DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

             

  O ASSASSINATO DE TRÓTSKI 

Depois de Trótski, que dá nome ao livro, o decaedela prossegue a publicação de capítulos relacionados com mortes violentas de pessoas conhecidas. Lembro que se trata do diário de um assassino e que as opiniões expressas no texto são do personagem de ficção e não do autor.


        EDUARDO MONDLANE

                                


Eduardo Mondlane foi executado em Dar-es-Salaam com recurso a uma encomenda bomba. Diz-se que o carrasco pertencia ao braço português da Gladio. Foi um trabalho bem feito.
A PIDE tinha conseguido infiltrar parte dos partidos revolucionários moçambicanos. Na manhã do dia 3 de fevereiro de 1969, Mondlane, presidente da FRELIMO, abriu uma encomenda armadilhada contendo a tradução francesa das Obras Escolhidas do teórico marxista russo George Plekhanov. Consta que a violência da explosão lhe decepou as mãos e lhe separou o tronco em duas partes.
                        

Eduardo Mondlane foi o primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) que resultara da fusão de três organizações independentistas moçambicanas com bases sociais e étnicas próprias, sediadas em países diferentes: a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), a Mozambique African National Union (MANU) e a União Nacional Africana para Moçambique Independente (UNAMI). A junção dos três movimentos fora apadrinhada pelo presidente da Tanzânia, Julius Nyerere. Uria Simango, pastor presbiteriano, foi eleito vice-presidente.
                     


Mondlane era filho de um chefe tradicional moçambicano e foi educado e protegido por uma missão presbiteriana suíça. Estudou primeiro na região de Manjacaze e depois na África do Sul. Fez uma passagem breve pela Universidade de Lisboa, onde teve oportunidade de conhecer Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Seguiu depois para os Estados Unidos da América do Norte onde se licenciou em Sociologia. Já doutorado, ensinou História e Sociologia na Universidade de Syracuse, em Nova Yorque. Trabalhou para as Nações Unidas e foi contactado por Adriano Moreira, mas não se entendeu com ele. Enquanto o ministro português o convidava para colaborar com a administração colonial de Lisboa, Eduardo Mondlane tentava persuadir Moreira a aceitar a independência das colónias que Portugal detinha em África.
                      
Mondlane e Simango

Em 1961, Mondlane passou por Moçambique e estabeleceu contacto com diversos dirigentes nacionalistas, tendo em vista o lançamento da luta armada de libertação nacional. Eram precisos apoios externos. Os primeiros guerrilheiros, entre os quais se contava Samora Machel, foram preparados na Argélia. Os seguintes não precisaram de se deslocar para tão longe: a vizinha Tanzânia deu-lhes hospitalidade e condições de treino.


                                                      Samora Machel

A guerra começou em Setembro de 1964, com um ataque ao posto administrativo de Chai, na província de Cabo Delgado, a uma centena de quilómetros da fronteira com a Tanzânia. Os ventos da História sopravam contra o colonialismo e a revolução propagou-se a boa parte do território moçambicano.
A luta de independência não decorreu sem incidentes: Lázaro Nkavandame, secretário provincial da FRELIMO em Cabo Delgado, desviou em proveito próprio dinheiro do Partido. Mateus Gwengere, padre católico que mobilizara um número elevado de jovens para o movimento de libertação, protestou contra a prática de enviar quase todos os rapazes para a guerra, em vez de os mandar estudar. Em Maio de 1968, ocorreu um motim e muitos estudantes abandonaram a FRELIMO. Ainda nesse mês, ocorreu uma cisão tribalista, com os macondes a exigirem a independência imediata de Cabo Delgado.
O II Congresso da FRELIMO reelegeu Mondlane e Simango e decidiu continuar a luta pela «independência total e completa» de Moçambique e não apenas de parte do país.

