DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 27 de abril de 2014

   CANONIZAÇÃO DE DOIS PAPAS




Paulo Mendes Pinto, que não será descendente de Fernão, escreveu ontem no jornal Público que foram canonizados 76 papas no primeiro milénio da era cristã e apenas 5 no segundo. Hoje, duma assentada, o Vaticano apresenta à veneração dos católicos mais dois papas santos.
Os santos não existem, tanto quando sei, na Bíblia. Serão uma criação da Igreja Católica. Julgo que representam um sincretismo entre o monoteísmo da tradição judaica e o politeísmo profundamente enraizado na Europa em que o cristianismo proliferou. Os santos são considerados mais próximos de Deus. Por terem uma vida justa, serão ouvidos mais facilmente pela divindade, geralmente menos atenta às preces do comum dos crentes. Vêm sendo associados desde sempre à produção de milagres.
Milagre é uma interrupção temporária das regras da natureza, conseguida por intervenção divina. Trata-se habitualmente de curas inexplicáveis. Nos tempos modernos, até alguns católicos vão pondo em dúvida a sua existência.
O ar bonacheirão de João XXXIII, a par do seu esforço de renovação da Igreja, com a abertura do Concílio Vaticano II, tornou-o popular mesmo entre os não católicos.


Por outro lado, correram mundo as imagens dos últimos anos de vida de João Paulo II. As fotografias do velhinho muito torto, vestido de branco e agarrado à cruz impressionaram a sensibilidade dos fiéis.
Enquanto o pontificado de Ângelo Roncalli não chegou a durar cinco anos, o papado de João Paulo II foi o segundo mais longo da história da Igreja (27 anos). Foi também o mais mediatizado de todos. O período de tempo prolongado à frente dos destinos do Vaticano expô-lo, naturalmente, a mais críticas. Karol Wojtyla adotou uma postura geralmente conservadora em todas as questões debatidas modernamente no seio da Igreja: o celibato dos padres, a ordenação de mulheres, a contraceção artificial, o divórcio, o aborto e a homossexualidade. Interveio declaradamente no conflito Leste/Oeste, combatendo o Comunismo. Terá esquecido os ensinamentos de Cristo: «A César o que é de César. O meu reino não é deste mundo». O seu papel na evolução política da Polónia, a sua terra natal, poderá fazer dele um patriota, mas dificilmente um santo.
Terá cometido repetidos pecados por omissão. O papa não foi capaz combater eficazmente a pedofilia no seio da Igreja. Os escândalos sucederam-se, um pouco por todo o mundo. Há quem diga que a pedofilia na Igreja Católica é tão antiga como o celibato obrigatório dos padres. A interdição do casamento impede ou, pelo menos, dificulta o exercício duma atividade sexual saudável. Poderá eventualmente contribuir para chamar para o sacerdócio jovens com dificuldades em assumir vidas sexuais normais.
O papa é o Chefe de Estado do Vaticano. Dirige uma organização multinacional que conta com duas centenas de cardeais, um pouco mais de cinco mil bispos, quatro centenas de milhar de sacerdotes e um número apreciável de freiras e frades. Os fiéis são cerca de 1,2 biliões.
Escrevi, não há muito tempo, que um anjo só por milagre acederia ao Poder. Se lá chegasse, apesar da intervenção divina, ficaria depressa com as asas chamuscadas. O Poder corrompe e obriga à tomada de decisões dificilmente compatíveis com a moral. 
A canonização destes dois papas parece traduzir a submissão da Igreja Católica ao marketing político. É a política espetáculo ou, se preferirem, o apostolado espetáculo. Dois papas a canonizarem outros dois garantem o sucesso mediático dum evento que será transmitido pelas televisões de todo o mundo. 

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