DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 28 de abril de 2017


JOÃO BRANDÃO


Outro quadrilheiro lendário da época do Zé do Telhado foi João Vítor da Silva Brandão. Nasceu em Midões (Tábua), em 1825, e morreu em Angola, em 1880. Acusado de numerosos assaltos na região natal, ficou conhecido como “O terror das Beiras”.
Parece ter sido mais politizado que Zé do Telhado. Detinha também outra cultura. Em 1870, quando estava preso na cadeia do Limoeiro, aguardando embarque para Angola, compôs os “Apontamentos da vida de João Brandão, por ele escritos nas prisões do Limoeiro, envolvendo a História da Beira desde 1834”.

                                                  Casa onde nasceu João Brandão

Em épocas conturbadas, nem sempre é fácil traçar a fronteira que separa os criminosos comuns de alguns guerrilheiros. À paz instituída entre liberais e miguelistas pela Convenção de Évora Monte, em 1934, seguiu-se um período de sobressalto. Dezenas de milhares de soldados deixaram as fileiras e não encontraram emprego. Os miguelistas, que antes haviam abusado do poder que detinham, eram agora os perseguidos. Houve confiscos, demissões massivas de funcionários e múltiplas retaliações. Terão ocorrido milhares de assassinatos políticos.
    Lisboa era longe e servida por más estradas. A ordem tradicional, assente na força dos concelhos e no regime do morgadio, soçobrara e não fora ainda substituído pelo poder central, que chegava às Beiras diluído. A influência do clero fora reduzida.  
O “Bando dos Brandões”, que incluía o João, os seus irmãos António e Roque, o pai e vários companheiros não aparentados, terá começado como um grupo de “voluntários da Rainha” que partiu de Midões para combater ao lado dos cartistas na guerra civil de 1846. Serviu primeiro os Cabrais. Após a Regeneração, ora apoiava o governo, ora a oposição.
 O bando terá perseguido os últimos realistas, certos ou suspeitos, que persistiam nas vilas beirãs. Com espadas, punhais e com as armas de fogo da época, impôs na região o medo e o fogo, substituindo os “caceteiros” miguelistas.


A época era de alianças instáveis e de associações improváveis. No rescaldo da Patuleia, João Brandão chegou mesmo a lutar ao lado do miguelista general Póvoas. A coerência política não seria determinante, nesses tempos agitados.
Hoje, a personalidade do chefe do bando continua mal conhecida. Como tantos, foi um fruto da sua época. Herói ou criminoso, provavelmente as duas coisas, valente sem dúvida, participou nas fraudes eleitorais comuns nesse período, colaborando nas “chapeladas” e condicionando o poder local.


Durante anos, os Brandões serviram diversos governos do país, o Tribunal da Relação do Porto e as autoridades de Coimbra e de Viseu.   
O triunfo da Regeneração, com o estabelecimento do rotativismo político e a pacificação de Portugal, tornou obsoletas as quadrilhas que haviam servido, com maior ou menor disciplina, os agentes do poder central. Chegara ao fim o tempo dos bandoleiros. Muitos foram abatidos pelas tropas regulares. Outros tiveram de prestar contas à Justiça.  
João Brandão foi preso na vila de Tábua, em junho de 1869. Foi acusado somente de um dos muitos crimes que lhe eram atribuídos: o assassinato de um padre. Bastou para que fosse condenado e desterrado para Angola, no ano seguinte.
Morreu no Bié, em 1880.
A condenação de João Brandão foi celebrada nas ruas de várias povoações beirãs. Organizaram-se festas populares para celebrar o fim de uma era de medo e violência.
A sua lenda continua a fazer parte da tradição cultural portuguesa. Quem não conhece esta cantiga?

                      «Lá vai o João Brandão,
                      A tocar o violão,
                      Casaco à moda na mão 
                      E atão? E atão? E atão?»


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