DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O DIA EM QUE DEUS COMEÇOU A DESMONTAR O MUNDO










ESTE LIVRO É CONSTRUÍDO


SOBRE DOIS MODOS
ADVERSOS

DE OLHAR O MUNDO





Como lágrimas que escorrem por um dos lados do rosto e não sabem do sofrer da outra face, há rios que deslizam por vertentes opostas da mesma montanha. Cada um entende apenas a sua encosta.
Os homens gostam de nomear as coisas. Poderemos chamar a um Rio dos Brancos e ao outro Rio dos Negros. África será a designação da cordilheira que os separa e une.
As correntes seguem trajectos com algum paralelismo. Os caudais aproximam-se, uma vez por outra. Tocam-se, mas não juntam as águas.
O primeiro ponto de vista é o de quem partilha as crenças tradicionais africanas e se apercebe da ocorrência de mudanças, lentas mas definitivas, no modo de encarar as relações com os vivos e com os antepassados. O segundo é o do missionário que propaga, em Angola, a sua fé e participa, de certo modo, no processo colonial.
A dada altura da viagem, os personagens que dão voz aos rios apercebem-se do final das suas jornadas. Olham para trás, e vêem que não há retorno possível. O tempo gastou-se. Deus perdeu a paciência.
No entanto, não é o mundo que vai acabar. É apenas a maneira como eles o vêem. A montanha permanece, firme e quase imutável. Os fios de água secam e extinguem-se, para que nasçam outros, que experimentarão percursos novos.
Aqui e ali, o autor faz uso de parábolas. Dá chão ao conjunto das suas narrativas numa região limitada do Sul de Angola, e nem sempre respeita a cronologia. As conclusões poderão (ou não) aproximar-se da evolução do modo de pensar de quem experimentou a mesma vivência noutros países, em épocas diferentes.
Não se apressem a avaliar o estranho viajante que vão acompanhar ao longo do livro! Com o voltar das páginas, mesmo que o não tratem por tu, irão sentir-se próximos dele. Poderão constatar que exagerou quem, ao traduzir o termo “Dumba-ia-munto” para português, escolheu a palavra “diabo”.

(Prólogo de livro a publicar na Primavera)

Sem comentários:

Enviar um comentário