UM OLHAR SOBRE CAMÕES
“Camões” é o nome duma povoação galega. A família do poeta ter-se-á fixado no concelho de Chaves, antes de se mudar para Coimbra e, depois, para Lisboa.
Curiosamente, não se sabe quando e onde nasceu, nem onde estudou. A sua cultura excepcional não estava ao alcance de um auto-didacta. É provável que tenha frequentado a Universidade de Coimbra, a única do Portugal do seu tempo, embora não haja registos da sua passagem pela cidade. Sabe-se que tinha um tio padre, D. Bento de Camões, no Mosteiro de Santa Cruz. Na época, poucos nobres sabiam ler. Quem aprendia eram os judeus e os clérigos. Judeu, Camões não era. Terá pensado em ser padre.
Entre 1542 e 1545, andou por Lisboa.
Esteve em Ceuta por volta de 1549. Lá perdeu um olho, durante um cerco.
Em 1550 foi registado na Armada para embarcar para a Índia: Luís de Camões, filho de Simão Vaz e de Ana de Sá, moradores em Lisboa, na Mouraria; escudeiro, de 25 anos, barbirruivo, trouxe por fiador a seu pai; vai na nau de S. Pedro dos Burgaleses.
Ia assentado entre os homens de armas, mas não embarcou.
A ser verdade o registo, terá nascido em 1525. No entanto, as informações contradizem--se. Em 1551, segundo outra fontes, ainda estaria em Ceuta.
Dali voltou, por algum tempo, a Lisboa e à vida boémia.
No dia de Corpus Christi de 1552, lutou com Gonçalo Borges, “que tinha cárrego dos arreios do Rei” e feriu-o. Preso, foi libertado por carta régia de perdão, em Março de 1553: “é um mancebo e pobre e me vai este ano servir à Índia”.
À segunda, foi de vez. Camões embarcou, semanas mais tarde, na Armada de Fernando Álvares Cabral. Foi registado como “gente de guerra, escudeiro”, e recebeu 2400 réis, como os demais.
Viveu diversos anos em Goa, e aí escreveu boa parte de “Os Lusíadas”. Integrou várias expedições militares.
Em 1556 foi para Macau, onde continuou a escrever. Numa das suas viagens, naufragou na foz do rio Mekong. A sua companheira chinesa, a quem noutros poemas chamou Dinamene, faleceu nesse naufrágio. Nasceu então a cacofonia mais famosa da língua portuguesa:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Pede a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Luís de Camões regressou a Goa em 1560 e foi preso por dívidas.
De volta a Portugal, terá passado dois anos na ilha de Moçambique, “tão pobre que vivia de amigos”. Onde terá Camões conhecido a escrava Bárbara? Enquanto se demorou na ilha de Moçambique, sem dinheiro para pagar a passagem até à Pátria, ou nas ruas de Lisboa?
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar...
Diogo do Couto encontrou-o em Moçambique e pagou-lhe a viagem de regresso a Portugal. Camões embarcou na nau Santa Clara. À chegada, em Abril de 1570, teve de esperar em Cascais que fosse aberta a barra de Lisboa, encerrada devido à peste.
Publicou “Os Lusíadas” em 1572. Foi-lhe concedida uma tença de 15.000 réis. Paga com irregularidade e, provavelmente, mal administrada, não o livrou da miséria.
Luís Vaz de Camões ainda assistiu, em 1580, à partida do exército de D. Sebastião rumo a Alcacer Quibir. Faleceu, pouco tempo depois, numa casa de Santana, em Lisboa, sendo enterrado em campa rasa.
As suas ossadas estarão depositadas no mosteiro dos Jerónimos. Contudo, o terramoto de 1755, ao deitar abaixo a igreja de Sant`Ana, próxima do actual Campo dos Mártires da Pátria, misturou os despojos. Ninguém pode garantir que os restos mortais transportados para o belo jazigo do Mosteiro sejam mesmo os seus. Provavelmente, já antes do terramoto seriam difíceis de localizar. A verdade é que tanto dá...
Praticamente ignorado em vida, Camões tornou-se muito depressa um dos símbolos da identidade lusitana. A união de Portugal e Espanha sob os Filipes deu novo alento ao nacionalismo português. As edições de “Os Lusíadas” repetiram-se.
O diplomata e escritor espanhol Valera escreveu, séculos depois, que “Os Lusíadas son el mayor obstáculo à la fusion de todas las partes de esta Península. Camões se levanta entre Portugal y España qual firme muro, más difícil de derrubar que todas las plazas y los castillos todos”.
A colonização portuguesa foi diferentes da restantes. A vocação universalista e o entendimento do “outro” que se esconde sob uma pele de cor diferente, são características nossas. Não foram os portugueses que inventaram os mulatos, mas foram quem mais os produziu.
Já no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, publicado em 1516, D. João Manuel cantara “uma escrava sua”. Talvez por não abundarem as Natércias nas paragens que frequentou, Camões parece ter-se apaixonado, pelo menos, por uma chinesa e por uma negra.
Amou-as e cantou-as. Não tenho conhecimento de poemas de amor desta grandeza dedicados por europeus a mulheres de outras raças. Luís de Camões fê--lo durante o século XVI. Se outros contributos não tivesse dado à cultura mundial, estes sonetos e estas endechas bastariam para que se fosse da lei da morte libertando.
Referências:
Dicionário de Literatura. Direcção de Jacinto do Prado coelho. Figueirinhas, Porto, 1992.
Lírica de Camões, Círculo de Leitores, 1972.
Wikipedia.
Imagens:
Lírica de Camões
Gravura de Eduardo Malta
Internet
Também publicado em Milhafre
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