DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014



   A HISTÓRIA PERTO DE NÓS      


        LEMBRANDO AMÍLCAR E LUÍS CABRAL


   NOTAS RETIRADAS DA CONVERSA COM JUVELINA ROCHA, 
   IRMÃ DE LUÍS E MEIA-IRMÃ DE AMÍLCAR, 
   E COM O SEU MARIDO ANTÓNIO ROCHA


    ANTÓNIO E JUVELINA ROCHA

                                    I

     Foi a minha filha mais velha que me falou da Senhora Dona Juvelina. Sabia que eu estava a escrever sobre a guerra da Guiné e uma das suas doentes era irmã de Luís e Amílcar Cabral. Achei que poderia ser interessante conversar com ela. A Marisa obteve o consentimento da senhora para me comunicar o seu contacto.
Telefonei-lhe. Atendeu-me o marido, que já esperava que eu ligasse. Combinámos encontrar-nos na residência do casal, em Nova Oeiras.
Fui entrevistado umas tantas vezes, ao longo da última década, mas nunca tinha entrevistado ninguém. Armei-me de gravador e máquina fotográfica, antes de me meter no carro.
Dei umas voltas a mais, como é costume, mas lá atinei com a direção.
Fui recebido com extrema gentileza.


                                    JUVELINA ROCHA

Juvelina Maria de Almeida Cabral Rocha e o seu marido António José da Silva Rocha habitam num apartamento confortável decorado com motivos africanos. São ambos casados em segundas núpcias e já passaram dos setenta anos. Estão lúcidos e evidenciam excelentes memórias.
António Rocha é extrovertido e tem uma personalidade dominadora. Juvelina é doce e reservada. Foi necessário algum esforço para não entrevistar apenas o marido…
As informações que me prestaram permitiram corrigir algumas inexatidões no livro que estou a ultimar (A Guerra da Guiné – de Amílcar Cabral ao 24 de abril).


                            JUVENAL CABRAL NA JUVENTUDE

      Falámos da família. O pai de Juvelina, Juvenal António Lopes da Costa (Cabral), foi um povoador. Teve 18 filhos das três mulheres mais importantes da sua vida: nove de Ernestina Soares Andrade, quatro de Iva Pinhel Évora, cinco de Adelina Rodrigues Correia (a única mulher com quem casou oficialmente) e mais uns tantos de relações casuais. 

IVA PINHEL ÉVORA, MÃE DE AMÍLCAR CABRAL





     Enquanto Amílcar Cabral era filho de Iva, Juvelina e Luís Cabral eram filhos de Adelina. 

                   
                 ADELINA E OS QUATRO PRIMEIROS FILHOS
   Juvelina é a menina em frente e à esquerda. Luís, o mais velho, está à direita

    Não consegui saber com exatidão o número dos filhos de Juvenal Cabral. António Rocha fez contas há cerca de 20 anos e terá chegado aos 27. Há também quem fale em 23.


                             ADELINA RODRIGUES CORREIA

Será interessante referir as circunstâncias do único casamento de Juvenal. A fonte é uma entrevista de Pedro Matos a Ana Maria Cabral (viúva de Amílcar), publicada na Internet em 2013. «A madrinha de Juvenal Cabral, D. Simoa, natural de Santa Catarina, tinha uma família com grandes posses, mas não tinha filhos. Assim, resolveu contemplar o afilhado no seu testamento. No entanto, impôs uma condição. Uma família portuguesa de quem era muito amiga veio cá passar umas férias com as suas duas filhas gémeas. Uma delas, Adelina, gostou tanto de Cabo Verde que não quis voltar a Portugal com os pais e ficou em casa da D. Simoa. A condição que a madrinha impôs era que Juvenal casasse com Adelina. Assim, Juvenal teve de deixar a mãe de Amílcar para casar com a portuguesa, levando-a para Bissau. Desse casamento, nasceu Luís, o meio-irmão de Amílcar Cabral.»
Juvelina Cabral Rocha lembra-se bem dos tempos da mocidade, em Cabo Verde. O pai, Juvenal, era bondoso, mas introvertido. Falava pouco e passava muito tempo a escrever.



Amílcar e Toy (filho mais novo de Iva) eram quem mais frequentava a casa de Adelina, em Achada Falcão. Amílcar passava as férias com o pai e com o Luís. Aconselhava Juvelina a estudar. Era simpático, extrovertido e “charmoso”, no dizer da irmã. Já no Liceu, era um conquistador. De acordo com as más-línguas, continuou a sê-lo em Conacri.


                                                               AMÍLCAR CABRAL
No que se refere ao relacionamento entre as mulheres de Juvenal, passo a citar citar António Rocha:
 «Ernestina e a Iva chegaram a viver a poucos metros uma da outra, em Geba. Aí, o Juvenal vivia sozinho numa casa atribuída pelo Governo, pelo seu cargo de professor. A Adelina tinha boas relações com a Ernestina, com quem conviveu em Cabo Verde.»
Com a Iva, as relações foram mais difíceis, apesar de terem sido vizinhas durante bastante tempo.

                 UMA DAS ÚLTIMAS FOTOGRAFIAS DE JUVENAL CABRAL

Quando Juvenal Cabral morreu, em março de 1951, o Luís, que era o mais velho dos filhos de Adelina, interrompeu os estudos e arranjou dois empregos para ajudar a sustentar a família, que vivia pobremente.
Juvelina conheceu bem as duas esposas de Amílcar. Quando veio estudar para Portugal, instalou-se em casa do irmão e tornou-se amiga íntima de Maria Helena.

AMÍLCAR E MARIA HELENA
     Com Ana Maria, deu-se sempre bem, mas nunca foi tão chegada a ela.

FOTOGRAFIA RECENTE DE ANA MARIA CABRAL

     Juvelina recorda que a mãe entristeceu nos últimos de vida, apesar de ver o filho Luís a presidir aos destinos da Guiné. Chorava a morte de Fernando, o filho mais novo, falecido num acidente de viação. Fernando era médico. Estudou na União Soviética e especializou-se na Suécia.
Amílcar Cabral protegeu a família, na medida das suas possibilidades. Ao ser colocado na Guiné, como engenheiro, foi chamando os familiares para junto dele. Veio primeiro Luís Cabral, a quem arranjou emprego na Casa Gouveia. Chegou depois António, o irmão mais novo, e a seguir a mãe, acompanhada pelas filhas gémeas. Juntou-se-lhes, pouco tempo, Adelina Rodrigues Correia com os outros filhos, incluindo Juvelina, que tinha 15 anos. Estava-se em 1953.
Tanto Iva como Adelina ficaram na Guiné após o regresso de Amílcar a Portugal. Ali permaneceram durante toda a guerra. Quando os irmãos partiram para a luta, Amílcar disse-lhes que a missão das irmãs era, sobretudo, cuidar das respetivas mães.
                                                                       (Continua)


     
FOTOGRAFIAS: ARQUIVO PESSOAL DE JUVELINA ROCHA, INTERNET



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