DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

                  

        LIÇÕES DA HISTÓRIA


Ando a melhorar o texto de uma palestra que proferi há cerca de ano e meio na Biblioteca da Ordem dos Médicos, em Lisboa, por ocasião do centenário da Gripe Pneumónica. A intenção é publicá-la, integrada num conjunto de trabalhos sobre História da Medicina que a Doutora Maria do Sameiro Barroso está a organizar.

Como tinha de ser, ocupei-me a rever a bibliografia.

Ontem, voltei a ler o artigo “Revisitar a pneumónica de 1918-1919”, publicado em 2018 por Laurinda Abreu e José Vicente Simões. Dada a relevância do conteúdo, cito aqui uma pequena parte, com a devida vénia aos autores.


Durante a Pneumónica, Portugal terá registado uma das maiores taxas de mortalidade na Europa (entre 9,8 e 22 por 1000 habitantes, consoante as diferentes estimativas), sendo este um dos indicadores que, obviamente, deve suscitar mais reflexão. A figura central do combate à epidemia de 1918 em Portugal foi, como bem se sabe, o diretor-geral de Saúde, Ricardo Jorge. Sendo conhecido o seu pensamento, não seria expectável que defendesse o encerramento das fronteiras e a instalação de lazaretos para organização de quarentenas. Tal como já tinha acontecido aquando do surto de peste que atingiu o Porto em 1899, Ricardo Jorge optou pelo isolamento dos doentes e por recomendações higiénicas e dietéticas. A questão fulcral é perceber porque terá sido tão grande o desaire demográfico português quando comparado com outros países que aplicaram disposições similares.


                                                        Ricardo Jorge

Quando se compara a reação governamental à crise de 1918 com a atuação perante as epidemias de cólera de 1884 e 1885, que fizeram pesadas baixas em Espanha e noutros países europeus e deixaram praticamente incólume Portugal, verifica-se uma mudança substancial de estratégia política. No primeiro caso, o governo de Fontes Pereira de Melo, ciente da debilidade do país e das suas próprias limitações em termos de saúde pública, agiu por antecipação e impôs um rígido controlo das fronteiras, marítimas e terrestres, e da mobilidade de pessoas e mercadorias, substituindo o saber médico pelo poder das armas dos militares. Em 1918, diferentemente, Portugal colocou-se ao lado dos países tidos como mais desenvolvidos e, como eles, procurou agir em função dos mais recentes conhecimentos médicos e preceitos higienistas – uma opção de política de saúde pública que, a avaliar pelos resultados, não foi porventura a mais adequada às circunstâncias do país.


                                                 Fontes Pereira de Melo

É assombroso constatar o modo como, por vezes, a História se repete e o seu conhecimento nos dá lições preciosas. Atravessamos dias negros, com algumas das piores taxas de morbilidade e mortalidade da Europa e mesmo do mundo. A resposta do governo português à pandemia de COVID 19 terá de ser bem menos tíbia. Já morreu gente demais.

 

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