                                                       Dar-es-Salaam

O primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique morreu na Residencial/Bar da americana Betty King, secretária da sua esposa, em Oyster Bay, na capital tanzaniana. Mondlane passava ali muito do seu tempo livre. A encomenda armadilhada rebentou às 9 horas da manhã de 3 de fevereiro de 1969. Nem Betty, nem a maioria dos empregados, se encontrava no local. Apenas estava o cozinheiro que ainda serviu um chá a Mondlane.

                                               Janet Mondlane

Janet Mondlane viajara para a Suíça e só soube do crime à noite. À data do assassinato, Joaquim Chissano era o secretário particular do presidente e o diretor dos serviços de segurança da FRELIMO. Era ele quem abria habitualmente a correspondência. Não o fez naquela manhã.



 Joaquim Chissano

A encomenda foi preparada em Lourenço Marques, pela polícia política portuguesa, a PIDE. Não se sabe como chegou às mãos e Mondlane.
Existem informações cruzadas que permitem afirmar, com alguma segurança, que o homem que fabricou e enviou a bomba que faria em pedaços o presidente de FRELIMO foi o agente da PIDE Casimiro Monteiro. De acordo com Geoffrey Sawaya, chefe dos serviços secretos da Tanzânia, no livro bomba teria sido usado material explosivo fornecido por uma empresa japonesa à Casa Praff, sita no n° 5 da rua Joaquim Lapa, em Lourenço Marques.
A PIDE teria sido ajudada dentro da FRELIMO, por Lázaro Nkavandame e por Silvedo Nungu. Este último foi preso quando tentava fugir para Moçambique. Tinha sido secretário administrativo do Comité Central e membro da Direção do Departamento de Informação e Propaganda da FRELIMO. Morreu na prisão, no seguimento de uma oportuna greve de fome.
A espionagem italiana do Servizio Informazione Difesa (SDI) atribuiu o crime a uma rede envolvendo a PIDE e a AGINTERPRESS, o engenheiro Jorge Jardim, Uria Simango e Robert Leroy, espião em Dar-es-Salam. Estaria em causa o braço português da Gladio.
Segundo testemunho do chefe de redação do jornal Notícias da Beira, o engenheiro Jorge Jardim compareceu na redação no dia do atentado (facto, ao que parece, inédito) e aguardou várias horas pela chegada duma «importante notícia».

      Jorge Jardim e o presidente do Malawi, Hastings Banda

Desconhece-se quem transmitiu à PIDE a informação do interesse de Eduardo Mondlane pela tradução francesa das obras de Plekhanov. O “bufo” teria de andar perto do presidente da FRELIMO. Sabe-se que maçonaria portuguesa tentou recrutar "maçons pretos" entre a hierarquia do poder em Moçambique. A “Opus Dei”, ligada ao fundamentalismo católico, fez o que pôde para se aproximar dos círculos moçambicanos do Poder. Não há dados que sugiram o envolvimento de qualquer destas organizações no homicídio de Mondlane. Curiosamente, as declarações de Silva Cunha, antigo ministro de Salazar e Caetano, e de António Vaz, dirigente da PIDE em Moçambique, coincidem no essencial: a eliminação do líder da FRELIMO não era do interesse do governo português. Mondlane seria o “menos mau” e certamente melhor que Samora Machel. Nem sempre as orientações políticas e a programação dos serviços secretos coincidem no lugar e no tempo.
A morte de Mondlane terá afastado a FRELIMO dos americanos, aproximando-a da China.


Urias Simango, o vice-presidente de Mondlane e o padre Gwengere terão sido executados em Metelela, no Niassa.
                         
Plekhanov

Pessoalmente, acho curioso o interesse de Mondlane, de reconhecida formação americana, pelo pai ideológico do marxismo russo. Mais velho que Lenine, Plekhanov ainda conheceu pessoalmente Frederick Engels. Opôs-se aos bolcheviques (chegou a chamar a Lenine “alquimista da revolução”) e abandonou a Rússia após a Revolução de Outubro. Continuou a escrever e a pensar. Considerava o marxismo uma doutrina mais materialista que idealista e achava que a Rússia teria de passar por um estado capitalista de desenvolvimento antes de se tornar socialista.
As guerras libertam os sentimentos mais bárbaros dos humanos e são fonte de dramas e comédias. A morte de Joana Simeão é difícil de classificar. Assumiu-se como pacifista e aceitou a política de «autonomia progressiva» delineada por Marcelo Caetano para a independência das colónias portuguesas.
                                 
