Aproxima-se
0 25 de Abril. Será pertinente publicar aqui um texto que preparei para a
Reunião de Primavera da SOPEAM. Deveria ser apresentado numa parceria com a
Câmara Municipal do Cartaxo, mas a pandemia de COVID 19 obrigou a cancelar o projeto.
Como deveria tomar a forma de uma conferência relativamente alongada, vou
dividi-lo em vários artigos.
LIBERDADE
I
Na minha imaginação, e na de muita gente, a Liberdade tem
asas, por comparação com a largueza de voo dos pássaros.
Liberdade é a condição daquele que é livre e capaz de agir por si mesmo.
Implica conceitos aproximados: autodeterminação, independência e autonomia. Nega a
submissão e a servidão e defende o livre-arbítrio. Opõe-se à conceção
determinista do mundo. A palavra tem contudo origens diversas que
lhe conferem sentidos diferentes.
Será mais fácil defini-la pela negativa. Para os
portugueses da minha idade, durante demasiado tempo, a ideia de liberdade
alimentou-se essencialmente da falta dela.
Oliveira Salazar escreveu em 1909: A
liberdade excessiva é um erro! Pensar e poder publicar os próprios pensamentos
não é por si um bem de que a sociedade tenha de se felicitar; é antes a fonte
de muitos males.
Há
quem defenda que o conceito moderno de Liberdade surgiu durante a idade média,
no fim da época das cruzadas. Orlando Patterson, ao abordar a formação de
liberdade na cultura ocidental, afirma que ela nasceu dos anseios dos escravos.
Para muitos, a Liberdade é, acima de tudo, um sentimento.
A ideia de sentimento remete para a psicologia básica, com tudo o que comporta
de subversivo, explosivo e revolucionário.
Será bom passarmos em revista um pouco do que nos
ensinou a História. Muitas das nossas ideias padrão tiveram início na Grécia.
Foi o caso de Eleutheria,
palavra grega que significa liberdade de movimento. Designa a possibilidade do
corpo se movimentar sem restrições externas. É um conceito abrangente que se
aplica à ausência de limitações físicas à mobilidade.
Eleutheria é outro dos nomes da deusa Artémis. Eleutheria, porém, era geralmente retratada como a cárite
ou graça Tália, bela e graciosa, deusa do brotar das flores. É a Graça da
direita, no grupo escultórico de António Canova, patente no museu Hermitage, em
S. Petersburgo.
É bem conhecida outra Tália, na mitologia grega. Tália,
a alegre, era uma das nove musas, protetora da comédia. Usava uma coroa de hera
e uma máscara cómica.
O termo latino Libertas tem o significado de independência.
Independência é o contrário de dependência.
Dependere quer
dizer “pender de”, “estar preso”, “estar pendurado”. A Libertas implicava que
um indivíduo não estava preso a nada, nem era propriedade de ninguém. A noção é
mais alargada que a de Eleutheria. Não encontrei grandes referências romanas à
liberdade, embora deva reconhecer que a minha pesquisa foi superficial. A
Libertas estará ligada simbolicamente à República e terá perdido importância
com o advento do Império romano.
A figura de
deusa representada na moeda romana que apresento tem na mão o “pileus”, uma
espécie de barrete que se colocava na cabeça rapada do escravo liberto e o
bastão associado à mesma cerimónia. Temos aqui de novo a definição pela
negativa.
Freiheit, em alemão, quer dizer “pescoço livre”, sem as
correntes que aprisionavam os escravos. A palavra surge assim em oposição à
escravatura. Será a Eleutheria aplicada a uma condição específica. Deu origem
ao vocábulo inglês Freedom.
Todos estes conceitos antigos têm essencialmente uma
conotação física. Livre seria a pessoa que não estava sujeita a
constrangimentos materiais.
A noção moderna de liberdade é bem mais alargada. Os
constrangimentos que se lhe podem colocar não são apenas de natureza física,
mas também cívicos e psicológicos.
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