DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 23 de março de 2014

                    JERÓNIMO BOSH


              O JARDIM DAS DELÍCIAS


                             II
                                          

A razão de pertencerem atualmente ao Museu do Prado alguns dos melhores trabalhos de Bosh reside no gosto do rei Filipe II de Espanha (o nosso Filipe I, primo direito de D. Sebastião) pelas suas obras. Adquiriu algumas.
Filipe II era o mais conservador dos monarcas católicos. Leria Bosh à sua maneira.



Hieronimus Bosh criou figuras complexas, originais e difíceis de entender.
Utilizou símbolos variados e por vezes ambíguos do Mal e do Bem para descrever a loucura do mundo que escorregava (tal como escorrega agora e quase me atrevo a dizer que escorregou sempre) para a perdição moral. Julgo que há mais vagas nos hotéis do Céu do que na concorrência.


Voltemos ao Jardim das Delícias. No painel da esquerda está representado o Paraíso.


Há animais africanos mais ou menos fantasiados. Em lugar dum Paraíso tranquilo em que os animais vivem na paz de Deus, há um leão preparado para devorar um veado e um javali a perseguir uma figura estranha com duas pernas. Perto do tanque, um leopardo abocanha um lagarto e uma ave come uma rã.

                                                     
Deus, figurado como Cristo, está de pé, e apresenta a Adão a Eva acabadinha de criar e pronta para o pecado.

                                            


O painel da direita representa o inferno. É um painel sombrio que contrasta com os antecedentes.
Há quem lhe chame o Inferno da Música, tantos são os instrumentos musicais apresentados.                                             
No estrato superior são representados o fogo e os tormentos.                 
O andar médio contém figuras de pesadelo.
A faca ligada às orelhas tem sido interpretada como um símbolo fálico.
O painel é dominado pela figura do homem-árvore, que olha para o observador. 


Tem na cabeça um disco em que dançam pequenos demónios. Os braços são troncos de árvore e apoiam-se em barcaças. 
O peito é oco e dá abrigo a monstros.

                                             
O andar inferior é o da orquestra. Os instrumentos musicais são aparelhos de tortura.
                     
                  
Em lugar do maestro está um demónio que devora condenados e os vai defecando para um poço negro.

                                       


Em baixo, à direita, um homem é abraçado por uma porca com touca de freira.

                                 
   
A maior parte dos críticos atribui a Bosh intenções moralizantes. Mostrar os horrores do inferno pode facilitar a entrada nos caminhos do céu. Também as catedrais antigas exibem gárgulas com aspeto demoníaco.
No entanto, Bosh gasta-se mais na descrição do perverso que na promoção do Bem. Para ele, a tolice e o pecado fariam parte da natureza humana. Há quem diga que se limitou a apontar factos, desistindo de dar conselhos.




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