Joana Simeão

A sua linha de pensamento não se afastaria muito da de Mondlane. Foi dirigente da FRELIMO e da COREMO, mas afastou-se das duas organizações. Apelou à «constituição de uma frente interna formada por elementos lúcidos calmos e frios das comunidades étnicas presentes em Moçambique (negra, mestiça, branca e asiática)» que seria «a voz autêntica vinda do interior de Moçambique e que imporia ao exterior a solução nossa a problemas nossos.» Fundou a Frente Comum de Moçambique (FRECOMO), com o objectivo de aglutinar as forças políticas não alinhadas com a FRELIMO.
Após o 25 de Abril, a situação política em Moçambique não favoreceu o pluralismo democrático. Joana Simeão foi presa e fuzilada.
Encerrado o drama, teve início a comédia.
As autoridades moçambicanas nunca reconheceram a sua execução extra-judicial. Oficialmente, Joana ausentara-se para “parte incerta”.
O seu segundo marido, Francisco Joaquim Manuel, acabou por se ligar a outra mulher e quis casar-se outra vez. Reclamou a situação legal de viúvo, mas a certidão de óbito da sua esposa não existia. Pelo menos, não foi encontrada. Legalmente, Joana Simeão continuava viva.
Francisco Manuel foi aconselhado a pedir divórcio com a alegação que “Joana abandonara o lar”. Depois de perseverar vários anos, acabou por aceitar o conselho. O processo não foi simples. O Ministério Público do Estado que a assassinou encarregou-se oficialmente da sua defesa e levou a sério a sua tarefa. Afirmou representar um “ausente” e não um “em parte incerta” pedindo a absolvição da ré pela acusação de abandono do lar.
No dia 24 de Abril de 2006, o Tribunal Judicial da Província de Inhambane, fez publicar no diário “Notícias” a intimação para a reaccionária se apresentar no prazo de 20 dias. A notificação foi assinada pelo Presidente do Tribunal, José António Cândido Sampaio, na “Acção Ordinária Declarativa de Divórcio Litigioso nº 19/05.
A intimação não foi transmitida por mesa de pé-de-galo e Joana Simeão não se apresentou. Após um processo que durou cerca de três anos, o viúvo Francisco Joaquim Manuel lá conseguiu o estatuto de «divorciado».
Segundo Barnabé Lucas Nkomo, que escreveu o livro «Uria Simango – Um Homem, Uma Causa», Simango e Joana Simeão não terão sido fuzilados, mas queimados vivos com gasolina, juntamente com outros «reaccionários». 

Urias Simango e o padre Mateus Gwengere, no campo da morte,
face a Marcelino dos Santos e Samora Machel

O governo português sai enlameado desta questão. Foram oficiais portugueses do MFA quem, a 26 de Outubro de 1974, se dirigiram à residência de Ahmed Haider, na cidade da Beira e prenderam Joana Simeão. O MFA actuava a pedido do Governo de Transição de Moçambique, chefiado por Joaquim Chissano. Joana foi transferida para Lourenço Marques (Maputo) e encarcerada na antiga prisão da PIDE na Machava, então dirigida pelo Batalhão de Cavalaria 8424 das forças Armadas Portuguesas.
Joana Simeão apelou para o almirante Vítor Crespo, pedindo justiça. O Alto-comissário português entregou a detida ao Governo de Transição de Moçambique.

FOTOS: INTERNET

1 comentário:

  1. A História de Moçambique é uma sequência de horrores. Uma pena! Um país aparentemente tão simpático e bonito, com líderes tão sinistros.
    No meu Brasil há similares, infelizmente, mas há uma sociedade que impede que eles dominem realmente o país. Não entendo o ódio visceral que um certo tipo de moçambicano vota ao povo português. Não se explica.

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