
Não admira que as páginas dos livro se comecem a entrelaçar, alheias a qualquer plano ou intenção. O criador só em parte controla a própria obra.
Escrevi, inventei, afastei-me da realidade. As povoações são, em boa parte, as pessoas que as habitam. Ao usar a minha cidade como cenário, colocando lá gente diversa da que existiu, o Lubango mudou também e desprendeu-se do chão do Planalto para integrar o mapa do romance. Esses homens e mulheres que descrevo nunca viveram. Os leitores têm
nas mãos um conjunto de páginas de fantasia, enxertadas numa cidade que se perde, ou se encontra, no mundo dos sonhos.
Estive mesmo tentado a mudar-lhe o nome, mas pareceu-me que seria traição.
Ao virarem a última folha, os mais atentos terão constatado que as senhoras virtuosas da cidade, que eram a grande maioria, têm fraca representação esta obra. Que perdoem, se puderem, mas a explicação é bem simples: quem lê não quer saber de vidas honradas. Boas mães de família, filhas obedientes, irmãs bem comportadas, dão, em geral, más personagens de romance. Não podendo espreitar para além das cortinas das vizinhas nem escutar, a meio da noite, súplicas, ameaças e gritos de excitação ou de medo, leitores e leitoras procuram nos livros um cheirinho a transgressão e a pecado, uma pitada de sal no aborrecido caminho que há-de conduzir à salvação.
Quem escreve semeia cumplicidades e põe à mostra atalhos pouco recomendáveis. Não manda ninguém segui-los. O autor assume apenas a sua parte das culpas eventuais.
Em: "Lubango", a publicar em breve.
Imagem: Masaccio, A Expulsão dos Progenitores do Paraíso. A Grande História da Arte, Público, 2006
Postal do Lubango.
Também publicado em O BAR DO OSSIAN.
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