DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sábado, 18 de abril de 2020




     Aproxima-se 0 25 de Abril. Será pertinente publicar aqui um texto que preparei para a Reunião de Primavera da SOPEAM. Deveria ser apresentado numa parceria com a Câmara Municipal do Cartaxo, mas a pandemia de COVID 19 obrigou a cancelar o projeto. Como deveria tomar a forma de uma conferência relativamente alongada, vou dividi-lo em vários artigos.

                       LIBERDADE


                     I


Na minha imaginação, e na de muita gente, a Liberdade tem asas, por comparação com a largueza de voo dos pássaros.
Liberdade é a condição daquele que é livre e capaz de agir por si mesmo. Implica conceitos aproximados: autodeterminação, independência e autonomia. Nega a submissão e a servidão e defende o livre-arbítrio. Opõe-se à conceção determinista do mundo. A palavra tem contudo origens diversas que lhe conferem sentidos diferentes.



Será mais fácil defini-la pela negativa. Para os portugueses da minha idade, durante demasiado tempo, a ideia de liberdade alimentou-se essencialmente da falta dela.
Oliveira Salazar escreveu em 1909: A liberdade excessiva é um erro! Pensar e poder publicar os próprios pensamentos não é por si um bem de que a sociedade tenha de se felicitar; é antes a fonte de muitos males.
Há quem defenda que o conceito moderno de Liberdade surgiu durante a idade média, no fim da época das cruzadas. Orlando Patterson, ao abordar a formação de liberdade na cultura ocidental, afirma que ela nasceu dos anseios dos escravos.


Para muitos, a Liberdade é, acima de tudo, um sentimento. A ideia de sentimento remete para a psicologia básica, com tudo o que comporta de subversivo, explosivo e revolucionário.
Será bom passarmos em revista um pouco do que nos ensinou a História. Muitas das nossas ideias padrão tiveram início na Grécia.
 Foi o caso de Eleutheria, palavra grega que significa liberdade de movimento. Designa a possibilidade do corpo se movimentar sem restrições externas. É um conceito abrangente que se aplica à ausência de limitações físicas à mobilidade.
Eleutheria é outro dos nomes da deusa Artémis. Eleutheria, porém, era geralmente retratada como a cárite ou graça Tália, bela e graciosa, deusa do brotar das flores. É a Graça da direita, no grupo escultórico de António Canova, patente no museu Hermitage, em S. Petersburgo.


É bem conhecida outra Tália, na mitologia grega. Tália, a alegre, era uma das nove musas, protetora da comédia. Usava uma coroa de hera e uma máscara cómica.
O termo latino Libertas tem o significado de independência. Independência é o contrário de dependência.
Dependere quer dizer “pender de”, “estar preso”, “estar pendurado”. A Libertas implicava que um indivíduo não estava preso a nada, nem era propriedade de ninguém. A noção é mais alargada que a de Eleutheria. Não encontrei grandes referências romanas à liberdade, embora deva reconhecer que a minha pesquisa foi superficial. A Libertas estará ligada simbolicamente à República e terá perdido importância com o advento do Império romano.


 A figura de deusa representada na moeda romana que apresento tem na mão o “pileus”, uma espécie de barrete que se colocava na cabeça rapada do escravo liberto e o bastão associado à mesma cerimónia. Temos aqui de novo a definição pela negativa.
Freiheit, em alemão, quer dizer “pescoço livre”, sem as correntes que aprisionavam os escravos. A palavra surge assim em oposição à escravatura. Será a Eleutheria aplicada a uma condição específica. Deu origem ao vocábulo inglês Freedom.


Todos estes conceitos antigos têm essencialmente uma conotação física. Livre seria a pessoa que não estava sujeita a constrangimentos materiais.
A noção moderna de liberdade é bem mais alargada. Os constrangimentos que se lhe podem colocar não são apenas de natureza física, mas também cívicos e psicológicos. 


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