DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

CRÓNICAS DO MAR


Gil Eannes, 24 de Maio de 1970


Acordei com a luz da manhã e espreitei pela vigia.

Não há nevoeiro. É, portanto, dia de festa. Meio disco de sol emerge das águas estanhadas e tinge o mar de violeta, enquanto tímidas nuvens ensanguentadas dão mais cor à alvorada. Verifico que fui dos últimos, a bordo, a levantar-me. É sinal de que não fiz falta.

Poisou no mar um enxame de pontos negros. Se fixar o olhar num deles, noto que desaparece e volta a mostrar-se, ao ritmo da ondulação. Cada pequena mancha é um dóri. Transporta um corpo, uma alma, recordações e esperanças. Há cerca de 1500 num raio de cinco milhas. Espalharam-se em redor de vinte navios, como rebanhos num prado grande repartido por muitos pastores.

Estamos nos Rocks, nos bancos da Terra Nova. Juntou-se cá boa parte da frota portuguesa de pesca à linha. Para fora desta zona, o mar é o deserto de sempre.

Aqui, os homens pescam juntos. Podem conversar e ajudarem-se uns aos outros. Discutem também. Chega a haver lutas, quando os aparelhos se embaraçam e as vozes se alteiam. Em noites de ar límpido, as luzes dos navios alegram o mar. Virgin Rocks é uma aldeia portuguesa com as casas separadas por ruas de água.

O capitão Mário Esteves mandou levantar o ferro. O Gil Eannes desloca-se cuidadosamente, a meio dos dóris. Distinguem-se as expressões nos rostos dos pescadores. A pesca vai mal. De vez em quando, um trol (trawl) recolhe alguns peixes pequenos. Há grandes espaços vazios nas linhas anzoladas.

Os botes vão leves, com a borda bem elevada acima da linha de água. Há-os que têm um pequeno mastro à proa. Outros (não muitos) dispõem de um motor fora de borda.

Choram-se os pescadores que não há peixe, que dantes faziam num dia não sei quantos quintais. Noutros tempos, um navio carregava e estava de volta a Portugal antes de Agosto. Os pescadores pouco lucravam. Quando o peixe é muito, vai quase dado. Contaram-me que ganharam menos numa ano em que encheram o navio do que na época seguinte, em que trouxeram pouco mais de meia carga.

Um grande corpo cinzento de formas arredondadas emergiu bruscamente junto a um grupo de três dóris, fazendo-os balançar mais. Desenhou, por momentos, a figura de um rochedo e logo desapareceu. É um cachalote. Voltou por duas vezes à superfície, sempre perto dos botes, que não parece recear. Os pescadores, sim, temem-nos porque lhes podem virar as embarcações. O homem do dóri mais próximo ergueu um remo na vertical, para chamar a atenção da baleeira que se dirige para nós.

2 comentários:

  1. Boa tarde!
    Continuo a visitar os seus Post's sempre com agrado.
    Não consegui comentar em "Historinhas da Medicina". Vou tentar novamente.
    Cumprimentos
    Zory

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  2. Agradeço o seu alerta. Julgo que os comentários a Historinhasdamedicina já estão fáceis de colocar.

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