Sebastião sábio, seguro de si, incorruptível e alheio a dúvidas.
Governou ininterruptamente Portugal, de 1928 a 1968. Foi uma cadeira, e não uma revolução, quem o deitou abaixo.
Nenhum governo se aguenta tanto tempo sem ser apoiado pelas forças dominantes no País. Oliveira Salazar foi hábil em adivinhar tendências e em gerir equilíbrios.
Fernando Dacosta escreveu, no prefácio ao meu livro:
Salazar, um dos homens mais tristes, mais solitários que dirigiram o País, transformou o seu consulado no canto de cisne do seu gigantesco e secular império, soçobrado para sempre consigo.
O Portugal dele não existe mais, é uma ficção, um nevoeiro.
Curioso... também me «deu» para o Salazar; ainda que de um modo mais indirecto.
ResponderEliminarDe qualquer modo, e políticas à parte: fundamental para entender o presente em que estamos.
Abraço.
P. S. Ainda bem que aderiu ao «pássaro»... ;)