DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016


O PRÉMIO NOBEL DE BOB DYLAN


    Tem sido muito discutida muito a atribuição do Prémio Nobel de Literatura ao cançonetista americano Bob Dylan. Curiosamente, lembro-me de ter lido, uns trinta anos atrás, que Dylan era um dos maiores poetas americanos de todos os tempos. Na altura, considerei tal afirmação um exagero.
    O meu conhecimento da língua inglesa está bem longe da perfeição, mas basta para perceber que Bob Dylan é realmente um poeta. Daí a compará-lo a Herberto Hélder ou a Eugénio de Andrade, para citar apenas exemplos portugueses recentes, vai, no meu entender, uma longa distância.
    A questão tem sido profusamente badalada nos jornais e nas publicações na Internet. Lê-se um pouco de tudo. Vai-se desde a indignação dos que choram e se revoltam por ter sido banalizado o Prémio Nobel da Literatura (que, do da Paz, já nem se fala…) até à jactância dos que afirmam que Dylan é maior que o Nobel e que quem ficou engrandecido com  a atribuição do prémio foi a fundação sueca e não o cantor.
    Após alguma reflexão, cheguei a conclusões que me servem e tranquilizam. A canção ligeira (não sei que outro nome lhe hei de dar) tem uma difusão extraordinária no mundo moderno, ultrapassando com facilidade as fronteiras geográficas e linguísticas. Julgo que Bob Dylan é mais conhecido no Universo do que qualquer dos anteriores laureados com o Prémio Nobel da Literatura. Não conheço os números, mas  trevo-me a imaginar que a soma das vendas dos seus discos ultrapassou o total dos livros publicados pelos vencedores do Nobel de Literatura nos últimos cem anos. Bem sei que quantidade não é qualidade e que esta nem sempre se transforma naquela, ao contrário do que afirma uma das leis da dialética. No entanto, a quantidade importa. Bob Dylan influenciou (a meu ver, de forma positiva) centenas de milhões de pessoas por esse mundo fora.
    Os puristas da Literatura e, em especial, da Poesia, têm direito à indignação, tal como o têm à indiferença ou ao aplauso.
    A Fundação Nobel, invocando argumentos diversos, prestou um serviço inestimável à canção mundial, ao “nobelizar” (ou “nobilitar”) uma forma de arte geralmente considerada menor.
    Estou em crer que, daqui em diante, as letras das canções tenderão a melhorar. Todos conhecemos músicas belíssimas que gostaríamos de ouvir cantar em japonês ou coreano, para que pudéssemos desconhecer a indigência da linguagem. Haverá cada vez mais poetas a descerem (ou a subirem…) a escada que leva à condição de letrista.
    Parabéns a Bob Dylan, que encantou a minha geração com as suas cantigas de intervenção. Parabéns também à fundação Nobel!

    O facto de os cumprimentar não me faz esquecer que Herberto Helder – e provavelmente vários outros poetas mundiais – jogam noutra divisão a que raros (se alguns) escritores de canções terão acesso.

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