FRANCISCO PRATAS
Há dúzia e meia de anos presidi, por um curto período de tempo, ao Núcleo de Poesia de Setúbal. Como seria de esperar numa associação daquele género, a qualidade dos poetas era bastante heterogénea.
Deram-me na vista os versos de Francisco Pratas, que me
pareceram seguidores da tradição da poesia popular portuguesa. Atento ao mundo que
o rodeia e às disfunções sociais, assertivo, crítico de costumes, Francisco
Pratas produziu uma extensa obra literária que continua inédita, no essencial. Anoto
aqui alguns dos seus poemas.
A AMIZADE
A amizade é um bem
De quem a dá e a tem
De um enorme valor,
Porque faz leve a alma,
Transmitindo uma calma
Conducente ao amor.
E o amor é capaz
De potenciar a paz
Geral e universal
De que o mundo precisa
Para fazer boa brisa
De tinhoso vendaval.
Se a colaboração
Vencer a competição,
O amor florescerá,
Para bem de toda a gente,
Até do delinquente,
Que o amor redimirá
Criemos um bom Sistema,
E o humano/problema
Amanhã deixa de ser,
Pois a pessoa é moldável
E o que tem de reprovável
A bom pode ascender.
VIVER BEM
Viver mais ou viver menos,
É matéria de somenos
Em termos de resultado,
Pois dois dias bem vividos
Valem mais que mil sofridos
Sem bons lá intervalados.
Donde há que fazer tudo
Para que o conteúdo
Da vida seja agradável,
Se possível, todo tempo,
Pois que já é contratempo
Um só dia detestável.
A dor física é terrível
E de doloroso nível
Também é a dor mental,
De forma que vale a pena
Manter luta não pequena
Por um conforto geral.
Evitar os conflitos
Que potenciem atritos
Duma qualquer natureza
É muito conveniente
Para dar vida contente,
Pois só essa tem beleza.
VIVER SOZINHO
Viver sozinho é duro,
E há que saber viver
Desse modo inseguro
Para equilíbrio haver.
Há que ter atividade
Física e ideal,
Para o processo geral
Manter a normalidade
Que dá tranquilidade,
E pensamento maduro
Que põe o cidadão puro
Para si e semelhantes,
Porque hoje, como dantes,
Viver
sozinho é duro.
Manter espírito livre
De elementos negativos,
A favor dos positivos,
Ameniza o declive
De quem isolado vive;
Donde há que empreender
Para vida sã se ter,
Porque a vida vale a pena
Muito mais se for serena,
E
há que saber viver.
Os convívios saudáveis
São uma obrigação
De quem não vive em vão;
E mistérios insondáveis
Não resultam agradáveis
Para vida com futuro
Em território seguro,
Dado que sem bom convívio
Aos males não vem alívio
Desse
modo inseguro.
Não há receitas gerais
Para uma vida boa,
Dado que cada pessoa
Têm traços especiais
Diferentes das demais,
Mas há todo um saber
Do que se pode fazer
Tido por boa medida,
A favor de humana vida,
Para
equilíbrio haver.
Francisco Pratas faz uso
de uma poesia rimada, alinhada habitualmente em quadras ou sextetos. Recorre
frequentemente às glosas. É sempre igual a si próprio. Julgo que os seus versos
se identificariam facilmente, mesmo que não os assinasse.
Aproveitando um poema que,
recentemente, me dedicou, propus-me publicar neste espaço um artigo sobre a sua
obra e pedi-lhe uma pequena nota bibliográfica. Poeta que é, forneceu-ma em verso. Apresento-a,
truncada.
Em
Alcácer nasci eu
Em mil nove e quarenta,
E anos tenho oitenta,
Sendo que me aconteceu
Ter feito todo o liceu,
Mas foi-se pelo postigo
O meu projeto antigo
Que era ser engenheiro,
E contar isto inteiro
Para tal, mais eu direi:
Fui trabalhador rural
E, fugido desse mal,
Lá pela CP andei,
Onde carris alinhei,
Mas da pequena panela
Por lá não me livrei dela...
Melhorei na Portucel
Tenho opinião formada
Sobre o que ouço e vejo
E sobre tudo versejo
Pondo a minha colherada
A favor do camarada...
E a partir daí sigo
Desfrutando do abrigo
Da consciência tranquila,
E é defender campo e vila.
Trata-se de um poeta que teve acesso à
cultura, ao contrário de António Aleixo, que ele tanto admira. A poesia de
Francisco Pratas está impregnada de espírito cívico e de sentido de intervenção
social.
SABER VOTAR
Sabe-se
que quem "não vota
Porque todos são iguais"
Vota em quem faz batota
Desde tempos ancestrais.
E assim os de má-fé
Estão sempre no poder,
Prejudicando até
Quem os anda a eleger.
É preciso ensinar
Gente a pensar por si,
Para desarmadilhar
Tantos logros por aí.
O Sistema em vigor
Desde que o tempo é tempo,
É tempo de lhe opor
Decisivo contratempo.
Contratempo que será
Pôr neurónios na cabeça
Dos que têm palha lá
Em que a lógica tropeça.
Sob livre pensamento,
Ninguém dará o seu trigo
A quem nem por um momento
Cultivou esse amigo.
É também um homem que envelhece com a
amargura de ver pouco reconhecido o seu talento peculiar. Francisco Pratas escreveu
quase 9 mil poemas curtos e publicou apenas um punhado deles, em revistas e
coletâneas. As condições atuais do mercado livreiro não auguram nada de bom.
Não poderá a Câmara de Alcácer do Sal, o
seu conselho de origem, patrocinar a publicação do essencial da sua obra? Erigir-lhe
um monumento, ou dar o seu nome a uma rua, anos após a sua partida, não o fará
mais feliz.
SUICÍDIO
Se eu
entrasse em sofrimento
Em permanente aumento,
Sem esperança de melhoras,
Preferiria morrer
A um penoso viver
De ocasos sem auroras.
Quisera aí ter coragem
De apressar minha passagem
Para estado pós vida,
Pois pessoa/vegetal
É bastante pior mal
Do que última guarida.
Que eu então fosse valente
Para deixar de ser gente
Pelas minhas próprias mãos,
Dado que tem valentia
Quem finda sua agonia
De padecimentos vãos.
Quem em
sofrimento arde,
É valente e não cobarde
Alijar-se desse estado,
Em vez de seguir vivendo
Um sofrimento horrendo
Sem nenhum bom resultado!
Um
abraço, amigo Francisco Pratas!
António
Trabulo
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