CROMELEQUE DOS ALMENDRES
Nas minhas deslocações para o sul do país,
pouco antes de passar por Évora, avistei repetidamente a placa com a indicação
“Cromeleque dos Almendres”.
Havia duas palavras que me atraíam:
“cromeleque”, pelo gosto que sempre tive por história e arqueologia e “Almendres”,
por ter nascido em Almendra, no Alto Douro. Os termos são quase idênticos e
pouco comuns. Existe (pelo menos) uma aldeia chamada Almendra em Espanha.
Ou por ter pressa, ou por me dar a preguiça,
segui sempre adiante, sem tomar a decisão de conhecer o sítio arqueológico.
Calhou este ano, por altura da confraternização anual da família Trabulo,
realizada habitualmente pela Páscoa e interrompida durante dois anos por causa
da pandemia.
Calhou desta vez. No regresso de Évora, eu, a
minha mulher, a minha irmã Mariazinha e o meu cunhado Sindulfo deixámos o
itinerário principal e entrámos na freguesia de Guadalupe. Seguimos por uma
estrada com troços a pedir melhoramento e lá chegámos ao cromeleque. Dista
cerca de uma dúzia de quilómetros de Évora e está classificado como Monumento
Nacional.
Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa, cromeleque é um monumento megalítico constituído por vários menires dispostos em círculo. Presto aqui homenagem a Uderzo e a Goscinni, por supor que ninguém terá feito tanto pela divulgação da cultura megalítica como as imagens de Obelix transportando os seus menires.
Não contei os menires. A Wikipedia fê-lo por
mim. São 95 e “constituem o mais importante monumento megalítico da Península
Ibérica e um dos mais relevantes da Europa”.
De acordo com a National Geographic (Portugal), o conjunto começou a ser montado no sétimo milénio a.C, sendo (pelo menos) 2.000 anos mais antigo que o de Stonehenge.
Curiosamente, o nosso pequeno Portugal é
invulgarmente rico em sítios arqueológicos importantes. Muitos deles
localizam-se no Alentejo. A região de Évora, em particular, conta com diversos
vestígios arqueológicos construídos entre o início do Período Neolítico e a
Idade do Ferro. Existem na mesma zona outros círculos de menires, como o
cromeleque da Portela de Magos, em Montemor-o-Novo. Ainda não tive ocasião de o
conhecer.
Terá sido a obediência a crenças profundas
que levou o povo a transportar os pesadíssimos menires e a alinhá-los segundo
os pontos cardeais, tendo na devida atenção os equinócios e os solstícios. A
religião estava associada à astronomia e esta fornecia indicações para os
trabalhos agrícolas. Os cromeleques foram lugares de culto pré-cristão.
Nas sociedades de agricultores, as atividades
que exigiam grande concentração pessoas (como as guerras e as construções
religiosas de maior envergadura) decorriam geralmente nos intervalos que
mediavam entre as sementeiras e as colheitas, ou entre estas e as sementeiras
posteriores.
O Cromeleque dos Almendres é de conhecimento
recente e foi descoberto quase por acaso. Quando, em 1964, o investigador
Henrique Leonor de Pina se ocupava a traçar a Carta Geológica de Portugal, foi
informado por um trabalhador da existência de um local onde existiam diversas
pedras estranhas. A desmatação de uma encosta pôs à vista um conjunto
monumental de menires, pelos quais ninguém se interessara durante milénios.
Encontrou-se na vizinhança um número reduzido de pequenas peças arqueológicas.
O cromeleque situa-se no interior de uma
propriedade privada. Os donos cederam o espaço do monumento à Câmara Municipal
de Évora, para visita livre.
Os estudos que se seguiram mostraram que os
menires foram sendo reunidos ao longo de três milénios. A construção terá
decorrido em três etapas. Os grandes blocos de rocha eram colocados em
escavações que iam até solo fixe e amparados por pedras pequenas.
No final do Período Neolítico Antigo (no VI
milénio a.C.) foi construído o cromeleque inicial. Era formado por três
círculos concêntricos de monólitos de pequenas dimensões.
Ao longo dos dois milénios seguintes (Período Neolítico Médio) nasceu, a oeste da construção original, um novo monumento, constituído por menires dispostos em duas elipses também concêntricas.
O termo da construção remonta ao Período
Neolítico Final, no III milénio a. C. Alguns menires foram decorados com
relevos ou gravuras.
O período extraordinariamente prolongado em
que prosseguiu a construção e o alargamento do santuário (suponho que será
legítimo denominá-lo deste modo) permite supor que terão acontecido numa época de relativa estabilidade política, religiosa e social.
Não é certo que tenham existido na proximidade do monumento povoações mais ou menos satélites, como aconteceu em Stonehenge. Os arqueólogos continuam a procurá-las.
Em anos recentes, Mário Varela Gomes
organizou no local diversas campanhas arqueológicas que permitiram elevar
alguns dos monólitos tombados e recolocá-los nas suas posições de origem. Os
investigadores esforçaram-se por determinar a localização primitiva de cada um.
Uns tantos menires desapareceram. Alguns foram aplanados e transformados em
estelas.
O conjunto deixou de ser utilizado no Período
Calcolítico. O homem aprendia a trabalhar os metais, começando pelo cobre. As
grandes inovações técnicas acompanham-se de mudanças culturais significativas.
Algumas divindades terão sido abandonadas. Chegava ao fim a cultura megalítica
atlântica.
As comparações com Stonehenge são
inevitáveis.
O monumento pré-histórico do condado de Wiltshire, na Inglaterra, é bastante mais recente, tendo sido edificado entre os anos 3.000 e 2.000 a.C. quando o Cromeleque dos Almendres deixara já de ser utilizado.
Os menires de Stonehenge são maiores que os
de Guadalupe e dão-lhe um aspeto mais impressionante. Uns tantos sustentam
rochas aplanadas que esboçam a configuração de mesas. Alguns pesarão 50
toneladas. Diversos blocos de rocha pesando 4.000 quilos cada foram arrastados
da região montanhosa de Gales, que dista 24 quilómetros. Tratou-se dum esforço
extraordinário.
Na vizinhança de Stonehenge encontraram-se
sepulturas com restos humanos cremados. Não há indícios que apontem para que o
Cromeleque dos Almendres tenha sido usado como necrotério. No entanto, os
milhares de anos decorridos sobre a sua fundação e o seu abandono poderão ter
apagado qualquer vestígio de enterramento.
O Cromeleque dos Almendres é o maior conjunto
megalítico estruturado conhecido na Península Ibérica. É também um dos mais relevantes
da Europa. A sua existência demonstra a importância do papel dos nossos
antepassados na criação da cultura europeia.
O tempo apaga quase tudo. No entanto, eu, que
não sou crente, senti, ao entrar no perímetro do cromeleque, a mesma carga
emotiva que nos faz vibrar a alma ao transpor as portas de algumas catedrais.
Apoio bibliográfico:
Morato Gomes, Filipe. Cromeleque dos Almendres,
menires megalíticos às portas de Évora. https://www.almadeviajante.com » Alentejo» Évora. Atualizado em 1/9/2022.
https:// www. natgeo.pt » História. Cromeleque dos Almendres: o Stonehenge português. 2019/09.
https://www.cm-evora.pt » Cromeleque dos Almendres.
Wikipedia
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